Mentira e Razão de Estado.
Roberto Romano/Unicamp
Roberto Romano/Unicamp
No
mundo inteiro observa-se uma espécie de retorno ao absolutismo, que por
sua vez imaginávamos afastado pelas revoluções inglêsa, norte-americana
e francêsa. Sequer pode-se afirmar que hoje vigora um Termidor. Na
verdade o retorno político que testemunhamos segue para o arbítrio e a
imposição de leis e normas pelos que ocupam o lugar do arcaico rei
sagrado. Nunca, na história política moderna e deste país, o Executivo
foi tão impositivo e tirânico.
Com a hegemonia inconteste do Príncipe
(inclusive com o retorno da prática na qual os bens do Estado pertencem a
governantes e áulicos) temos algo similar ao descrito por Peter Burke
na consolidação moderna do Estado: todas as instituições públicas
tornam-se instrumentos para ilustrar a imagem do governante. (1) A
Raison d´État é apenas um outro elemento da reivindicação enunciada pelo
Rei Sol: L´État c´est moi. Como indica Peter Burke, as academias
científicas, artísticas, os palácios públicos, as avenidas, as cidades,
as fábricas, os quartéis passaram a existir apenas para exibir a “glória
da França” na figura de Luís. As técnicas empregadas pelo Estado
absolutista foram assumidas pelos governos após o refluxo da Revolução
de 1789. A primeira delas é o culto da personalidade, abusado por
Napoleão e conduzido ao delírio no século 20.
Recomendável é a leitura
dos últimos considerandos feitos por Burke sobre o século anterior. O
autor critica quem separa de modo radical a ordem política, na época de
Luis e em nossos dias. Ele mostra que muitos autores recentes erram ao
comentar o Estado do século 17. Por exemplo Daniel Boorstin que, em
1960, cunhou o termo “pseudo-evento”, cujo significado vai de uma ação
encenada tendo em vista midia aos rumores sobre atos noticiados antes
mesmo que ocorram. Em português atual o termo é factóide. As jóias, os
quadros, medalhas e gravuras absolutistas integravam encenações
meticulosamente ensaiadas.
Existem outros termos como “Estado
Espetáculo”, produzido por Schwartzenberg em 1977 (2) para descrever a
política de Kennedy, De Gaulle, Pompidou e Carter e o empacotamento dos
candidatos. Dizer que “antes” os pretendentes ao governo não eram
vendidos à população é olvidar que Richelieu e Luís XIV tinham
ghost-writers para redigir discursos, memórias, cartas. A “venda” do
produto político não difere em demasia hoje do que se fez na era da
Razão de Estado.
Finalmente: “os meios de persuasão assumidos por
governantes no século 20 como Hitler, Mussolini e Stalin e, em menor
grau, pelos presidentes franceses e norte-americanos, são análogos sob
certos aspectos importantes aos meios empregados por Luíz XIV”. Existem
diferenças, pois “os novos meios eletrônicos têm suas próprias
exigências. A mudança de discursos políticos para debates e entrevistas,
por exemplo, é um dos seus efeitos. Mesmo assim, o contraste entre o
que poderíamos chamar de ´governantes eletrônicos” e seus predecessores
foi exagerado”.
Conhecemos o sentido atual da manipulação das
massas. Depois de Elias Canetti, cujo exame das multidões captou as
bases totalitárias do século 20, em Massa e Poder, analistas como Peter
Sloterdijk mostram as potencialidades da nova midia e da Internet no
movimento de massas virtuais, determinado pela propaganda.
(3)
Semelhantes artifícios são reunidos na classificação ética
tradicional que diz respeito à mentira. Engana-se quem une razão e
verdade. Como enuncia I. Kant, antecedido por Rousseau e Platão, a força
do pensamento racional, no mundo finito, é acelerada pela mentira e
pela desmesura. As primeiras linhas da Critica da Razão Pura dizem que
“a razão humana sofre um destino peculiar, pois em todas as espécies de
seu conhecimento ela se incendeia por questões que, como é prescrito
pela própria natureza da mesma razão, ela não pode ignorar mas que, se
ultrapassar os limites de seu poder, ela também não pode responder”.
Como o poder político, a razão deve encontrar limites, caso contrário
ela delira sem suportes na corporeidade humana. Se o conhecimento é o
seu alvo, ela deve começar dando à sensibilidade o seu quinhão,
partilhando seus poderes. Quando se imagina absoluta, a razão, enuncia
Kant, torna-se despótica e vazia. A verdade necessita tanto de
ingredientes raros e caros quanto das humildes fontes estéticas. Justo
por tal motivo Kant defende a crítica da razão. Como diz o intróito da
sua obra estratégica: “Nossa era é propriamente a era da crítica, a quem
tudo deve ser submetido. A religião, por sua santidade e a legislação,
por sua majestade, querem ser isentadas pela crítica. Mas então elas
despertam suspeitas e não podem exigir o respeito sincero que a razão
concede apenas ao que passa pela prova livre e pública”. (4) O trecho
kantiano é um ataque direto ao dogmatismo trazido pela razão de Estado.
Tanto a ordem religiosa quanto a civil buscam um estado de exceção para
si mesmas, enquanto a crítica liga-se à continuidade no ordenamento
público e republicano. Alí, a regra é efetivamente universal e não
admite exceções, muito menos estados de exceção. E a Raison d´État opera
segundo a lógica do que é excepcional. Não por acaso um dos autores
primevos na constelação absolutista redigiu em 1652 (tempo áureo da
raison d´État, especialmente sob Richelieu e Mazarino) o primeiro livro
claro sobre os golpes de Estado. Refiro-me a Gabriel Naudé. (5)
Proponho
às senhoras e senhores inspecionar a mentira como essência da razão de
Estado. Na tarefa, uso os trabalhos de vários escritores, sobretudo o de
Victoria Camps, “A mentira como pressuposto”, editado em coletânea
dedicada ao problema da mendacidade. (6) Uma constatação primeira é
sobre a natureza da linguagem verdadeira. Se ela é uma convenção ou se
brota diretamento da natureza, é algo que se discute na filosofia desde
os seus primórdios. Com esta zona cinzenta que obnubila noção de gênese,
a hipótese mais produtiva, em termos políticos e jurídicos enuncia que a
verdade no mundo finito não pode ser absoluta. E nem a mentira. A
lingua, como a cultura humana incluindo o poder, define-se como um jogo.
De Pascal a Wittgenstein, esta via tem sido explorada com insistência. A
mentira, segundo o último pensador citado, é um jogo de linguagem que
deve ser aprendido, como qualquer outro jogo.
Se existe uma atenuação
do conceito de verdade e mentira no mundo moderno, ainda somos
suficientes herdeiros de Rousseau e não perdemos a certeza na
sinceridade. Este é o pressuposto da comunicação, sobretudo em coletivos
que se desejam democráticos. Que a lingua seja o lugar dos equívocos,
da insuficiente clareza, dos desvios semânticos, é algo debatido desde
os pré-socráticos e o Crátilo platônico é eloquente testemunho. A
simples inspeção em textos fundamentais do pensamento político moderno
como o Leviatã, também mostram que antes de penetrar os segredos do
poder é preciso bem vigiar o uso das palavras. Em nossos dias um
analista que traz elementos para este labor é Austin, no importante How
to do things with words. (7)
Segundo Austin, o que a lingua faz não é
nem verdadeiro nem falso : está bem feito ou mal feito. Em lugar de
erros ou falsidades, ele prefere dizer “atos infortunados”, como os
abusos do pensamento, sentimentos, intenções, trazidos pela
insinceridade do agente. Assim, dar conselhos com objetivos torpes,
dizer culpado o inocente, prometer querendo não cumprir, não consiste em
dizer coisas “falsas”, mas insinceras. Aí reside propriamente o ato de
mentir.
Qual é a mais espalhada definição da mentira em nossa
cultura ? A de Santo Agostinho. Este último proclama que Deus é inocente
de toda falsidade. Ao dizer que Deus não precisa de nossa mentira, ele
segue Platão à risca. Todos recordam as passagens da República que
censuram os deuses homéricos mendazes, e a sentença do filósofo que
define os atores divinos como inocentes. Do celeste ao humano: como a
nossa vontade decidiu-se pelo mal, ainda no Paraíso (incluindo a
mendacidade), no mundo finito tudo é pervertido. O Estado só existe
porque ocorreu aqule primeiro ato de vontade maléfica e mentirosa.
Servos de nosso egoísto e orgulho, para nós a mentira só pode consistir
em “dizer o contrário do que se pensa, com a intenção de enganar”. (De
mendacio) Em outro texto, o Contra mendacium (8) [Contra o ato de
mentir], o padre da Igreja analisa a mentira feita para obter vantagens.
Nada mais acertado, no caso, do que recordar as passagens de Edmund
Burke sobre a atração racional pelo mal, o que produz no homem o
sentimento do “delight”, tranqüilo horror que segundo Burke é a fonte do
sublime. Satã, o mentiroso supremo, pelo prazer da luz racional nos
joga no delírio, armadilha cujo nome latino é lacio: rede luminosa que o
Príncipe das Trevas joga sobre os “animais racionais”, para que eles se
afastem da luz. (9)
A mentira é portanto um ato de fala. Vejamos o que
isto pode significar. Os atos de fala dependem, segundo Austin, do
ajuste de quem enuncia a um “procedimento convencional aceito (…) que
inclui a emissão de certas palavras, por parte de certas pessoas em
certas circunstâncias”. Este aspecto é determinado como ilocução (o que
fazemos ao dizer algo), mas não como perlocução (o que fazemos pelo fato
de dizer algo). A perlocução é o efeito produzido por um ato
linguistico, o objeto ou a simples sequela deste ato. A perlocução pode
ser intencional ou inintencional. A perlocução não é convencional, ela
se produz ou deixa de ocorrer independentemente da correta efetivação do
ilocutivo. Vejamos exemplos disso: “mate-o” é locutivo. “Ordenou-me que
o matasse”, ilocutivo. “Persuadiu-me a matá-lo”, perlocutivo.
“Persuadir”, “convencer”, “assustar”, “alarmar” são perlocutivos cuja
efetivação não depende do fato de usar certas expressões ou situá-las em
contexto adequado, mas sim da habilidade, destreza ou astúcia do
falante, da fraqueza ou vulnerabilidade do ouvinte, circunstâncias nem
sempre previsíveis nem controláveis pelos próprios sujeitos do ato de
fala. (10)
Para expôr a não convencionalidade do perlocutivo, Austin
afirma que um juiz pode decidir, pela oitiva de testemunhas, quais
locutivos e quais ilocutivos foram empregados no ato delituoso, mas não
pode saber quais foram os perlocutivos porque não tem provas para tal
exame. O ilocutivo é um ato físico mínimo, que consiste em dizer algo. O
perlocutivo resulta do ter dito algo, que não consiste em outro ato de
dizer. Ele não é convencional e isto poder ser verificado pelo fato de
que ele não pode ser explícito, caso contrário perde eficácia. Não se
diz: “eu te persuado”, ou “eu te assusto” quando se deseja realmente
persuadir ou assustar. O perlocutivo pode ser intencional ou
inintencional, um fim proposto ou querido, ou ser uma simples sequela do
ilocutivo.
Se a mentira é “dizer o contrário do que se pensa com a
intenção de enganar”, como considerá-la no contexto dos atos de fala?
Falar a mentira, para Austin, é transgredir a condição dos atos de fala,
a sinceridade. No ilocutivo, a mentira está em não cumprir de uma
regra, que exige dos partícipes de uma troca de enunciados que eles
possuam os pensamentos e sentimentos expressos, e que tenham a intenção
de falar em consequência. Digamos em forma de jogo: os partícipes de um
jogo de xadrez devem ter a a competência e o intento de jogar xadrez,
não dominó ou um outro jogo. A sinceridade, assim entendida, é um
pressuposto da conversa. A mentira, dizer o contrário do que se pensa,
negaria o própria ato comunicativo. Ela não é um ilocutivo, mas um
perlocutivo. Por exemplo: se falarmos “ao dizer X, eu o enganei” o
intento e a consequência se ampara, justamente, na ausência de
explicitação, na falsidade do ato, a inconexão encoberta entre o que
digo e o que, de fato, pretendo conseguir sem que o outro o perceba,
pois se trata de enganá-lo.
Permitam-me afirmar que nesse passo temos a
condição primeira da Razão de Estado. Todos os comentadores daquela
política indicam que a inconexão encoberta entre falante e ouvinte,
entre os que falam pelo poder e os que obedecem, é o seu núcleo. A
questão do segredo aninha-se neste fio básico da mentira.
A mentira
vai além dessa prática de engôdo metódico, pois alguém pode enganar e
ocultar de si mesmo este seu intento, salvando às meias a própria
consciência. “O político mente para ganhar eleições; o desempregado
mente para conseguir emprego, e até existe quem minta exclusivamente
para chamar a atenção”. Nestes casos, o perlocutivo não é apenas
enganar. Assim, podemos imaginar que a mentira como perlocutivo absoluto
—mentir por mentir— jamais ocorre. Mentir é um recurso próximo do que
chamamos manipulação. Ela é um ato unilateral: eu engano, minto, e ele
não deve perceber. Aqui também nota-se o traço da Razão de Estado,
segundo a maioria dos comentadores. Quando citei Kant e a questão da
crítica pública, era em preparação a este passo. A mentira, na
perspectiva de Kant, nega o pressuposto semântico e pragmático essencial
que, se ausente, a comunicação torna-se impossível e, com isso, toda
ciência, moral, política. A razão de Estado é uma política paradoxal,
porque tende a reduzir todo enunciado político à manipulação dos
dirigidos, neles criando a aceitação temporária do que se diz e se faz, e
que tem a marca da mentira. A adesão aos atos do governante é fabricada
com meticulosa astúcia. A cada vez o engano deve ser retomado, sem que
se acumule realmente qualquer obediência cuja origem seja a vontade
efetiva do coletivo.
A razão de Estado arruina a base da política,
a fé pública, porque ela é “um engano radical, uma ruptura de fé que
arruina todo contrato discursivo; na mentira [e na Razão de Estado, RR] o
ouvinte não é capaz de explicitar nenhuma estrutura; trata-se de um
discurso ´fora da lei´”. (11) A mentira é um abuso da linguagem. Quando
descoberta, a mentira precisa de razões excusas para justificar tal
abuso. A verdade não precisa se desculpar, salvo justamente diante da
razão de Estado, como se apreende da história desta política que não
ousa dizer seu nome. Os julgamentos das seções especiais de Justiça em
Vichy, os julgamentos de Moscou e muitos outros julgamentos demonstram
esse ponto.
Quais os tipos de mentira que mais operam na cultura
ocidental, berço da razão de Estado? Na ficção, que sem dúvida não é
verdadeira mas também não é mentirosa, pois não intenta enganar. A
linguagem política comum, não presa à Razão de Estado, pois nela se
encontram os eufemismos, as evasivas, os silêncios, as desinformações.
Esta lingua promete sem prometer e deseja agradar e conseguir votos,
persuadir mais do que convencer. Mas não pode ser dita mentirosa, mas
demagógica. Nela, os interesses pragmáticos se sobrepõem a todos os
demais interesses. A lingua da publicidade exagera para persuadir, é
prescritiva de modo sutil. (12) A lingua religiosa não é verdadeira,
pois usa a analogia. Os atributos divinos são incognoscíveis. Só pode-se
falar deles a partir das criaturas. A lingua cotidiana conta com
fórmula mentirosas, que não podem ser tomadas ao pé da letra. Assim nas
desculpas, saudações, expressões de contentamento ou tristeza. Victoria
Camps cita a grande filósofa Mafalda, que se refere à expressão “não
tenho tempo” como uma boa “mentira dos adultos que costuma funcionar”.
Sempre é bom que se lembre o estratégico livrinho de Torquato Aceto, o
Della dissimulazione onesta. “Existem classes e profissões que se
pressupõe por princípio que forçam os seus representantes a mentir,
como, por exemplo, os teólogos, os políticos, as prostitutas, os
diplomatas, os poetas, os jornalistas, os advogados, os artistas, os
fabricantes de alimentos, os operadores da bolsa, os juízes, os médicos,
os falsificadores, os gigolôs, os generais, os cozinheiros, os
traficantes de vinho”. (13)
Mas nessas mentiras profissionais,
diga-se, temos mentiras partilhadas, pois nelas o engano participa e
assume a mentira. Esta última, no entanto, sendo um jogo que deve ser
aprendido, aquelas mentiras pervadem todos os discursos, deixando por
isto de serem algo que vai contra o coletivo. Em alguns casos temos aí
algo lícito, ou ilícito, segundo o caso. Passemos ao caso da mentira
como ato de violência e poder.
As mentiras mencionadas há pouco, são
geralmente socialmente aceitas, são funcionais, convencionais. A mentira
real se identifica com a injustiça. Ela é uma espécie de violência e
ela só é justificada pela aceitação do violentado. Nela, as duas partes
—mentiroso e enganado— sabem que estão mentindo um ao outro, mas ao
dirigido não resta nenhuma saída que não seja a adesão. Quando existe
mentira real? Quando a competência linguistica é assimétrica: mente-se à
criança, ao doente, ao fraco, ao vulnerável, ao que depende de tutores.
A mentira é possibilitada pela dominação religiosa, política,
ideológica, profissional. A Razão de Estado se instala no mundo humano
com a dominação assimétrica absolutista. É o caso de James I, que afirma
ser o rei “accountable” apenas perante Deus. Aos súditos, ele ensina e
manda sem que eles possam exigir prestações de contas.
A luta contra
a Razão de Estado formou o núcleo das revoluções democráticas na
Inglaterra do século 17, na América e na França no século 18. Na
democracia, a competência linguistica é simétrica e compartilhada. É por
semelhante motivo que todos os reacionários do século 19, a começar com
os romênticos conservadores, viram na democracia aquele regime onde
todos falam, e todos falam em demasia, sem poder decidir.
Basta
“alguma experiência da alma humana” diz Weinrich, para detectar os
sinais da mentira. Aprender o jogo da mentira —e não por acaso o
estadista da Razão de Estado é comparado ao jogador que frauda as
regras— é aprender as possibilidades de manipulação e engôdo, que
encobrem a fala, que por sua vez é o disfarce do pensamento. O que faz o
regime da Razão de Estado contrário ao genero humano e à liberdade é o
fato de que sua mentira é uma injustiça que não considera governantes e
governados como iguais, uma redução, como diria Kant, do outro a puro
meio da vontade governante. Não por acaso Montaigne define a mentira
como “valentia diante de Deus e covardia diante dos homens”. É por tal
motivo que o perlocutivo fornece uma chave para entender o ato da
mentira política, dita Razão de Estado: a sua essência é a dominação do
outro quando este não consegue recusar ou mesmo detectar o engano. O
perlocutivo não é “mentir” ou “enganar” (porque disse X, menti ou
enganei). A mentira permanece oculta, em especial na Razão de Estado,
porque não deve ser percebida, caso contrário, ela perde seu efeito.
Habermas
imagina que numa sociedade ideal, ou seja, a democrática e ilustrada,
impera o diálogo e a mentira é impossível. A simetria entre os cidadãos e
os dirigentes mostra-se total. O único senão é que tal sociedade nunca
existiu nem existirá, salvo talvez na Civitatis Dei. Mesmo assim é
preciso atentar para a ruptura do diálogo celeste, trazida pelo
primogênito da Luz. Sendo assim, temos a realidade absolutista da
assimetria entre cidadãos e cidadãos, entre cidadania e príncipes.
Existindo a assimetria, temos o poder dos competentes na fala e nos
atos, os quais decidem sobre o que pode ser ouvido e compreendido pelos
governados.
Não admira que os Estados formalmente definidos como
democracias sejam frágeis nos dias posteriores ao Termidor. Não admira
também que a confiança dos cidadãos na democracia diminua a olhos
vistos. A astuciosa Razão de Estado, da qual adoecem estadistas,
intelectuais e sobretudo burocratas, não pode fugir da corrosão
homeopática da fé pública, sem a qual nenhum poder se sustenta em prazo
longo. Como diz Nietzsche, citado bem a propósito por Victoria Camps,
“os homens não fogem tanto de ser enganados, como de serem prejudicados
pela mentira”. Não é por teres mentido para mim, arremata Nietzsche,
“mas porque eu não mais acredite em ti, é isto o que me faz estremecer”.
Fé pública e verdade são os esteios que garantem todos os
deveres, todas as leis, todos os contratos. É isto, afirma Amélia
Valcárcel, (14) que afasta a Razão de Estado para fora dos limites da
moralidade. É por este motivo que Hegel estigmatizou a critica da razão,
proposta por Kant, como algo desagregador para a sociedade civil e para
o Estado. Sem dúvida, imagina Hegel ao perverter a noção de mentira na
República de Platão, o sujeito individual não deve mentir, mas deve ser
admitido que entidades não subjetivas podem trazer verdades que para
ele, indivíduo abstrato, são mentiras. A instituição estatal é a verdade
suprema dos indivíduos, ela tem o direito à mentira para o bem do
coletivo. Moralmente se exige que uma pessoa não minta a outras, sendo
repreensível se ela mente sobre assuntos de sua esfera profissional ou
familiar. Sua mentira será punida se a mentira cometida afeta o Estado.
Este, segundo Hegel, não precisa dizer a verdade, porque ele é a
verdade. Instituições não mentem, indivíduos sim.
Termino essas notas
sobre Razão de Estado com a lembrança de Pitt Rivers (15) que afirma ser
a mentira essencialmente uma categoria que mede a hierarquia. Mentir é
uma relação que se faz cima para baixo. Trata-se de saber quem possui
direito à verdade. Mentira é não dizer a verdade a quem possui direito a
ela. A ordem que chega de cima não é mentira, mas palavra de poder
pertinente em si mesma, modelo e guia do saber e da ação dos que a
recebem. Quem precisa fazer com que sua informação suba pode mentir,
mesmo inadvertidamente, se esconde ou tergiversa parte de sua informação
ou se não purifica o conveniente para o seu nível.
Os
totalitarismos, finaliza Valcárcel, “nunca reivindicaram a si mesmos
como prováveis, mas como verdadeiros”. O absolutismo fez o mesmo, com a
terrível mentira que se encerra na Razão de Estado. Para dizer tudo com
Zaratustra: “Em alguns lugares do mundo existem ainda povos e rebanhos,
mas não entre nós (…) aqui só existem Estados. Estado? O que é isto ?
Abri os ouvidos e lhes falarei da morte dos povos. O Estado é o mais
frio dos monstros frios. Ele é frio mesmo quando mente; eis a mentira
que sai de sua boca: ´Eu, o Estado, sou o povo’. Mentira. Os criadores
formaram os povos e desenrolaram sobre suas cabeças uma fé e um amor;
eles serviram a vida. Mas os destruidores puseram armadilhas para a
multidão, é o que eles chamam Estado; eles puseram sobre suas cabeças
uma espada e cem apetites. Se ainda existe um povo, ele nada compreende
do Estado e o odeia como um pecado contra a moral e o direito. (…) Cada
povo tem seu idioma do bem e do mal e o povo visinho não o entende. Mas o
Estado sabe mentir em todas as linguas do bem e do mal e em tudo o que
ele diz, mente e tudo o que possui, roubou. Tudo nele é falso; ele morde
com dentes falsos, até suas entranhas são falsas. (16) O Estado é o
lugar onde todos estão intoxicados, bons e máus, onde todos se dissolvem
(…) onde o lento suicidio de todos é chamado ´vida´. (…) Vede estes
superfluos: eles adquirem riquezas e apenas se tornam mais pobres. Eles
querem o poder (Macht) e, antes, a alavanca do poder, muito dinheiro
—esses impotentes! Vede como eles sobem, estes macacos ágeis. Eles sobem
uns sobre os outros e se fazem mutuamente cair na lama e no abismo.
Todos querem ganhar o trono. Com frequência é a lama que está sobre o
trono, e não raro o trono está plantado na lama. Todos loucos…seu idolo
fede, este monstro frio; eles também fedem, os idólatras…”.
Nietzsche
não foi um democrata, longe disso. Mas viu coisas não percebidas por
muitos militantes que, por nada perceberem na Razão de Estado,
coonestaram horrores na Alemanha, na Itália, na URSS, no Camboja e em
muitas terras. É o que eu tinha para dizer sobre o tema. Obrigado.
Notas
1. Cf. Peter Burke: A Fabricação do Rei. A construção da imagem pública de Luis XIV. (RJ, Jorge Zahar, 1992).
2. Cf. Schwartzenberg, Roger-Gérard
: L´État Spectacle- Essai sur et contre le star system en politique.
(Paris, Flammarion, 1977).
3. Cf. Sloterdijk, Peter: O desprezo das
massas. Ensaio sobre lutas culturais na sociedade moderna. São Paulo,
Estação Liberdade, 2005.
4. “Unser Zeitalter ist das eigentliche
Zeitalter der Kritik, der sich alles unterwerfen muß. Religion, durch
ihre Heiligkeit, und Gesetzgebung durch ihre Majestät, wollen sich
gemeiniglich derselben entziehen. Aber alsdann erregen sie gerechten
Verdacht wider sich und können auf unverstellte Achtung nicht Anspruch
machen, die die Vernunft nur demjenigen bewilligt, was ihre freie und
öffentliche Prüfung hat aushalten können.”. Cf. Kritik der Reinen
Vernunft, Vorrede zur ersten Auflage.Hamburg, Felix Meiner, 1956, p. 7.
5. Cf. Considérations politiques sur les coups d´Éstat. Republicação
pelo Centre de Philosophie politique et juridique ERA.CNRS, Université
de Caen, 1989 (sob a responsabilidade de Simone Goyard-Fabre.
6.
Cf.Carlos Castilla del Pino (Org.) : El discurso de la mentira. Madrid,
Alianza, 1988.
7. John L. Austin: How to do things with Words: Oxford,
Clarendon Press, 1962, segunda edição.
8.Tanto o De mendacio quanto o
Contra mendacium foram traduzidos e publicados pela Christian Classics,
Ethereal Library (http://www.ccel.org/).
9.Leia-se a excelente análise
de Baldine Saint Girons à tradução francêsa de Burke: Recherche
philosophique sur l ´origine de nos idées du sublime et du beau. Paris,
Vrin, 1973, p. 22.
11. “O diabo é chamado assassino não como se ele
estivesse armado com espada…Ele chega ao homem, insinua sugestões
maléficas e o domina. Não pense que tu não és um assassino quando tu
persuades teu irmão para o mal. Se persuades teu irmão ao mal, tu o
assassinas. (…) O Senhor chamou o diabo pai da falsidade. (…) Não é todo
aquele que diz uma mentira que é o pai da falsidade. Porque se tu
recebes de um outro uma mentira, e a aceita, tu é mentiroso, porque
aceitaste a mentira. Mas não és pai daquela mentira. (…) Mas o diabo foi
o pai da mentira. Ele alegou sua própria falsidade e não a ouviu de
ninguém.” Agostinho, Homilias sobre o Evangelho de João. Christian
Classics, site indicado.
10.Sigo pari passu a demonstração de Victoria
Camps.
11. H. Parret, “Élements d´une analyse philosphique de la
manipulation et du mensonge”, Documents de Travail, Università di
Urbino, 1978, citado por Victoria Camps.
12. Neste plano, o clássico de
Vance Packard, The hidden persuaders (New york, David Mac Kay & Co.
1957) é a referência fundamental.
13. Herman Kesten (Ed.) :
Schwierigkeinten, heute die Wahrheit zu schreiben (Munique, 1964),
citado por H. Weinrich, Metafora e menzogna; la serenità dell´arte
(Bolonha, Il Mulino, 1976). Cf. Camps, p. 36.
14. “Mentira, versiones,
verdades” in Carlos Castilla del Pino, op. cit. p. 46.
15. Pitt Rivers
“Honor and social status” . In J.G. Peristiany (Ed.), Honor and Shame:
The Values of Mediterranean Society Chicago: University of Chicago
Press, pp. 19-77. Citado por Amélia Valcárcel na edição espanhola :
Antropologia del honor, Barcelona, Crítica, 1979, pp. 30 e ss.
16.
“Irgendwo giebt es noch Völker und Heerden, doch nicht bei uns (…): da
giebt es Staaten. Staat? Was ist das? Wohlan! Jetzt thut mir die Ohren
auf, denn jetzt sage ich euch mein Wort vom Tode der Völker. Staat
heisst das kälteste aller kalten Ungeheuer. Kalt lügt es auch; und diese
Lüge kriecht aus seinem Munde: "Ich, der Staat, bin das Volk." Lüge
ist's! Schaffende waren es, die schufen die Völker und hängten einen
Glauben und eine Liebe über sie hin: also dienten sie dem Leben.
Vernichter sind es, die stellen Fallen auf für Viele und heissen sie
Staat: sie hängen ein Schwert und hundert Begierden über sie hin. Wo es
noch Volk giebt, da versteht es den Staat nicht und hasst ihn als bösen
Blick und Sünde an Sitten und Rechten. Dieses Zeichen gebe ich euch:
jedes Volk spricht seine Zunge des Guten und Bösen: die versteht der
Nachbar nicht. Seine Sprache erfand es sich in Sitten und Rechten. Aber
der Staat lügt in allen Zungen des Guten und Bösen; und was er auch
redet, er lügt - und was er auch hat, gestohlen hat er's. Falsch ist
Alles an ihm (…) Falsch sind selbst seine Eingeweide. (…) Wahrlich, den
Willen zum Tode deutet dieses Zeichen! Wahrlich (…).Staat nenne ich's,
wo Alle Gifttrinker sind, Gute und Schlimme: Staat, wo Alle sich selber
verlieren, Gute und Schlimme: Staat, wo der langsame Selbstmord Aller -
"das Leben" heisst. (…) Seht mir doch diese Überflüssigen! Reichthümer
erwerben sie und werden ärmer damit. Macht wollen sie und zuerst das
Brecheisen der Macht, viel Geld, - diese Unvermögenden! Seht sie
klettern, diese geschwinden Affen! Sie klettern über einander hinweg und
zerren sich also in den Schlamm und die Tiefe. Hin zum Throne wollen
sie Alle: ihr Wahnsinn ist es, - als ob das Glück auf dem Throne sässe!
Oft sitzt der Schlamm auf dem Thron – und oft auch der Thron auf dem
Schlamme. Wahnsinnige sind sie mir Alle und kletternde Affen und
Überheisse. Übel riecht mir ihr Götze, das kalte Unthier: übel riechen
sie mir alle zusammen, diese Götzendiener“ Also sprach Zarathustra, “Von
neuen Götzen”. Uso a edição biligüe da Ed. Aubier, trad. por G.
Bianquis. O trecho é citado em parte por Valcércel, na página 51, op.
cit.
Texto do Professor Roberto Romano sobre "Razão de Estado"
Razão de Estado Roberto Romano/Unicamp
Um
aspecto relevante de qualquer estudo político em nosso tempo
encontra-se na razão de Estado. Toda a agenda do terrorismo estatal ou
de grupos anônimos passa pelos temas tradicionais do segredo, da ação
que se põe acima ou ao lado das leis comuns, dos alvos só definidos
pelos governantes ou líderes políticos, e que permanecem longe da vista
dos governados. Para bem definir a razão de Estado é de bom alvitre
examinarmos a idéia oposta à ela, a noção democrática da transparência.
Em O Caldeirão de Medéia (1) apresento um capítulo inteiro sobre aquela
realidade. Mostro alí algumas dificuldades do regime político,
democrático no qual os atos e pensamentos dos governantes seriam
visíveis para os cidadãos. A idéia do século 18 sobre o poder
transparente é uma esperança, sempre renovada e desmentida, dos
movimentos que pretendem instaurar a justiça e o respeito aos indivíduos
e grupos no mundo de hoje. À visibilidade do mando estatal, sempre foi
oposta à razão de Estado, cujos defensores elogiam o segredo dos
mecanismos políticos como salvaguarda de qualquer comunhão política,
democrática ou aristocrática, monárquica ou tirânica.
O segredo é o
mais importante componente do controle político. Elias Canetti, em Massa
e Poder, apresenta considerações lúcidas sobre este ponto. Jean-Pierre
Chrétien Gony, em estudo sobre o assunto também o discute em minúcia.
(2) É um paradoxo que a política, por excelência o campo do que deve ser
público, aberto aos sentidos de todos, tenha se encaminhado, sobretudo
após o século 16 e 17, rumo ao secreto e ali se aninhe até os nossos
dias. O segredo passa a ser algo que todo político deve usar e seu
conhecimento vem da frequentação dos poderosos somada à leitura dos
grandes teóricos dos Arcana imperii, sobretudo Tácito, Tibério,
Maquiavel. Afiança Goni que o segredo une-se ao elogio da mentira e da
duplicidade. A partir da caricatura de Maquiavel, o chamado
“maquiavelismo” (3) tudo deixa de ser sagrado, inclusive a religião.
Como diz um autor citado por Goni, “nada ajuda mais os negócios de um
principe do que a crença de sua união com Deus”. (4) A verdade do Estado
torna-se mentira para o cidadão, o que ajuda a separar de modo radical o
soberano e os súditos. O segredo surge neste intervalo. Goni cita um
psicanalista contemporâneo que analisa a própria etimologia do termo
“segredo”, que viria do latim secernere, separar, dividir, afastar. (5) A
ruptura na sociedade moderna, com a instauração do Estado, abre o campo
para o exercicio separado do poder, longe dos olhos e demais sentidos
comuns. A tese assumida a seguir por Goni, a da paranóia do governante,
extraída de Theodor Adorno (tanto nas Minima Moralia quanto na Dialética
das Luzes), merece um exame apurado. Ao discutir esse problema, também
apresentei algumas reflexões que, penso, devem ser discutidas. (6) A
idéia principal é a seguinte: tendo sido o poder, na era da razão de
Estado, concentrado na pessoa do principe, as ameaças que o poder antigo
resolvia, exorcizava, afastava, controlava, voltam-se contra o novo
soberano. O segredo é o modo de proteger, simbolica ou realmente, o
paranóico que assume o lugar central do mando. Todos tornam-se seus
inimigos e são perigosos para o Estado. Este é um modo terrível de se
entender o famoso L´État c´est moi, com a noção de lesa majestade.
Tintas religiosas nessa experiência trazem a marca do Cristo, quando
surge após a ressurreição: Noli me tangere. A pessoa real é intocável
sobretudo quando se trata de revoltas e rebeliões, possíveis
assassinatos dos dirigentes.
A moral do governante, a partir da ruptura
trazida pelo segredo, não é uma anti-moral, mas uma outra moral. Esta
distinção feita por Goni é relevante. A atuação do príncipe não pode
abolir a moral comum. Esta é estratégica até mesmo para que opere a
“outra moral”. Ocorre uma assimetria, ou uma oposição múltipla entre as
duas morais. Mas nunca abolição da primeira, a do povo comum. A teoria
do golpe de Estado é o grande exemplo. Nele, nem tudo é abolido na vida
politica habitual, mas invertido. Um indivíduo ou grupo que pensava dar o
golpe, o recebe, enquanto outro, que se julgava em segurança porque
providenciara a insegurança de seus concorrentes, morre. Na frase de
Naudé, “tudo no golpe de Estado se faz noite, no obscuro, entre brumas e
trevas”. Goni aponta um lado especialmente grave nessas frases: no
golpe, como nas missas satânicas, não é abolida a canônica religiosa
ortodoxa. Ela é invertida. Entre a moral comum e a dos poderosos há uma
inversão diabólica, mas a primeira não some. A distância entre ambas, no
entanto, é incomensurável. E a distância marca a emergência do segredo.
O governante deve saber e ouvir tudo. O governado deve ignorar quase
tudo na vida estatal.
Num texto atribuido ao cardeal Mazarino, mas de
autoria incerta, o grande assunto é o do segredo. Refiro-me ao livro
Breviarium Politicorum secundum Rubricas Mazarinicas, publicado em 1684.
(7) Alí, o culto do segredo atinge uma altura que tende a se confirmar,
ampliada mais fortemente, nos tempos modernos. Nas observações de
Macchia, apresentador italiano do texto : “Se a razão de Estado
significa razão de domínio, aquele termo pode também aludir (...) a uma
´profunda, intima e secreta lei ou privilégio dado à contemplação da
segurança naquela senhoria, à qual Tacito deu o nome de arcana
imperii”.
O segredo é a alma da razão de Estado. O estadista gostaria
de ser o único a dele gozar. Se pode ler porque foi alfabetizado, o mais
cômodo para o poderoso seria que todos os cidadãos fossem analfabetos. O
ideal do rei erudito é simultâneo à idéia de razão de Estado. Vigora
antes, em boa parcela dos governantes da Idade Média a noção de que as
letra são incompatíveis com o mando secular . No século 12, Salisbury
defende a ilustração dos príncipes, mas o rei romano Conrado 3 lhe
responde: “rex litteratus est quasi asinus coronatus”. Mesmo assim,
pode-se ler, numa obra prima da política medieval, a tese que só
floresce após os tratados sobre o “espelho dos príncipes” : "Rex
illiteratus est quasi asinus coronatus" (Policraticus, Livro IV, Cap.
VI). A passagem recolhida por E. Curtius (8) indica a mutação
estratégica na imagem do príncipe, ocorrida com a Renascença. A partir
daquele período, toda uma arte de redigir e de ler documentos secretos, a
qual utiliza desde símbolos até a linguagem cifrada em termos
semiológicos, conduz a afastar dos olhos cidadãos o que se passa no
intimo dos palácios governamentais. Do mesmo modo, também se desenvolveu
a técnica que permite decifrar documentos secretos, redigidos pelos
cidadãos que podem se insurgir contra os poderosos ou de outros
dirigentes de Estado, amigos ou inimigos. Hobbes utiliza uma imagem
eloquente para descrever esta situação: “os espiões são como os raios de
luz para a alma humana, no discernimento dos objetos visíveis”. Eles
formam delicadas redes que unem pele e olhos e permitem aos reis
inimigos dirigir-se rápida e certeiramente para seus limites extremos,
na tarefa que consiste em devorar os assaltantes da teia republicana.
Reis aranha têm o direito e a obrigação de digerir inimigos externos ou
internos. (9)
Nos artifícios utilizados para decifrar ou esconder os
intentos governamentais, recebem destaque os trabalhos encomendados pelo
Imperador Maximiliano de Absburgo a de João de Trittenheim, sobretudo o
livro Polygraphia, cum clave seu enunclatorio (1518). Nele, se define
um método e exemplos de escrita secreta para uso de reis e ministros.
Interessante é a técnica de revelar escondendo ou de esconder revelando.
A escrita secreta tem uma face que pode ser entendida por qualquer
leitor. Mas apenas quem possui a chave de leitura pode atingir o seu
enunciado real. A técnica se parece muito às utilizadas em pintura,
sobretudo na anamorfose, algo muito importante a partir do século 16. O
político, no entender dos estadistas, durante os séculos 16 e 17, deve
agir sempre nos limites do que pode ser visto e do que pode ser
entendido. Mesmo autores que escreveram contra a tirania na época, como
Torquato Aceto, operaram nas fronteiras do visível e do invisível. Se
estamos num reino persegue as pessoas livres, estas devem saber simular e
dissimular muito bem seus propósitos aos juízes e policiais mandados
pelo governante, de modo a não serem vítimas do poder. Esta é a
Dissimulazione onesta, segundo Torquato Aceto.
Francis Bacon, no ensaio
Of Simulation and Dissimulation, mostra que a segunda é uma forma
política ou de sabedoria. Cabe ao coração forte, ou à mente forte,
“conhecer quando deve ser dita a verdade, e fazê-lo. Pois se um homem
tem esta penetração de juízo, através do qual ele pode discernir quais
coisas devem permanecer abertas, e quais secretas, e o que deve ser
mostrado em meia luz, e para quem e quando (estas são, de fato, a arte
do Estado, e as artes da vida, como Tacito as chama), para ele, um
hábito de dissimulação é uma pobreza. Existem três gráus neste ato de
esconder e velar o ser de um homem. O primeiro é a reserva e o segredo.
Quando uma pessoa mantem sem observação ou sem cuidados o que ele é. O
segundo, a dissimulação, no negativo, quando ela deixa surgir sinais e
argumentos, que indicam que ela não é o que é. O terceiro, simulação no
afirmativo, quando ela, industriosamente e de modo expresso, finge ser o
que ela não é. Para o primeiro caso, temos o segredo. Esta é a virtude
do confessor. E com certeza, o segredo tem muitas confissões. Para quem
se abre, dizemos que é um falador ou um tagarela? Mas se uma pessoa é
pensada como secreta, ela suscita a descoberta. Assim, mistérios são
devidos ao segredo. Mas os gárrulos que falam sobre o que conhecem,
falarão sobre o que não conhecem. O segundo é dissimulação. Esta segue
do segredo como por necessidade. Quem deve ser secreto, deve dissimular
em algum gráu. Porque os homens são tão astutos, e não suportam que um
homem permananeça sem decidir entre eles. Assim, nenhum homem pode
permanecer secreto, sem dissimular pelo menos um pouco. Para o terceiro,
a simulação e profissão falsa, julgo-a mais culposa e menos política,
exceto em grandes e raras matérias. Um costume geral de simulação sendo
vício, faz com que a simulação seja ampliada para outras coisas”. E
continua Bacon: “As grandes vantagens da simulação e da dissimulação são
três. Primeiro, fazer com que a oposição adormeça possibilitando
surpreendê-la. Pois onde as intenções de um homem são publicadas ocorre
um barulho para convocar as pessoas contra ele. A segunda é proporcionar
a determinada pessoa uma tranqüila privacidade no retiro de si mesma.
Pois se alguém dá uma declaração, deve ir adiante ou comete falta. A
terceira vantagem é descobrir melhor a mente alheia. Pois quem abre a si
mesmo dificilmente verá aberto para si o campo do adversário. Existem
também três desvantagens. Primeira: a simulação e a dissimulação trazem
consigo uma exibição de medo, o que prejudica todos os negócios.
Segunda: ela confunde pessoas que poderiam, de outro modo, cooperar com
um indivíduo, e faz com que ele fique solitário, caminhe sozinho rumo
aos seus fins. O terceiro e maior inconveniente é retirar da pessoa o
principal instrumento de ação, a confiança e a fé”.
A última frase de
Bacon é vital quando se trata da governabilidade em regime não tirânico.
Sem a fé pública, a razão de Estado torna-se pura propaganda ou força.
Se as individualidades livres precisam dissimular nos governos
tirânicos, estes últimos precisam ainda mais da dissimulação para
apanhar seus inimigos ocultos. Assim, comenta Macchia, o político que
serve à razão de Estado deve possuir o hábito de viver com o segredo,
com o “steganós, aquilo que é escondido, oculto”, chegando à
esteganografia. Trata-se de toda uma concepção da própria natureza como
grande guardiã de coisas ocultas que devem ser arrancadas com arte e
técnica. Sendo a natureza uma astuta fonte de segredos, apenas chegando
até eles poder-se-ia atingir a natureza humana, que a integra.
O mesmo
Francis Bacon citado acima deu um exemplo fantástico da arte de arrancar
sigilosas estruturas naturais. É preciso, dizia ele, “torturar a
natureza, para que ela conte os seus segredos”. Não é preciso dizer
muito mais sobre esta tecnologia do poder que vai do gabinete do
principe ao laboratório do cientista e passa pelas mãos do policial. É
algo que pode nos inquietar sabermos que a idéia de verdade, que define
boa parte do nosso ideário filosófico e jurídico, tem origem na palavra
basanos, pedra de toque para atingir o veraz na tortura. Os antigos
gregos usavam o termo para designar a pedra que servia para definir a
pureza do ouro. Depois seu uso foi extendido para denotar um teste ou
triagem, determinar se alguem era fidedigno. A tortura assim designada
serve para extrair tudo o que é escondido, oculto. A tortura traz à luz
os veios secretos da natureza. Num livro importante sobre todo esse
aspecto, Page du Bois escreve coisas lancinantes sobre este lado pouco
estudado da filosofia ocidental. (10)
Tanto o cientista quanto o
filósofo usam técnicas de desocultamento que eles partilham com os
governantes. Estes últimos arrancam de seus inimigos internos ou
externos, através da astúcia, das técnicas como a esteganografia ou de
outros refinamentos e violências como a tortura, a “verdade”, meio
eficaz de mando. Uma técnica muito usada, desde o século 16, foi a
leitura das expressões dos rostos. Em um estudo sobre Descartes
intitulado “A razão sonhadora”, analiso este prisma. (11) Antoine
Mizauld, em 1565, escreveu um livro para ajudar as pessoas a “julgar
incontinenti o natural de cada um apenas pela inspeção da face e dos
seus lineamentos”. Como indica Macchia, Mazzarino (ou o
pseudo-Mazzarino) ensinava, com base nesta técnica, a distinguir o
indivíduo astucioso, pois este possuiria uma saliência na fronte, na
altura pouco acima do nariz. O mentiroso teria, ao rir, duas saliências
nas bochechas. Assim, o poderoso segue a tentativa de descobrir os
intentos secretos de seus inimigos ou liderados nos menores gestos, nas
mais tranqüílas situações. Não apenas os olhos eram movidos nesta
descoberta: todos os sentidos entravam na economia do desvelamento. O
padre jesuita Athanasius Kircher ideou, para as paredes dos palácios,
orelhas artificiais que levariam até o gabinete do principe as conversas
de súditos, embaixadores, etc. Trata-se de uma economia global do corpo
a serviço da razão secreta do Estado. A situação perfeita, para os
governantes, seria a de plena transparência dos inimigos e dirigidos, e a
sua plena obscuridade própria.
O cuidado com o segredo atingiu o ápice
no século 17. Um exemplo pode ilustrar esta situação, quando a
burguesia francêsa pediu prestações de contas aos ministros das finanças
reais, no instante em que este últimos solicitavam mais recursos para
as guerras. A declaração do voto do clero é sintomática. Segundo os
sacerdotes, as finanças seriam como o Santissimo Sacramento, escondido
no altar. Apenas os padres e os iniciados poderiam deitar os olhos sobre
elas. Caso oposto, sacrilegio e perigo rondariam o Estado. A temática
do segredo, pois, define todo um aspecto da razão de Estado, incluindo a
religião econômica, que hoje é a mais católica e abarca o mundo
inteiro.
Afinal, o que é razão de Estado? Um analista diz que ela se
assemelha ao jogo viciado. O governante que apela para a razão de Estado
para validar atos e tratados opostos às leis comuns do país, age como o
jogador desonesto ou mau perdedor : quando as regras do jogo não lhe
são favoráveis, ele usa a trapaça do segredo e quebra todas a sequência
da partida. Deste modo, ele arranca dos cidadãos a confiança, a fé
pública, base mesma da instituição do Estado. (12) Esta metáfora do jogo
e das regras é uma das mais antigas da filosofia política. No exato
século em que a razão de Estado se firmou, um dos filósofos mais agudos
da modernidade, Blaise Pascal, construiu toda uma moral, uma política,
uma teologia com aquela base. A vida humana é jogo. E as regras supremas
são de acesso dificil aos homens. Só Deus joga com absoluta certeza. E
ganha sempre. No caso humano, tudo é incerto, sobretudo no campo das
leis e da política. Esta antropologia, que hoje volta a ser um assunto
de interesse filosófico e político, é nuclear na história do pensamento
moderno. (13) Nesta vertente, é importante a idéia do cálculo como
elemento básico da política, plataforma da razão de Estado. Um
governante que sabe calcular as suas oportunidades e as de seus
inimigos, tem condições de, pelo menos, desrespeitar sem muitos
prejuízos as regras “normais” do jogo diplomático, bélico, ou de
política interna, como por exemplo nas escolhas para os dirigentes, nas
eleições.
A razão de Estado, assevera Lazzeri, não se confunde de
imediato com a tirania. Mesmo dirigentes de Estados democráticos podem
seguir as suas sendas, ou serem tentados a segui-las. Constituições
liberais modernas deixam brechas para o seu uso, em capítulos sobre a
segurança pública, etc. Lazzeri vai mais fundo e indica, sem análise é
certo, que a própria Declaração dos Direitos do Homem está “cheia de
concessões por onde deslizam sem dificuldades desejos despóticos” da
razão de Estado.
Outro aspecto importante: a razão de Estado, além dos
conhecimentos e técnicas mais rudimentares, como as que indiquei acima,
incorporou ao seu procedimento o saber quantitativo e qualitativo sobre a
sociedade moderna. O programa desta atitude encontra-se no século 16,
sobretudo nas obras de Francis Bacon. É dele a noção de que knowledge
and power meet in one, banalizada no Brasil como “saber é poder”. Não se
trata disto. O Estado, pensava Bacon, precisa instituir e organizar
saberes sobre a natureza e os homens, de modo a agir com eficácia na sua
expansão e domínio. Um Estado sem saberes é frágil, um Estado com
saberes e com força física é poderoso. Esta receita, como temos
consciência, serviu muito à Inglaterra, em toda a sua expansão colonial
pelo mundo, das Américas à Asia.
Como indica Lazzeri, a razão de Estado
une-se à idéia de que “nada presidirá mais eficazmente os destinos de
um Estado do que o conhecimento de suas qualidades específicas: seu
povo, sua geografia, seu tempo, seus recursos, sua organização econômica
e o modo de aprimorá-la. O governo da razão de Estado se apoiará num
saber pouco a pouco instituido numa teoria moderna do político e
finalmente conduzido ao conteúdo firme de uma ciência da administração e
de seus efeitos sobre a sociedade da qual o mercantilismo, o
cameralismo, a estatística e as teorias da polícia constituem o núcleo
duro. A razão de Estado remete para uma outra forma, então, de
racionalidade governamental e de técnica de governo”.O conhecimento
técnico e político ajuda a definir o “olhar soberano”, com o qual os
dirigentes inspecionam o corpo social, para manter o mando.
Haveria,
pois, uma diferença essencial entre a razão do governante e a dos
governados. O primeiro pode enxergar, graças aos informes e saberes de
todas as ordens, trazidos pela máquina do poder, realidades inacessíveis
aos segundos. É contra esta doutrina que se levantam todas as
perspectivas democráticas modernas, a começar por Spinoza. Os pensadores
democratas, como Diderot, Condorcet e outros, propõem que os cidadãos
sejam educados ao máximo, e possam acompanhar mesmo os cálculos
economicos e políticos do Estado. Ao mesmo tempo, pregam a mais ampla
liberdade de imprensa e de debate, para que as informações não fiquem
restritas ao seleto número dos dirigentes. Este aspecto também foi
tratado por mim no primeiro texto de O Caldeirão de Medéia, de mesmo
nome, que resulta de um seminário feito na Câmara dos Deputados, em
Brasilia, na sua Comissão de Ciência e de Tecnologia.
A idéia de razão
de Estado é vulgarmente atribuída a Maquiavel, mas é preciso moderar
muito esta enunciação. O trecho mais célebre, neste sentido, é aquele
onde o escritor florentino afirma ser “necessário a um príncipe, se
deseja se conservar, aprender a não poder ser bom, e usar dele segundo a
necessidade (secondo la necessita)”. (Principe, capítulo 15). E mais :
“Estando o principe necessitado de usar a besta, deve escolher dentre
elas a reposa e o leão, porque o leão não se defende dos laços e a
raposa não se defende dos lobos. Necessita, pois, o principe, ser raposa
para conhecer os laços e leão para espantar os lobos. Os que se apoiam
apenas no leão não entendem (a arte de governar). Não pode, nem deve,
portanto, um senhor prudente observar a fé jurada quando tal observância
se torna contrária e passou a ocasião que obrigou a fazer a promessa.
Se os homens fossem bons, este preceito não o seria; mas como eles são
perversos e não guardaram sua fé jurada contigo, não tens porque
guardá-la em relação a eles. Nunca faltam a um principe ocasiões
legítimas de coonestar a inobservância”. E finalmente, ainda no
Principe: “para manter o Estado o principe, sobretudo se for um principe
novo, precisará operar contra a fé, contra a caridade, contra a
humanidade, contra a religião. E se necessita que tenha um animo
disposto a tornar-se segundo mandem os ventos e mudanças da fortuna e,
não separar-se do bem se puder faze-lo, mas saber entrar no mal se é
necessário”.
Estas sentenças ressoam nos Discursos sobre a primeira
decada de Tito Livio: “quando se delibera acerca da saúde da pátria, não
deve-se deixar que prevaleçam considerações de justiça ou injustiça,
piedade ou crueldade, honra ou ignominia mas, deixando de lado qualquer
consideração outra, seguir por inteiro o partido que lhe salve a vida e
lhe conserve a liberdade”. A corrupção dos homens é fato constante e
universal, mesmo nos que foram educados para o bem. Há uma persistência
das paixões : “em todas as cidades e em todos os povos há e sempre houve
sempre os mesmos desejos e humores, de tal modo que é fácil para quem
examina com diligência as coisas passadas, prever em toda república o
futuro e aplicar os remédios empregados pelos antigos ou, caso não
encontre nenhum empregado por eles, imaginar outros novos segundo o
parecido dos acontecimentos”. (Discorsi, livro I).
A desconfiança de
Maquiavel na ética do povo tem fundamentos sólidos. Ética, como sabemos,
é o conjunto de atitudes, hábitos, que se tornaram costumeiros e
deixaram até mesmo de ser conscientes, sendo assumidos como “naturais” e
inquestionáveis. Muito do que se disse no século 17 e 18, e até mesmo
em nossos dias, sobre o “preconceito”, tem esta base. O povo adere às
práticas e valores antigos. Assim, escreve Maquiavel, para mudar hábitos
arraigados e sólidos é preciso dissimular, fngir que a sua essência
permanece quando medidas para a sua mudança são implementadas pelos
governantes. Se o principe fosse contra os hábitos populares,
dificilmente ele se manteria. Mas se pouco a pouco ele muda as formas e
as instituições, então consegue mudar a ética do povo. Assim, diz
Maquiavel: “quem deseja reformar o estado de uma cidade e quer ser
aceito e manter a satisfação de todo mundo, necessita conservar pelo
menos a sombra dos modos antigos, de tal jeito que possa parecer ao povo
que não houve mudança nas ordens, embora na realidade as novas sejam
inteiramente distintas das velhas. Porque a grande maioria dos homens se
contenta com as aparências como se fossem realidades e amiúde se deixa
influenciar mais pelas coisas que parecem do que por aquelas que são”.
(Discorsi, livro I).
Francis Bacon, para citá-lo novamente, mostra-se
atento aos conselhos de Maquiavel. Nos Ensaios, o item Of Innovations
afirma : “Seguramente, todo remédio é uma inovação; e quem não aplica
novos remédios, deve esperar novos males. Pois o tempo é o maior
inovador, e se o tempo certamente altera todas as coisas para pior, a
sabedoria e o conselho não as alteram para melhor, qual será o fim? É
verdade, o que é posto pelo costume, embora não seja bom, pelo menos se
mantem (...) a inovação é coisa turbulenta e quem reverencia muito o
passado receia as coisas novas. As inovações dos homens deveriam seguir o
próprio tempo, o qual inova muito, mas mansamente, por gráus difíceis
de serem percebidos. (...) É também muito bom não experimentar nos
Estados, exceto quando a necessidade for urgente, ou a utilidade
evidente. E deve-se estar atento, de que é reforma que traz a mudança, e
não o desejo de mudança, que pretende tudo reformar. Finalmente, a
novidade, embora não deva ser rejeitada, deve ser suspeita. Como diz a
Escritura, que contemplemos a antiga estrada, e depois olhemos ao nosso
redor, e descobriremos o caminho certo para nele seguir”. O povo deseja
novidades mas rejeita as que o coloquem na incerteza de saber quem
manda. De um modo ou de outro, a massa tem opiniões que não devem servir
como paradigma do governante.
O problema da ética enquanto costume é
dos mais graves dentre os que surgem no âmbito político. Não se muda uma
forma de vida, por mais desastrosa que ela seja, quando é antiga e
aceita como “natural”, de um só golpe. Um povo acostumado a determinadas
leis, ou a certas maneiras de comando nas instituições de Estado ou
religiosas, encara com desconfiança as inovações, dado que se habituou
às fórmulas arcaicas que integram, por assim dizer, a sua alma. Se este é
um perigo eminente na recepção das ciências, das técnicas e da
filosofia, se isto faz com que renovadores artísticos sejam mal vistos
nos inícios de suas carreiras ou de suas propostas, o hábito pode
derrubar regimes com inspiração dmeocrática. Este problema pode explicar
o paradoxo de Rousseau, o qual dizia ser preciso forçar os homens à
vida livre. Examinemos esse ponto num avisado analista dos costumes,
Michel de Montaigne. Trata-se do capítulo 22, Livro I dos Ensaios.
“Sobre o costume e de não mudar facilmente uma lei
recebida”.
Montaigne, com o estilo saboroso habitual, inicia o capítulo
com um exemplo eloquente. “O que seria o costume?” Alguém, diz o
filósofo, o definiu muito bem com o símile de uma senhora camponêsa que
aprendeu a acariciar um bezerrinho entre seus braços. Ela ficou
acostumada a fazer isto, mesmo quando o bicho se transformou num grande
boi. Esta é uma verdade, fala Montaigne, porque o costume é uma violenta
e traiçoeira professora. O costume se abriga em nós pouco a pouco,
escondido, e nos impõe sua autoridade. No início ele pode ser suave e
doce, e isto nos tranquiliza. Mas no fim mostra um rosto tirânico e
furioso, contra o qual sequer temos a liberdade de erguer os olhos. E
vemos, assustados, que ele destrói todas as regras da natureza. Vem a
seguir uma série de costumes que se tornaram comuns, por mais atrozes
que eles tenham sido no início. Antes, entretanto, Montaigne cita Platão
e os médicos. Nesta matéria, muitos deixam a arte médica, ou política,
em proveito da autoridade costumeira, ética.
Assim, entregues ao
costumes e à opinião, muitos cometem desatinos, por hábito adquirido. Um
rei que acostumou seu estômago a ingerir veneno, uma rapariga cujo
hábito é comer aranhas, alguns povos que ingeriam gafanhotos, formigas,
morcêgos, lagartos, sapos. Para certos povos, as carnes européias eram
mortais e venenosas. Qual a causa da citação desses costumes estranhos? É
porque, afiança Montaigne, o costume torna os nossos sentidos
abestalhados (hebetés). O filósofo refere-se aqui ao conceito de
sensibilidade mental e corporal trazido dos gregos. Uma pessoa marcada
pela ausência de sensibilidade, no termo grego, é anaisthêtos. Quanto
mais alguém perde a sensibilidade para os matizes do real, mais está
acostumado a ver em preto e branco, menos percebe o mundo como ele é ou
pode ser. Mais se aferra ao costume e mais é dele vítima, antes de ser
algoz dos outros. O costume faz com que os ouvidos, os olhos, não
percebam a natureza e os homens na sua medida própria, mas segundo a
régua dos preconceitos. Em certas situações, o costume muda até a
percepção. Um soldado se acostuma ao barulho dos canhões enquanto para
as demais pessoas ele é insuportável. Um sino que bate todo dia integra a
rotina, apesar do seu incômodo para os não acostumados. Platão censurou
um menino, porque ele jogava com nozes. Resposta da criança: “tu me
censuras por pouca coisa”. Réplica de Platão: “o costume não é pouca
coisa” (anedota narrada por Diógenes Laércio).
Os piores costumes, os
que definem as piores éticas, acrescenta Montaigne, nascem no berço.
Aqui, Montaigne apenas amplia o que leu em Platão. Nosso primeiro
governo está nas mãos das babás. Estas são complacentes com nossos mais
agressivos instintos. Mas não apenas elas, pais e mães facilitam
péssimos costumes, deixando que eles entrem em nossa alma e corpo. A mãe
que assiste, tranquila ou maravilhada, o pimpolho torcer o pescoço de
um frango, ferir um cão ou gato, o pai que é tolo o bastante por tomar
como futura prova de virilidade quando enxerga seu filho insultar um
transeunte ou empregado que não podem se defender, ou quando nota que
ele engana com trapaças os seus companheiros, todos esses comportamentos
engendram tiranos. Aqueles pais regam as sementes da crueldade e da
traição. Com o crescimento das sementes malditas, vem a força dos
costumes adquiridos. Pior é quando os pais desculpam violências dizendo
que elas são feitas por crianças frágeis e inocentes. É preciso, diz
Montaigne ainda seguindo Platão, ensinar as crianças a odiar os vícios
de sua própria contextura, ensinar o quanto eles são disformes, para que
elas deles fujam, não só do exterior, mas do fundo do coração. Platão
dizia que ensinar era tingir almas com a tintura das leis. É preciso que
as leis esteja marcadas de modo indelével nas almas. Caso contrário, o
respeito da lei será apenas exterior. A lei deve ser gravada no coração
dos homens.
A política que se baseia apenas nos costumes é insana.
Nenhuma fantasia terrível, arrisca dizer Montaigne, deixa de encontrar
exemplos anteriores que a torne possível. Os costumes são relativos e
diferem de povo a povo. Mas eles imperam em todos eles. Mesmo as leis da
consciência, que dizemos nascer da natureza, brotam dos costumes. Cada
um venera internamente as opiniões e mores aprovados e recebidos ao seu
redor, e deles não se separa sem remorsos. O principal efeito do costume
é nos dominar de tal modo, que ele entra em nós e raciocina em nós as
suas ordens. Alimentamos esse domínio desde a infância, quando foram
infundidas as suas sementes em nós, por nossos pais. E pensamos tudo
aquilo que está fora dos costumes, é estranho à razão. Deus sabe,
afiança Montaigne, o quanto isto é desarrazoadamente freqüente. Raros
costumes trazem o bem coletivo. É verdade que povos nutridos de
liberdade e autonomia, consideram toda outra forma de governo contrária à
natureza. Mas os que se acostumaram à monarquia fazem o mesmo.
Montaigne chama a atenção para o problema da opinião pública. E cita o
texto platônico das Leis. Neste, o grande inimigo da opinião pensa, num
paradoxo, que ela pode ser usada para impedir atos contrários à
natureza, como o parricidio, a homosexualidade, etc. Yvon Brès, em
trabalho sobre a psicologia de Platão, indica bem o quanto o filósofo
ateniense foi realista no uso da retórica para persuadir massas. Desde o
vinho, recomendado como preparador da persuasão, até o teatro, tudo o
que pudesse causar horror ao crime deveria ser utilizado pelos
governantes para determinar o rumo da consciência pública. No livro 8
(838 c) das Leis, Platão discute o incesto . No comentário de Yvon Brès:
“se cada homem pudesse experimentar diante de todo menino ou menina o
mesmo sentimento de retenção que tem diante de um filho, um irmão, uma
filha ou irmã, a lei moral se beneficiaria com a força desta `lei não
escrita´ que se opõe ao incesto. Ora esta força vem de uma espécie de
unanimidade: desde nossa idade mais tenra, vemos a comédia e a tragédia
nos representar o comportamento de Tieste, de Édipo e de Macareu como
abominável; nós os vemos dando-se a morte quando descobrem e grandeza de
sua falta . E Megilos, [personagem das Leis] aprova: sim, a opinião
pública tem verdadeiramente uma força extraordinária”. (14)
Explicita
Montaigne, ao discutir o mesmo problema a eficácia da a receita
platônica, segundo a qual as mais belas filhas não atrairiam o amor dos
pais, nem os irmãos mais excelentes em beleza, o amor das irmãs. As
fábulas mesmas de Tieste, Edipo, Macareu, infundiriam, com o prazer de
seu canto, esta crença útil no macio cérebro das crianças. Assim,
mudanças dos costumes podem ser saudáveis, desde que introduzidas pelos
magistrados, com o devido controle. Esta lição platônica é extraída,
pois, pelo cético Montaigne. A religião cristã, diz ele, tem todas as
marcas de extrema utilidade e justiça. Mas nenhuma delas é mais
aparente, do que a exata recomendação da obediência ao magistrado e a
manutenção da ordem pública. Deus não destruiu, para nos salvar, a ordem
política. Assim, as inovações devem ser feitas de modo controlado para
evitar as opiniões antigas e apaixonadas das massas indiscretas.
Toda
essa espécie de platonismo que define boa parte do pensamento de
Maquiavel e de seus leitores, como Bacon, ou contemporâneos como
Montaigne, é agudo na desconfiança da doxa que impera entre o povo. O
que não o impede o Florentino, leitor de muitos outros antigos além de
Platão, de romper o ideal de um Estado pequeno, com número restrito de
cidadãos e cujo espaço é restrito. Assim, embora deseje um Estado sem
rupturas internas, ele não aceita a tese platônica da cidade com apenas
5040 membros, ou a cidade aristotélica na qual todos os cidadãos se
conhecem. Ele escreve: “tendo organizado uma república capaz de
manter-se sem ampliação, se a necessidade a conduz a ampliar-se, veremos
que seus fundamentos cedem e a república se arruina a seguir. E, por
outra parte, se o céu a favorecesse de tal modo que não tivesse ela de
guerrear, nasceria disto um ócio que a tornaria efeminada ou dividida,
coisas que, juntas ou separadamente, causariam sua ruina. Como não se
pode, pois, encontrar um justo meio nisto, nem equilibrá-lo, é
conveniente escolher, ao organizar uma república, o caminho mais honroso
e ordená-la de tal modo que, mesmo que a necessidade a obrigue a
ampliar-se, possa ser capaz de se conservar ocupada”. (Discorsi) (15)
A
razão de Estado, nessa leitura, baseia-se no conhecimento das paixões
humanas, por parte do principe, e no imperativo de não seguir a cabeça
do povo, preso às formas éticas injustificadas e à opinião. Novamente,
há bons elementos platônicos no diagnóstico feito por ele sobre a saúde
da república e sobre o papel que nela desempenha o povo. Ainda nos
Discorsi podemos ler: “O quão erradas são muitas vezes as opiniões dos
homens é coisa que viram e verão todos os que testemunharam as suas
deliberações, as quais, a menos que estejam dirigidas por homens
excelentes, são muitas vezes contrárias a toda verdade. Mas como nas
repúblicas corrompidas, sobretudo em períodos de paz e tranqüilidade, os
homens superiores são aborrecidos, seja por inveja ou por ambição dos
outros, segue-se daí que se dá preferência ao que o erro comum julga
como bom ou ao que sugerem homens que são mais desejosos de conseguir o
favor geral do que o bem comum”.
Como dominar a multidão indiscreta e
crédula? O remédio situa-se no mesmo plano da doença, no principio
homeopático do semelhante para curar o semelhante. Se a massa só
acredita no que parece e não busca o que é, para dominá-la é preciso
encontrar “um homem grave e digno e com autoridade, que se oponha a
ela....concluo, pois, que não existe meio mais seguro de acalmar a
multidão excitada do que a presença de algum homem de aparência
imponente e que será respeitado”. (Discorsi). Os liderados obedecem
porque enxergam seus iguais obedecendo. A imitação, a mimesis descrita
por Platão e pelos antigos, é vital na ordem do governo. Como a massa é
sempre semelhante aos seus governantes, adianta Maquiavel, “Lorenzo de
Medicis confirma esta idéia dizendo: ´o que faz o senhor, o fazem os
muitos, pois todos os olhos estão fixados no que o senhor faz ”. O
senhor faz uma coisa diante dos liderados, mas precisa, tem necessidade,
de fazer outra coisa longe de seus olhos. Aí estaria a base da razão de
Estado.
A palavra mais utilizada por Maquiavel é “necessidade”. Nela
unem-se a perversão humana, a tolice da massa, as variações da fortuna e
a urgência dos momentos particulares. Tudo isso para manter o Estado.
Esta doutrina, afiança Lazzeri, foi combatida no século mesmo de
Maquiavel por pensadores que defendiam os padrões morais antigos. Seria
este o caso de Innocent Gentillet (1576). O texto de Gentillet, hoje
publicado como Anti-Maquiavel, tem como título em 1576 o seguinte:
“Discurso sobre os meios de bem governar e manter em boa paz um reino ou
outro principado. Dividido em tres partes, a saber, do Conselho, da
Religião, e da Polícia que deve manter um principe. Contra Nicolau
Maquiavel, Florentino”. (16) Gentillet coloca a arte de bem governar
contra a ragion di stato. Esta expressão vem desde 1521, de
Guicciardini, que a emprega como “ragione degli Stati”. As críticas a
Maquiavel são ampliadas até que em 1589 ele é atacado pelo jesuita
Giovanni Botero (17) secretário de Roberto Bellarmino, o idealizador da
soberania indireta do poder religioso contra o Estado, muito criticado
por Hobbes, Filmer e outros teóricos do pensamento absolutista sobre o
Estado.
Assim, passam a existir duas formas de razão de Estado: a
atribuída, com fundamentos ou não, a Maquiavel e a que se define nos
programas dos jesuítas, eles mesmos acusados de maquiavelismo. É
fascinantes acompanhar, dos inícios da Companhia de Jesus aos nossos
dias, a suspeita que ela desperta em católicos, protestantes, liberais,
anarquistas, comunistas. Ainda nos séculos 19 e 20, os anarquistas
enxergavam nas idéias do marxismo sobre o partido uma imitação da
Companhia de Jesus, inclusive, segundo Alain Besançon, nas “tenebrosas
manobras” jesuíticas praticadas pelos que formariam mais tarde o Partido
bolchevique. Bakunine acusou Netchaev, antes disto, de organizar a
máquina revolucionária segundo “os sistema de Loyola e de Maquiavel”.
Leão Trostky, em 1938, num estudo importante intitulado “A nossa moral e
a deles”, compara o partido bolchevique e a Companhia, ambos, segundo o
revolucionário, marcados pela degenerescência burocrática. (18)
Existe
uma tese, a dominante, sobre as bases da doutrina antimaquiavélica,
sobretudo a católica. Ela seria uma tentativa de conservar, custasse o
que custasse, a base política feudal, predominante na Idade Média. Creio
que Lazzeri tem razão quando indica que este juízo deve ser corrigido.
Autor eu mesmo de um estudo sobre a Igreja Católica (19) e analista do
pensamento conservador (20) percebi que a conservação proposta pelo
catolicismo não se encontra sobretudo nas formas de Estado, mas na
manutenção do religioso como poder. Assim, o compromisso da Igreja não
se define, em termos absolutos, com esta ou aquela determinação social,
política, jurídica. Os doutrinadores do seu mando colocam-se sempre no
horizonte da prudente mudança segundo os tempos, mesmo que alguns deles
se aferrem a formas e conteúdos ultrapassados. O conservadorismo
religioso não rompe com novas maneiras de governar, ou administrar o
Estado. Pelo contrário. A própria Igreja realiza, em seu modo de governo
interno, modificações modernizadoras relevantes. É possível que uma
instituição seja conservadora no plano do seu pensamento, sem definir-se
como oposta à modernização. Este prisma já foi analisado por Max Weber,
de modo estratégico. Assim, quando na Contra reforma a Igreja adequou a
sua visão de si mesma e de seu mando, com Roberto Bellarmino e a
soberania indireta do Sumo Pontífice, ela na verdade inovou diante das
suas doutrinas medievais, sobretudo das que, no máximo declínio do poder
do Papa, num espasmo, exigia para este as chaves dos reinos mundano e
espiritual. (21) Com o Concilio de Trento, a Igreja renovou
profundamente suas doutrinas e práticas, não retroagiu para a Idade
Média, mas encontrou um novo modus vivendi com os poderes terrestres.
É
tal Igreja que assistiu a expansão das doutrinas de Spinoza sobre o
Estado e a liberdade civil, contra as pretensões do mando
teológico-politico.
Notas
(1) “A transparência democrática, esperanças e
ilusões” in O Caldeirão de Medéia (São Paulo, Editora Perspectiva,
2001).
(2) Cf. “Institutio arcanae. Théorie de l´institution du secret
et fondement de la politique”. In Lazzeri, Christian, e Reynié, D. : Le
pouvoir de la raison d´état. Paris, PUF, 1992, pp. 135 e ss.
(3) O termo
e o plano político aberto por ele foi exaustiva e profundamente
estudado por Claude Lefort, Machiavel, le travail de l´oeuvre, Paris,
Gallimard, 1973.
(4) René de Criziers, Le Tacite français avec des
réflexions chrétiennes et politiques sur la vie des rois de France.
Paris, 1648, citado por Goni, p. 139.
(5) Análise de A. Lévy,
“Évaluation étymologique et sémantique du moto `secret`. in Du secret.
Nouvelle revue de psychanalise. 14, 1876. Goni, p. 137.)
(6) Cf. “A
razão terrorista”, in Mosaico, Revista da Fundação João Pinheiro,
fevereiro de 2002, incluído acima nesta coletânea.
(7) Edição italiana
de Giovanni Macchia: Breviario dei Politici, secondo il Cardinale
Mazzarino. Milano, Rizzoli Ed., 1981.
(8) Cf. Curtius, E. : La
littérature et le moyen âge latin. Paris, PUF, 1956, p. 219.
(9)
Analiso extensamente este ponto num capítulo de meu livro Lux in
Tenebris, intitulado “Massa, poder e morte”. São Paulo, Ed. Unicamp,
1987, pp. 23 e ss. Quanto aos textos sobre a escrita secreta, é possível
consultar alguns escrito na internet, como o Steganographia de João de
Trittenheim . Cf.
http://www.esotericarchives.com/tritheim/stegano.htm
(10) Cf. Torture
and Truth. London, Routledge Ed., 1991.
(11) Roberto Romano, O
Caldeirão de Medéia. pp. 139 e ss. em especial pp. 140-141.
(12) Cf.
Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: “Introduction” ao livro La
raison d´Etat: politique et rationalité. Paris, PUF, 1992, pp. 9 e ss.
(13) Lembro apenas três textos fundamentais para se entender uma parte
deste rico pensamento: o volume de Laurent Thirouin, Le hasard et les
règles. Le modèle du jeu dans la pensée de Pascal. Paris, Vrin, 1991, e o
pequeno grande livro de Gerard Lebrun, BlaisePascal, Coleção Encanto
Radical, São Paulo, Brasiliense, 1983, além do clássico de Sainte Beuve,
Port Royal, Paris, Gallimard. 3 volumes.
(14) Cf. Brès, Yvon. La
Psychologie de Platon, Paris, PUF, 1973. sobretudo pp. 362 e ss. Brès
comparar a técnica platônica à dos “persuasores escondidos”, que operam
no mercado econômico e político de nossos tempos. Cf. Vance Packard, The
Hidden persuaders, NY, David and Co., 1957. Tradução francesa : La
persuasion clandestine, Paris Calman Levy, 1958.
(15) Cf. Barnes. H. E.
e Becker, H. : Historia del Pensamiento Social. trad. Vicente Herreo,
Mexico, FCE, 1945, V. I. pp. 311 e ss.
(16) Uso a edição de C. Edward
Rathé, Anti-Machiavel, Droz, Genève, 1968.
(17) Della ragion di Stato,
Veneza, 1589.Cf a edição sob os cuidados de Chiara Continisio, Roma,
Donzelli Editore, 1997. Cf. também M. Senellart, Machiavélisme et raison
d´Etat, Paris, PUF, 1989.
(18) Sobre a história dessas aproximações
entre Maquiavel e a Companhia de Jesus, leia-se Michel Leroy, Le Mythe
Jésuite. De Béranger à Michelet. Paris, PUF, 1992. Também, Basançon,
Alain: Les origines intellectuelles du léninisme. Paris, Calman Lévy,
1977.
(19) Roberto Romano : Brasil, Igreja contra Estado, SP, Kayrós,
1979.
(20) Roberto Romano. Conservadorismo romântico origem do
totalitarismo. SP, Ed. Unesp 1997 (1a ed. SP, Brasiliense, 1981) e
Roberto Romano, “O pensamento conservador” in O Caldeirão de Medéia, SP,
Perspectiva, 2001, pp. 247 e ss.
(21) Cf. Watt, John A. : The Theory of
Papal Monarchy in the Thirteenth Century. The contribution of the
canonists. NY, Fordham University Press, 1965. Também Robinson, I.S. The
Papacy, 1073-1198. Continuity and Innovation. NY, Cambridge University
Press, 1993. Também Tellenbach, G. The Church in Western Europe from the
tenth to the early twelfth century. NY, Cambridge, 1996. Cf. Roberto
Romano “Igreja domesticadora de massas?” e “Lembra-te de que és homem:
governantes e juízes no Policraticus de Jean Salisbury”, in O Caldeirão
de Medéia. ed. cit.