sábado, 29 de setembro de 2012

De Rerum Natura


 

Sexta-feira, 28 de Setembro de 2012

Um exemplo a seguir?

Vale a pena ler este artigo de Shailendra Raj Mehta, publicado no Público, sobre o que explica o sucesso das universidades norte-americanas. Contudo, apesar de haver certamente alguma verdade na sua análise, tem dois pontos muito fracos.

Primeiro, baseia-se em classificações de universidades para declarar que uma é melhor do que outra, vulgo "rankings". Ora, o modo como tais classificações são feitas deixa amplo espaço de manobra para que uma universidade que fica em primeiro lugar numa classificação fique em décimo noutra. A maneira como medimos a qualidade de uma universidade depende do que entendemos que é a qualidade de uma universidade.
Segundo, se a análise do autor estivesse inteiramente correcta, seria de esperar que antes da segunda guerra mundial as universidades norte-americanas tivessem a mesma influência que têm hoje em dia. Mas não tinham. No caso da filosofia, por exemplo, nenhum departamento norte-americano antes da segunda-guerra mundial se aproximava sequer de um departamento britânico médio, quanto mais dos melhores. (Com que critérios? Vagos, baseados no meu conhecimento da bibliografia e da história da filosofia. A minha impressão não tem qualquer base científica, mas eu ficaria muito surpreendido se um estudo científico a contrariasse -- e não apenas eu, mas praticamente qualquer filósofo.)
Eis uma ideia. O autor pode ter razão, e o modelo de administração norte-americano que ele defende parece-me uma excelente ideia. Mas outro factor crucial para explicar o domínio actual das universidades norte-americanas é o fenómeno que observamos várias vezes ao longo da história da humanidade: os mais importantes centros de estudo tendem a ir atrás do poder económico. Veja-se aqui a minha recensão de Empires of the Word, para uma ideia semelhante no que respeita à importância das línguas. 

 

 

O segredo do sucesso de Harvard

27.09.2012 - 12:34 Por Shailendra Raj Mehta
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Nenhum país domina uma indústria, como os Estados Unidos dominam o ensino superior. De acordo com o Academic Ranking of World Universities publicado pela Shanghai Jiao-Tong University, por exemplo, 17 das 20 melhores universidades do mundo são norte-americanas, com Harvard no topo da lista por uma margem substancial.
A explicação tradicional para este fenómeno – a riqueza dos EUA, o grande número de habitantes, o financiamento generoso da investigação, a filantropia privada generalizada e a capacidade de atrair académicos de todo o mundo – está incompleta. Embora os Estados Unidos se possam gabar de serem detentores da maior economia do mundo, o país abrange apenas um quarto do PIB mundial e possui cerca de um vigésimo da população do mundo. E o apoio que dá à investigação não é coisa única deste país.

Além disso, de acordo com a explicação reconhecida, grandes países, como a França, a Alemanha, o Japão e até mesmo a China e a Índia também deveriam estar representados no topo do ranking das melhores universidades do mundo. Mas eles só aparecem esparsamente em qualquer lugar de tais classificações, se é que aparecem.

Na verdade, estes países não têm uma peça fundamental do puzzle: o modelo de governação inovador para o ensino superior dos EUA.

Harvard foi oficializada como uma instituição pública, em 1636, pelas autoridades da colónia da Baía de Massachusetts. O valor que tem para Massachusetts é exemplificado na constituição estatal pós-independência da Commonwealth, ratificada em 1780, que inclui uma secção sobre a função e os limites da universidade.

Quando os antigos alunos de Harvard dominavam a legislatura de Massachusetts, foi dado apoio e consideração à universidade. Mas, na década de 1840, a imigração em massa, impulsionada pela escassez da batata irlandesa, alterou o equilíbrio demográfico do estado, permitindo aos populistas ganharem o controlo da legislatura.

Pouquíssimo tempo depois, Harvard foi criticada por ser demasiado elitista, demasiado restrita e demasiado cara. Até mesmo o seu currículo foi posto à prova. Durante as duas décadas seguintes, o estado impediu cada vez mais o funcionamento de Harvard, recusando, por exemplo, a libertação de fundos e obstruindo a nomeação de professores. Este comportamento culminou em 1862, quando a legislatura obstruiu a nomeação do presidente da universidade.

Em resposta, Harvard pediu que fosse colocada “fora do alcance das habituais lutas e mudanças políticas” e nas “mãos de antigos alunos que tivessem os interesses da educação essencialmente no coração”. A 29 de Abril de 1865, esta proposta radical foi reivindicada no Tribunal Geral de Massachusetts (a legislatura bicameral do estado), graças à pressão intensa e à boa vontade criadas por intermédio do distinto serviço pela União, dos antigos alunos de Harvard, durante a Guerra Civil. Desde então, o Conselho de Supervisores de Harvard tem sido controlado exclusivamente por antigos alunos.

Inspiradas pelo sucesso de Harvard, outras universidades – começando pela Universidade de Yale e pelo College of William and Mary – adoptaram medidas semelhantes. Este “método genuinamente norte-americano”, como Charles William Eliot, o presidente que mais tempo esteve ao serviço da Universidade de Harvard, apelidou, tornou-se a norma não apenas para as universidades privadas, mas também para as instituições públicas, como a Universidade de Michigan e a Universidade de Purdue, e até mesmo para as instituições religiosas, como a Universidade de Notre Dame e a Universidade de Duke.

Actualmente, 19 das 20 melhores universidades norte-americanas dos rankings mais vistos, US News and World Report, são controladas por antigos alunos (definido com uma representação de 50%, ou mais, no Conselho de Administração). A única excepção, o Instituto de Tecnologia da Califórnia, tem um conselho representado por 40% de antigos alunos. Das cinco primeiras, três (Harvard, Yale e Columbia) são totalmente administradas por antigos alunos, e duas (Princeton e Stanford) estão sob o controlo de 90% de antigos alunos. Os antigos alunos assumem o comando, até mesmo em instituições públicas, tais como a de Purdue (90%) e a de Michigan (63%). Em média, os antigos alunos formam 63% dos conselhos das 100 melhores universidades norte-americanas, tanto públicas como privadas.Em geral, uma maior percentagem de antigos alunos no conselho é associada a uma melhor classificação, a um aumento da selectividade e a um maior legado. Afinal de contas, nenhum grupo se preocupa mais com o prestígio de uma universidade do que o dos seus antigos alunos, que ganha ou perde estima à medida que o lugar no ranking, da sua universidade, sobe ou desce.

Na verdade, os antigos alunos têm mais incentivo para doarem generosamente e para administrarem a universidade de forma eficaz. Dado o seu profundo conhecimento da universidade, os antigos alunos também são os líderes mais eficazes. Através das redes de antigos alunos, os membros do conselho podem adquirir informações de forma rápida e agir sem demora.

Todas as grandes universidades são organizações sem fins lucrativos, criadas para administrarem o ensino superior, o que beneficia a sociedade como um todo. Mas as universidades norte-americanas descobriram uma forma de integrarem os benefícios da concorrência no conceito europeu “sem fins lucrativos” ou as chamadas corporações caritativas. A falta de lucro não diminui o incentivo de um conselho, dominado por antigos alunos, para competir pelo prestígio através de, por exemplo, a contratação de um corpo docente ilustre, a aceitação de alunos de mérito e de esforços para a realização atlética ou artística.

Tirar partido dos antigos alunos para incutir os benefícios da concorrência em instituições sem fins lucrativos, ilustra o talento especial da adaptação norte-americana. Os países que aspiram competir com as universidades norte-americanas devem tomar nota disso.

Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate