Filhos e netos de políticos famosos tentam a sorte na urnas
15 de setembro de 2012 • 15h44
• atualizado às 16h03
Candidatos com "pedigree" apostam em sobrenome dos ancestrais para garantir votos em 2012
Foto: Acervo pessoal/Divulgação
Foto: Acervo pessoal/Divulgação
Filhos, netos, sobrinhos: eles têm sobrenomes conhecidos, são parentes
de políticos que marcaram a história do Brasil, e tentam agora uma
chance de fazer parte dessa história também. Candidatos com o "pedigree" de famílias famosas da ditadura e da democracia brasileira são candidatos a prefeito e vereador, e pretendem angariar votos com a lealdade dos eleitores de seus ancestrais.
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Em Salvador, o neto do ex-governador baiano Antonio Carlos Magalhães, ACM Neto (DEM), tenta chegar à prefeitura. No Rio de Janeiro, Rodrigo Maia (DEM) e Otavio Leite (PSDB),
filhos do ex-prefeito Cesar Maia e do ex-senador Julio Leite,
respectivamente, também disputam o Executivo. Em Manaus, a corrida pelo
Paço tem Artur Neto (PSDB), filho do senador Arthur Virgílio, enquanto em Aracaju a presença é de Valadares Filho (PSB), filho do ex-governador sergipano Antonio Carlos Valadares.
Na disputa para câmaras municipais aparecem Leonel Brizola Neto (PDT),
neto do ex-governador gaúcho e fluminense, concorrendo pelo Rio de
Janeiro; Christopher Goulart (PDT), neto do ex-presidente João Goulart
(PDT), e Pablo Mendes Ribeiro Jr. (PDMB), filho do atual Ministro de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em Porto Alegre. Em São Paulo, Lívia Fidelix (PRTB), filha do cofundador do PRTB Levy Fidelix, e Mario Covas Neto (PSDB), filho do ex-governador paulista, também tentam uma cadeira no Legislativo municipal.
"Eu tinha dois anos quando meu pai foi candidato a primeira vez, vivi a
vida inteira no mundo da política, acho que é um processo natural
(entrar na vida pública)", afirma Covas Neto. O sentimento é
compartilhado por Leite, afilhado de batismo do ex-presidente Juscelino
Kubitschek. "Na minha casa se respirava política", lembra, acrescentando
que, nas férias, ia do Rio, onde morava com o avô ex-senador, visitar o
pai, Fernando Prado Leite, ex-deptuado estadual em Sergipe.
Outro que alega a convivência com a política no ambiente familiar como o
motivo de sua escolha de disputar um cargo público é Mendes Ribeiro Jr.
A decisão partiu, segundo o candidato, dele e da família, em especial
dos dois irmãos. "Achávamos que um de nós precisava seguir o caminho da
política, e como eu sempre fui muito próximo, concordamos que eu seria a
pessoa indicada", recorda. Goulart assina embaixo: "eu nasci fora do
País por causa de políticas", explica, já que Jango mandou seu filho e
nora para longe do Brasil por conta das perseguições da ditadura.
Herança de votos
O cientista político e professor de Ética da Unicamp Roberto Romano discorda dessa "vocação familiar para a política", e entende a continuidade de sobrenomes no ramo como "um dos defeitos mais graves da cultura política brasileira". Para ele, passar um nome adiante, por aqui, é uma espécie de herança, representada pelos eleitores, que "passam a ter dono, não são mais soberanos".
Mário Maestri, doutor em Ciências Históricas pela UCL (Bélgica), também
entende o legado como um aspecto negativo da tradição política
brasileira. "Só porque meu pai ou meu avô tiveram distinção na política,
eu sou de uma família de políticos? Todos nós somos políticos, desde
que a política não seja vista como um meio peculiar de desenvolvimento
pessoal", continua, alertando que a "herança" de sobrenomes na área é
parte de um problema maior: a "despolitização da política".
Covas Neto acredita que a relação de sua candidatura com o nome de seu
pai é inevitável e que deve ganhar votos do "eleitorado que tem
respeito, admiração, carinho e confiança" por seu pai, mas não considera
"oportunismo" se candidatar e beneficiar-se disso. "Seria mais fácil
ser candidato logo depois da morte dele, porque estaria muito mais
fresco na memória das pessoas", argumenta - Covas faleceu em 2001,
vítima de câncer.
O candidato acrescenta que encara também um eleitorado mais jovem, "que
só sabe quem foi Mario Covas de ouvir falar". Goulart usa o mesmo
argumento. "A minha geração não sabe quase nada da história do meu avô,
então (o fato de ser neto) só chama a atenção de quem é mais velho ou
tem interesse por história ou política", afirma.
Mendes Ribeiro Jr. confessa que sua campanha trabalha "para que as
pessoas liguem o 'Pablo' ao nome familiar", mas pondera que os eleitores
também "procuram saber", quando veem o sobrenome, se ele é filho do
ministro. A explicação da ênfase na ligação com Mendes Ribeiro, para o
filho do deputado, é que "o nome é muito forte", e que as pessoas
associam a alcunha a "lealdade e, acima de tudo, honestidade".
Covas pondera, por outro lado, que esses votos "herdados" também
significam "grande responsabilidade". "As pessoas invariavelmente me
dizem: 'se você for x porcento do que ele (Mario Covas) foi, já
está bom'", ilustra. "Em um País onde político é sinônimo de ladrão e
safado, você tem um pai com uma imagem tão bonita como ele tem, é um
grande orgulho e uma grande responsabilidade", reforça. Goulart usa a
mesma expressão e diz que, pela imagem de Jango, não tentaria se
candidatar se "não estivesse preparado".
Netos, filhos e filiações
Na maior parte dos casos levantados pelo Terra, filhos e netos permanecem na mesma legenda que seus antepassados. Mendes Ribeiro Jr. é um desses casos, e admite que sua escolha partidária foi altamente vinculada à ideologia do pai. "Sou PMDB desde os meus 18 anos, nunca cheguei a considerar outras ideologias partidárias, até porque eu vivia o PMDB com meu pai", afirma.
Goulart endossa a posição: "meu avô era trabalhista, Brizola era meu
tio-avô, meu pai foi deputado pelo PDT, lógico que sou trabalhista".
Covas coloca a escolha sob outro prisma, ainda que siga a tendência da
sua formação familiar. "Participei do processo inicial de criação do
PSDB, e tenho a estima de quem ajudou a fundar o partido", diz.
Leite, por sua vez, é uma exceção. Apesar de ter pai e avô como
referência, o tucano afirma que sua trajetória é "autônoma", e que as
posições políticas de seus antepassados - ambos do PR - não determinaram
suas escolhas partidárias. "Meu avô era um liberal, com o estilo mais
conservador mas era liberal; meu pai mais ainda, juscelista. Eu sou
social democrata, centro-esquerda", afirma. "Comecei no movimento
estudantil, me aproximei da corrente do Brizola, e o meu avô em nenhum
momento sugeriu um caminho diferente, o mais importante foi não
interferir na minha diretriz", lembra.
Segundo Maestri, os partidos
hoje divergem em "nuances e aparência", com ideologias e objetivos que
se confundem, e transformam-se em "instrumentos de realização de
projetos pessoais que interpretam interesses sociais dominantes". Para o
cientista histórico, a filiação partidária tem mais a ver com marketing
do que com ideologia.
"Logicamente um neto, ou bisnetos, de Brizola vão se aproximar da área
do trabalhismo, é coerente, pois é onde pode retomar o que resta da
memória de um Leonel Brizola. Se fosse neto do (Garrastazu) Médici
procurando se apropriar da memória, logicamente iria para um partido em
um espectro conservador", exemplifica. "Se não, ele perderia alguma
parte do diferencial que ele tem no nome", continua.
Para Romano, a escolha partidária, além da apropriação da memória, está
ligada também à estrutura atual dos partidos. Ele acredita que são os
dirigentes das legendas que agem como "oligarcas" e "donos" das siglas.
"Se houvesse uma proibição de permanência na presidência do partido por
mais de quatro anos esse tipo de excrecência não poderia acontecer, os
possíveis candidatos teriam que se submeter às eleições primárias", argumenta.
Segundo o cientista político, os membros das "famílias políticas" têm
mais facilidade para encontrar apoio a suas candidaturas. "Os donos de
partidos impedem a entrada de candidatos que não estejam no controle
deles, e esses candidatos têm que jurar certa fidelidade se não não tem
tempo de TV, nem mesmo a indicação pra candidato. O que acontece é um
afastamento da política do cidadão que não tem nome famoso", opina.
Mendes Ribeiro Jr. seria um exemplo dessa "facilidade" de candidatura. O
candidato admite que sua ideia de tentar uma vaga na câmara
porto-alegrense teve "boa aceitação" no partido, quando sugerida, porque
ele tem "nome forte", graças ao pai.
"Essa história de filho herdar o eleitorado do pai mostra que não existe
de fato liberdade dos eleitores, que eles estão sendo garroteados por
determinadas famílias", critica Romano, citando famílias como os Sarney
no Maranhão, os ACM na Bahia e os Bornhausen em Santa Catarina.
Em última instância, argumenta o cientista político, passar o poder de pai para filho, ainda que por meio de eleição,
"é um processo de transformar a coisa pública em coisa privada".
"Quando se fala em nepotismo no Brasil, se pensa na mulher trabalhar no
gabinete no marido. Mas (a candidatura de políticos da mesma família) é
uma das formas mais perversas de nepotismo, porque a coisa pública acaba
dominada por determinadas famílias", completa.
Romano alerta que "quando famílias passam a controlar a vida pública por
gerações sucessivas, vê-se que está havendo uma particularização do
Estado", o que em última instância distancia a noção de democracia.
"Pouco a pouco você não está tendo uma república, mas uma oligarquia,
uma espécie nobreza, assim como o duque herdava o ducado, (o filho de
político) vai herdar Estados", aponta.
Carreira na política
Maestri questiona outro aspecto da noção de "família de políticos", o de que "a política passa a ser uma profissão, um modo de ganhar a vida". Assim, continua, exercer um cargo público deixa de ser uma forma de participar da política e passar a ser "uma forma de enriquecer, por meios honestos, 'para-honestos' e desonestos". Ele atribui essa expectativa, em parte, aos "salários e recursos dos políticos no Brasil, verdadeiramente assombrosos e absolutamente desligados da realidade do País, do que ganha a imensa maioria da população".
Romano alerta, no entanto, que a participação de descendentes de famosos
na política não é um problema atual, e nem restrito a conservadores ou
liberais. Para ele, a tendência só está "um pouco mais conhecida" por
causa da imprensa e da internet, além das ações do Ministério Público.
"Mas sempre foi assim, esse domínio das famílias brasileiras é uma das
formas pelas quais nós não conseguimos, até hoje, chegar a uma
democracia madura", conclui.