6 de agosto de 2010 - textos completos
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(Jornal Folha de São Paulo, 6 de agosto de 2010)
PF investiga esgoto para combater tráfico de droga
Em teste realizado no Distrito Federal, polícia calcula consumo em 2 t/ano
É possível monitorar consumo por quarteirão e até mesmo localizar laboratórios que produzem cocaína
FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO
A Polícia Federal adotou um novo método para combater o tráfico de drogas no país: a análise da rede de esgoto das cidades.
Os primeiros testes foram feitos neste ano na rede do Distrito Federal e levaram a PF a calcular que o consumo de cocaína na capital federal é de duas toneladas por ano.
A pista deixada pelos usuários é uma substância química chamada Benzoilecgonina, expelida na urina.
É possível identificar até mesmo o consumo por quarteirão, dependendo do número de equipamentos instalados em uma região.
Além do mapeamento de áreas de uso, o método permite investigar laboratórios que produzem cocaína.
Em regiões onde há consumo da droga, geralmente a análise encontra quatro partes de Benzoilecgonina para cada uma da cocaína pura.
Se a relação se inverte e grandes quantidades da droga são encontradas, é provável que na região ocorra a lavagem de objetos usados na fabricação do entorpecente.
"As análises poderão orientar a repressão ao tráfico de drogas porque vão mostrar nos mapas as regiões onde se consome mais e onde as investigações devem ser intensificadas", afirma o diretor Técnico-Científico da PF, Paulo Roberto Fagundes.
O projeto, intitulado de Quantox (Quantificativo de Analitos Tóxicos), foi desenvolvido pelo Serviço de Perícias em Laboratório e Balística, órgão do Instituto Nacional de Criminalística da PF.
CRACK
O perito criminal federal Adriano Maldaner, chefe do serviço, diz que o objetivo é desenvolver análises para detectar vestígios de crack.
"O princípio ativo da pedra de crack é a cocaína, porém o crack é muito menos estudado que a cocaína. Nosso objetivo é produzir estudos inclusive para a comunidade acadêmica", diz.
Com as amostras colhidas em seis estações de tratamento de esgoto, nos dias 16 e 17 de março e 1º e 2 de junho, a PF calculou em, no mínimo, duas toneladas o consumo da droga.
Em 2009, cerca de 350 kg de cocaína foram apreendidos na região- com mais de 2,5 milhões de pessoas.
"Antes do Quantox, era difícil saber se as quantidades apreendidas pela PF eram significativas em relação ao combate ao tráfico. Com as análises, agora podemos fazer melhor esse tipo de avaliação", disse Maldaner.
As análises foram feitas em parceria com a Unicamp e UnB. Estudos semelhantes já foram realizados na Itália, Reino Unido, Suíça e EUA.
(Jornal Correio Popular, 6 de agosto de 2010)
Cidades
Cenário XXI - Cola de jararaca ajuda a recuperar lesões
Aliada a outros processos, substância é usada em reimplantes
Patrícia Azevedo
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
patricia.azevedo@rac.com.br
A jararaca é a responsável pela maior parte dos acidentes com cobras no Brasil e por isso virou sinônimo do mal. Mas o réptil também pode ser usado para melhorar a saúde do homem. Cientistas da Unicamp estão utilizando uma proteína encontrada no seu veneno para colar nervos em reimplantes de raízes nervosas com a medula espinhal. Os pesquisadores usam células-tronco da medula óssea e um gel desenvolvido a partir do veneno da jararaca para restabelecer a conexão entre o sistema nervoso periférico e o central e assim restabelecer o movimento em membros afetados.
O projeto é coordenado pelo professor do Departamento de Anatomia, Biologia Celular e Fisiologia e Biofísica Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira. Ele explica que a pesquisa é específica para um tipo de lesão que ocorre na interface do sistema nervoso, comum em quedas e acidentes de moto, quando o ombro é deslocado e os nervos se desprendem do pescoço. “A maioria dessas lesões não pode ser revertida e o paciente fica com sequelas”, explica o biólogo. Isso ocorre porque muitos neurônios motores, responsáveis pelo movimento, não sobrevivem ao impacto da lesão, o que inviabiliza o reimplante.
Além disso, a cirurgia no local é tão arriscada que qualquer deslize pode provocar danos maiores ao paciente. “Sei de um cirurgião chamado Thomas Carlstedt que faz esse tipo de cirurgia na Inglaterra”, conta.
O objetivo da pesquisa da Unicamp é criar mecanismos que viabilizem a sobrevivência dos neurônios motores. “Por isso é muito importante entender a biologia da lesão. A sobrevivência neuronal melhora as chances de recuperação do paciente e do reimplante ser bem sucedido”, explica o cientista. Os neurônios motores são indispensáveis para o movimentos dos membros. Nessa lesão específica, eles se ligam às raízes dos nervos, que se unem à medula espinhal.
Num primeiro momento, eles apenas usaram as células-tronco para impedir a morte neuronal. “Essas células não agem para se transformar em neurônios motores. Elas fornecem substâncias importantes para que o neurônio fique mais resistente e sobreviva”, explica o biólogo. Oliveira conta que com o tempo, essas células tronco são absorvidas pelo organismo.
Resultados preliminares da sua pesquisa já foram publicados na revista Neurobiology of Disease. Usando células-tronco da medula de ratos, os cientistas conseguiram dobrar a sobrevida dos neurônios afetados pela lesão. Os testes foram feitos em ratos no Laboratório de Regeneração Nervosa no Instituto de Biologia.
Na segunda etapa da pesquisa, que ainda está em andamento, os cientistas fizeram o reimplante com a cola. “Nós colocamos células-tronco no gel e usamos para colar as raízes nervosas à medula”, explica o pesquisador. Nos testes feitos na Unicamp, os ratos que receberam o reimplante voltaram a andar depois de três meses. “É necessário um período longo para que ocorra a recuperação”, explica Oliveira.
Os ratos, conta o pesquisador, são um modelo consagrado para estes tipos de teste. “É mais fácil realizar as experiências com ratos do que com animais maiores. Eles são um modelo consagrado para estudar o sistema nervoso”, diz.
O próximo passo é aperfeiçoar a técnica. O pesquisador diz, no entanto, que vai demorar alguns anos para que a técnica seja incorporada à medicina. “É preciso encontrar cirurgiões que façam esse tipo de intervenção”, conta.
Proteína
A cola usada pelos cientistas da Unicamp é feita a partir da fibrina, que é uma proteína produzida a partir de uma fração do veneno de jararaca. O selante é feito pelo Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. Segundo o pesquisador, o uso selante não traz efeitos colaterais. “O ser humano já tem essa proteína no organismo”, conta.
O NÚMERO
75
PORCENTO
É a queda no número de mortes em São Paulo ocasionadas por picadas de cobra nos últimos sete anos
Butantan decifra ação da peçonha no corpo
Toxina é responsável por provocar hemorragias e necroses
No Brasil, as picadas de jararaca (Bothrops jararaca) respondem por cerca de 90% do total de acidentes com humanos envolvendo serpentes. O veneno da serpente pode provocar hemorragia e necrose que, em casos mais graves, culminam com a amputação dos membros afetados. As toxinas presentes no veneno desses animais são de suma importância para a ciência. Uma das toxinas responsáveis pela ação hemorrágica do veneno da jararaca, a jararagina, foi isolada em 1992 e é bastante estudada por pesquisadores no Brasil e de outros países. Agora, cientistas do Instituto Butantan conseguiram demonstrar como a toxina se liga aos vasos sanguíneos.
Usando camundongos, ela marcou a toxina com uma substância fluorescente e a injetou na do bicho para determinar o caminho percorrido pela toxina. Por meio do microscópio, a pesquisadora Cristiani Baldo, do Laboratório de Imunopatologia do Butantan, observou que a toxina se concentrou nas proximidades dos pequenos vasos capilares, comprometendo sua integridade e induzindo o sangramento local.
A jararagina é uma das principais responsáveis pelos efeitos locais da picada, como hemorragia, edema e inflamação. O trabalho, diz a pesquisadora, representa um importante avanço para reduzir as sequelas provocadas pelo envenenamento. Ele abre portas para que outros pesquisadores elaborem substâncias que bloqueiem a ação da proteína e, assim, reduzam as sequelas provocadas pela picada da cobra.
Hoje não há como tratar esses problemas. A cientista explica que o soro antiofídico existente é eficaz para tratar alguns dos sintomas gerados pelo envenenamento, como a coagulação sanguínea, alterações cardiovasculares e renais. O maior problema é a lesão no local da picada, caracterizadas pelo edema, inflamação e hemorragia, que não são neutralizadas pelo soro antiofídico. Por causa disso, 10% das vítimas ficam com alguma sequela grave, tais como perda da função ou até mesmo amputação do local afetado. (PA/AAN)