XXXI CONGRESSO BRASILEIRO
DE DIREITO CONSTITUCIONAL
10 de maio de 2012
O favor universal. Meditação
sobre a sociedade brasileira.
Dr. Roberto Romano da
Silva (1)
Para pensar a democracia
e antes de analisar modelos políticos, creio ser preciso discutir a base sobre
a qual se ergue nosso país desde o nascimento. O Estado, e não realizo um
truísmo, depende da sociedade que o envolve. E a ética domina, em primeiro nível,
as formas de relação social. Um dos sentidos mais relevantes da ética, a ordem
dos costumes, é que ela se caracteriza pela reiteração e automatismo das
posturas corporais e no campo dos valores. Um comportamento ético é o que, à
diferença da moral, exibe marcas de automatismo em sua prática. Agir de certo
modo aprendido, preservando assim o corpo e a mente, é próprio da ética. (2)
A ordem social brasileira segue, de maneira que poderíamos dizer
automática o favor, obstáculo que impede a autonomia dos eleitores e, de outro
lado, distorce a vida parlamentar, a efetividade do executivo nos projetos
públicos e, mesmo, a jurisdição. O favor impõe limites quase intransponíveis
para os relacionamentos igualitários em todas as facetas da vida pública. No
mercado, nos partidos, mesmo em igrejas e seitas religiosas, o favor define
espaços perenes de favorecimentos que tornam os programas políticos
irrelevantes, quando não diretamente falsos. Assim, em vez de propor para
reflexão algum plano macrológico em termos institucionais, penso ser útil uma
análise do favor na vida social e política brasileira. O favor não é
monopólio do Brasil. Em quase todas as sociedades, antigas ou modernas, ele
surge definindo espaços de poder. Mas em países que chegaram à modernidade, ele
é regulado e seus efeitos anárquicos se atenuam em função de procedimentos
impessoais e abstratos. Em nossa terra, no entanto, ele concentra o imaginário,
os valores e as práticas de famílias, grupos, cidades e regiões, sendo uma
forma de "mediação universal"como afirma Maria Sylvia Carvalho Franco
em Homens Livres na Ordem Escravocrata. (3) Aqui, político poderoso é o que
mais garante favores aos amigos, aos aliados e, não raro, aos próprios
inimigos. O favor alimenta alianças políticas e conjuras, eleva e rebaixa
ministros e chefes de partidos, ordena as pautas legislativas e atormenta os
Executivos. Ele sustenta redes complexas de nepotismo, apadrinhamentos,
interesses, lobbies disfarçados, trocas entre poderes, corrupção de agentes
públicos por empresas privadas. Somos uma anti-república, ou um império, do
favor.
O primeiro ponto a notar
é que o favor no Brasil traz as marcas de uma história antiga, cujos marcos
essenciais podem ser encontrados no Império Romano e na sociedade do Antigo
Regime com o absolutismo. A frase célebre que nos separa das sociedades
plenamente democráticas se origina no "enobrecimento" trazido pelo
favor. Em terras de fala inglesa, a pergunta, quando alguém supostamente
desrespeita direitos, é clara "Who the hell do you think you are ?".
No Brasil, o "sabe com quem está falando?" trai o signo do
absolutismo, o regime do favor e da importância individual baseada nos
"amigos poderosos", ou na família idem. Iniciemos portanto com
o Antigo Regime, que nos deu o corpo e alma em 1500. Não por acaso,
naquele modo de governar o título monárquico é o de Pai. Projeta-se na ordem
pública o que se determina no âmbito da família. O Brasil nasce sob o signo do
poder absoluto que dava passos decisivos na Europa do século XVI. No absolutismo
a ordem dos favores impera na corte e nos elos entre nobres importantes e
outros, menos poderosos. Como enuncia Joël Cornette (4), o reino na ordem do
Estado absoluto "é organizado como uma família mais ampla de início,
na qual as ligações de sangue e proximidade são hegemônicas, onde o rei sempre
é percebido sob os traços de pai benevolente, o pater familias, concedendo
benesses aos seus e sabendo distinguir, entre os próximos, quem as merece.
Henrique IV, chefe benfeitor de clã, permanece para sempre como o que fez dos
franceses ‘irmãos’, ‘primos’, ‘amigos’, clã que tem sentido não quando
ele está em guerra ou em paz, mas porque está reconciliado (...) Todas as
famílias concomitantes e superpostas, de Versalhes até a mais humilde choupana,
são dominadas pela família mística: o Pai, o Filho e o Rei da França. Pois a
essência divina da monarquia, pensada, difundida, teorizada definitiva e
eficazmente a partir da ressacralização de Henrique IV, confere a esta dimensão
paterna da monarquia um valor sagrado. Segundo uma propaganda oficial, as
famílias terrestres do reino francês apenas transcrevem a família celeste, dos
santos, dos anjos, do povo de Deus.”
Ademais, o trabalho do
rei é o de prover os próximos “construindo uma rede familiar e
doméstica que assegure a boa marcha do governo. Para tanto, é preciso achar
subsídios. Os monarcas mais atilados elaboraram, com seus conselheiros,
sistemas que ligam o ‘doméstico ao administrativo’, a fidelidade à venalidade,
o ‘serviço de sua pessoa na administração da coisa pública’. Assim a monarquia
criou em permanência a estrutura clientelar com ramos horizontais no espaço
geográfico, limitadas apenas pelas fronteiras , com implicações verticais na
hierarquia social, descendo até os submetidos à talha e à corvéia”. (5)
A ascensão social e
política é feita pelos grupos e indivíduos numa imensa rede de favores. O rei
precisa cooptar os nobres, que precisam exibir poder ao rei. Os dois lados
precisam de operadores que permitam a fluidez dos interesses, a sua realização
sempre dependente dos alvos concorrentes ou paralelos aos dos coletivos
familiares ou de “amigos”. A política do “é dando que se recebe” não foi
instaurada no Brasil, como se nota. A sociedade e o Estado absolutistas
constituem, diz um historiador, “redes de amizade, de primos, de camaradas de
colégio e combate, companheirismo, afinidades diversas, encontros de vizinhos”.
O favor, para o nobre, define “uma rede de interdependência na qual ele se
inseria desde o nascimento, onde se casava e que lhe permitia sustentar, ou
aumentar, a reputação de sua casa. É um capital que em parte ele herdara de
seus parentes, que deveria fazer frutificar, antes de o transmitir por sua vez
aos filhos. O gosto das relações, o culto da amizade, contavam tanto quanto o
sentido da honra e do devotamento”. (6)
O reino, grande família,
é movido pelos alvos das famílias. As redes horizontais de parceria e
cumplicidade buscam, todas, ascender na escala do Estado. O meio é encontrar
conexões em estratos cada vez mais altos de redes de interesse e favor, até
atingir os arredores do trono. Assim, os elos de clientela e fidelidade se
tornam a cada momento mais amplos e complexos. Entre os termos que assinalam os
pactos tácitos (o termo é posto no Sobrinho de Rameau) está o que enuncia que
alguém “pertence” a um outro, é sua “criatura” ou seu “doméstico”. (7) Tais
cadeias de solidariedade unem três tipos de pessoas: o patrão, o cliente, e os
brokers (os intermediários) o corretor. A clientela é praticada desde os tempos
de Roma. Deixemos um pouco os tempos absolutistas modernos e nos dobremos sobre
o clientelismo em Roma. (8)
Como no Antigo Regime, as
relações políticas de Roma ocorrem nos círculos complexos das famílias. As
coalisões são formadas na base familiar, com as gentes e as familiae. O
consulado romano foi possível, com certa estabilidade, com fundamento no trato
entre grupos familiares e clientela. A prática da adoção de indivíduos
por famílias é uma outra maneira de manter vínculos de força e de poderio
político. O costume de adotar, mantido pela sociedade, foi posto em movimento
pelos imperadores, mas a partir de uma prática jurídica anterior: as famílias
em filho homem como herdeiro, adotavam alguém que passava a usar o seu nome,
dando-lhe sobrevivência e coesão. Adotar era um meio de estabelecer alianças
entre famílias. (9) Os cargos maiores de Roma eram gratuitos, porque os seus
ocupantes eram ricos e poderosos, não sendo próprio à sua dignidade receber
para administrar. Receber salários para exercitar o governo é próprio de um
regime que deseja fornecer livre acesso ao poder para todos os cidadãos. E Roma
era uma aristocracia, não uma democracia. Mesmo sua república não era
democrática. Assim, toda a eficácia política, guerreira ou econômica repousa
sobre a influência de certos indivíduos de certas famílias no circulo social.
Não existe matiz igualitário em Roma: ou a pessoa pertence à uma família
poderosa, ou à uma família pobre. Há os que governam, uma elite, e a massa dos
que obedecem. Trata-se da relação patres/plebs.
Dessa relação, conflitiva
em toda a república e império romanos, surge uma prática de manipulação
dominadora exemplar: o patronato e a clientela. Não se trata de algo inédito,
inventado em Roma. Já na Grécia existia o patronato, sendo que um conservador como
Fustel de Coulanges imagina ser ele “uma prática das mais conformes à natureza
humana”. O próprio Fustel analisa tal costume na Gália e nos povos germânicos.
(10) Os habitantes das cidades conquistadas por Roma se tornam clientes do
general que os vence, este recebe o título de patronus. Os escravos libertos
por manumissio,(11) entram para a clientela do patrono. Tais casos não dizem
muito para a dominação política, pois os seus partícipes dominados eram
escravos. Importante é o ato “pelo qual um cidadão livre se coloca sob a
proteção de uma pessoa mais poderosa e mais influente, o seu patronus. Esta
forma de clientela se distingue essencialmente da anterior, porque é
constituída por uma adesão livremente contraída após entendimento estabelecido
entre as duas partes, o que se chama fides.” A clientela é oferecida para todos
os que não possuem a plena cidadania. Ela resulta de um pacto solene, no qual o
patrão enuncia a fórmula : Ego in fidem te recipio. Ela não traz prejuízos à
posição jurídica do cliente, ela é puramente moral, não cai no domínio público.
Os clientes, embora não sejam patrícios, podem pertencer a todas as categorias
sociais, desde que encontrem apoio de um mais poderoso. A clientela é
hereditária, mas pode ser rompida, ou estabelecida com maior número de
patronos. Aí, a conciliação da fides a um ou a outros, é mais complicada.
O cimento que faz a fides
permanecer sólida é o fauor (favor). Favere assume o sentido “ser favorável”,
na lingua comum e na política. Ao termo fauere corresponde fautor : “aquele que
favorece”. Ele aparece em data mais avançada da república. Favor é o que
sustenta o político nas eleições, com aprovação popular. Ele significa o
próprio voto (fauor) mas não a campanha, que tem por nome officium. O favor se
acompanha de sinais externos, em especial de laude, gratulationes, plausus,
clamor (a manifestação externa do fauor). Trata-se de um termo também usado no
teatro. A partir do teatro, o termo pode ter sido aplicado à política. Pouco a
pouco o termo passa a significar “popularidade”. Fauere significa “trabalhar
para o aumento da posição política de alguém”. Se o cliente tem o dever
moral de sufragar nas eleições o nome de seu patrono, este último deve proteger
o cliente. Como na república existe a ficção da soberania popular (a monarquia
caíra com Tarquínio, o soberbo), o favor do voto tem como nome o eufêmico
beneficium. Tal relação pode, se transformar em obsequium (indulgência,
cumprimento, complacência), blanditiae (de blandus, lisonjeador, adulador,
acariciador), ambitio (na república a busca dos candidatos por votos, para
solicitar aos cidadãos individuais os seus votos por meios corretos e
legais) . (12)
Cicero louva a amizade
desinteressada, algo que só pode existir entre os boni viri, os integrantes do
patronato. Ricos, eles não precisam de nada material para obter dos seus
iguais. Mas, recorda Hellegouarc‘h, para o mesmo Cicero um dever dos amigos é
ajudar o parceiro na carreira política. O comentador aponta para a contradição
entre os princípios elevados da ética e as realidades da ordem prática. “Cicero
esteve sempre entre as duas opções e nunca escolheu formalmente entre elas. Ele
constata que a virtus não tem muito lugar na atividade pública quando a tomamos
em sentido moral estrito e que é difícil acordar moral e política”. Assim, no
ideário romano, permanece a amizade em sentido elevado, mas o que se pratica,
de fato, é o interesse momentâneo, a amizade breuis et suffragatoria. As
amicitiae “se constituem como elemento importante da política; elas são feitas
e desfeitas segundo as circunstâncias e necessidades do momento; só o interesse
comanda e o sentimento não tem muito a ver com elas. A influência de um
personagem é de algum modo proporcional ao número de amigos que ele soube
adquirir”. Na ausência de partidos organizados, “o político não tem outro
recurso para expandir sua influência a não ser unir-se ao maior número de
pessoas possível, as quais lhe trarão por sua vez apoio dos que lhes são
apegados”. Há uma distinção, entretanto: os amici pertencem ao patronato,
os inferiores formam a clientela. Tal é a teoria, como no caso da amizade em
geral, como virtude moral, e como prática efetiva. Assim, era possível colocar
no plano dos amigos, pessoas que o mais correto seria colocar no âmbito dos
clientes. “Esta extensão súbita e diplomática do número de amigos devia ser
particularmente importante na época de campanha eleitoral”. Assim, conclui
Hellegouarc’h, “precisamos renunciar a toda distinção entre amicus e cliens.
Embora na origem as duas palavras se apliquem a situações muito diferentes,
elas se perverteram no uso e se tornaram intercambiáveis segundo as
necessidades e as circunstâncias.” (13)
A importância das
relações de favor em Roma surge com plena luz em escritos modernos que procuram
retomar o ideal republicano. É o caso de Rousseau. Segundo o Contrato Social,
nas antigas repúblicas virtuosas, “cada um tinha vergonha de dar publicamente
seu sufrágio a uma opinião injusta ou a um assunto indigno, mas quando o povo
se corrompeu e seu voto foi comprado, foi conveniente que o segredo fosse
instituído para conter os compradores pela desconfiança e fornecer aos
salafrários (´fripons´) o meio de não serem traidores”. (14) Ao comentar os
comícios, Rousseau diz que as leis de eleições dos chefes não eram os únicos
pontos submetidos ao seu julgamento. O povo romano, diz ele, tendo usurpado as
mais importantes funções do governo, pode-se dizer que a sorte da Europa era
regulada por aquelas assembléias. “Esta variedade de objetos dava lugar a
diversas formas que tomavam tais assembléias, segundo as matéria sobre as quais
ele deveria se pronunciar. Para julgar essas diversas formas, basta
compará-las. Rômulo, ao instituir as curias, desejava conter o senado pelo povo
e o povo pelo senado, dominando igualmente sobre todos. Ele deu, portanto, ao
povo, assim, toda autoridade do número para equilibrar (balancer) a da potência
e das riquezas que ele deixava aos patrícios. Mas, segundo o espírito da
monarquia, ele no entanto deixou mais vantagem aos patrícios por influência de
seus clientes na pluralidade dos votos. Esta instituição admirável dos patrões
e clientes foi uma obra prima de política e humanidade, sem a qual o
patriciado, tão contrário ao espírito da república, não teria podido subsistir.
Roma apenas teve a honra de dar ao mundo este belo exemplo, do qual não
resultará jamais abuso e que, no entanto, jamais foi seguido”. (15) Quanto ao
fato de que a clientela serviu aos patronos ricos, Rousseau tem plena razão
histórica. Se tal invenção foi algo excelente, em termos políticos e de
humanidade, pode-se imaginar se o filósofo ironizava cruelmente, ou se foi
atacado, quando escrevia as linhas acima, por um súbito ataque de realismo.
Como a segunda opção é improvável...
Voltemos ao Antigo Regime
francês, espaço de clientela e de favores. Em troca da proteção e benesses
recebidas, o cliente deve servir ao seu patrão “com docilidade e lealdade,
ajudá-lo a conseguir seu alvo, por exemplo, lhe fornecendo informações, o
servindo com a pena ou espada, adotando suas inclinações, ambições, e às vezes
seguindo-o na adversidade”. O patrão “ajuda seu cliente, se for preciso o
veste, o alimenta, hospeda, lhe procura emprego, empresta ou dá o dinheiro para
comprar um cargo, o empurra na ascensão social, o defende contra seus adversários.
As vezes ele organiza seu casamento, educa ou casa seus filhos. Tal patrão, se
não for uma pessoa rica, pelo menos é alguém influente, capaz de intervir em
favor de seu protegido o recomendando aos mais poderosos do que ele”. (16) A
ausência de reciprocidade traz ruptura, traição, acusações de ingratidão. Agora
o terceiro elemento : o corretor, ou broker. Ele é uma espécie de patrão
pela metade, que põe sua própria clientela para servir um outro, mais poderoso.
Ele facilita as negociações. “O patrão principal precisa desses ‘cafetões’
–entremetteurs– numerosos e eficazes para ampliar sua influência, assegurar o
apoio de meios ou redes que ele não pode abordar diretamente. O corretor tem
sua vantagem em fazer frutificar seu próprio capital de relações, monetarizando
em preço alto seu papel de mediação e buscando por sua vez assegurar para si
mesmo o monopólio do mercadejo (courtage), o que o patrão nem sempre tem
interesse em conceder”. (17)
Essas relações de favor e
de influência são essenciais na sociedade do antigo regime. Elas permitem
entender o funcionamento do poder num sistema estatal incompletamente
institucionalizado, como a França do período, formando a “monarquia
administrativa”. Note-se o leve tom de etnocentrismo na análise de Petitfils. A
França “foi” assim no Antigo Regime. Outras culturas, “incompletamente
institucionalizadas” de hoje, sofrem os mesmos males do clientelismo. É
possível perguntar se na França e nos demais países “completamente
institucionalizados”, o favor e as relações de clientelismo foram abolidas. O
autor, na sua exposição, cita para os dias de agora François-Xavier Guerra,
cuja tese de doutoramento defendida na França se intitula Le Mexique. De l
‘ancien régime à la révolution (18) Ele também cita Steffen Schmidt (Friends,
Followers and Factions: a reader in political Clientelism). (19)
Antes de François-Xavier
Guerra discutir a ordem mexicana, no Brasil Maria Sylvia Carvalho Franco
tematizou, para compreender a lógica que norteia a sociedade e a política
nacional, as relações de favor, de “amizade” e compadrio . Em Homens
Livres na Ordem Escravocrata, a autora conceitualiza a partir de textos
históricos e depoimentos, a rede de relações tecida entre poderosos
fazendeiros, sitiantes mais pobres e os dominados no baixo da escala social. O
grande proprietário, diz ela, manteve relações aparentemente horizontais com o
sitiante. Ela começa pelo depoimento de um integrante de família rica em
Resende, nascido em 1870. “Não havia desigualdade entre fazendeiros e sitiantes;
havia mesmo amizade. Se um deles chegava à nossa porta, vinha para a mesa
almoçar conosco”. (20) Aqui temos a noção de amiticia, imperante na sociedade
romana e que, nela, apresentava uma polissemia imensa, a ponto de se precisar
suspender a busca de sua designação “correta”. A ambigüidade da palavra entra
na prática do político romano, do nobre francês, do fazendeiro brasileiro. Como
prova da “igualdade” com o sitiante, era dito que eles e grande proprietários
eram compadres.
Assim como a amicitiae romana,
ou do antigo regime, a prática do compadrio suspende, de maneira imaginária, a
diferença de nível e de riqueza. A autora cita Antonio Cândido (21) :“Os
vínculos estabelecidos entre padrinho e afilhado eram tão ou mais fortes que os
de consangüinidade : não apenas o padrinho era obrigado a tomar o lugar do pai,
sempre que necessário, mas tinhas que ajudar seu afilhado em várias ocasiões
(...) o afilhado, por sua vez, ajudava o padrinho em tudo o que este
necessitava, e freqüentemente tomava o nome da família”. No compadrio, ressalta
o fato de um dos lados, o mais poderoso, “se apresenta como um patrocínio do
superior e uma decorrente submissão do inferior.”. A criança pobre deve ser
“encaminhada na vida”, com ajuda do mais forte. A autora cita Coldman (22) :
“Como naturalmente o padrinho deseja cumprir sua promessa com a menor despesa
possível, o que de melhor pode fazer senão prover o jovem, tão logo tenha idade
adequada, com um emprego público? E se o governo não tem o suficiente número de
cargos à sua disposição, como poderia a influência do Duque, Marquês, Barão,
Comendador, ser mantida mais facilmente que criando novos cargos e novos
funcionários?”. A autora lembra o que significa, no Brasil, o termo
“apadrinhar”. Poderíamos dizer a mais, que em nossa terra, “quem tem padrinho,
não morre pagão”, ou seja, sempre alcança os empregos públicos ou privados,
quando funciona a rede de favores recíprocos. “Ampliando-se as trocas do
compadrio para situações sociais, compreende-se como deriva dele toda uma intrincada
rede de dívidas e obrigações, infindáveis porque sempre renovadas em cada uma
de suas amortizações, num processo que se regenera em cada um dos momentos em
que se consome”. (23)
A igualdade fictícia,
trazida pelos ritos sagrados e pela “amizade” interessada, mostra sua face de
dominação em momentos de apuro financeiro. O patrono ajuda o sitiante, este
devolve em apoio político. Diz um rico, em depoimento anotado pela autora: “se
os sitiantes da redondeza estavam em dificuldades ou queriam comprar um pedaço
de terra, emprestavam dinheiro de meu pai; em compensação, esta gente sempre o
acompanhava, eram seus eleitores ou seus cabos, pois ele era o chefe
conservador da zona (...) Não havia compra de voto. Não havia concorrência
entre os chefes políticos: não adiantava, quem era conservador era conservador
e quem era liberal era liberal”. Deduz a autora: “a dependência” em que os
protegidos estavam, “tornava inelutável a fidelidade correspondente. Sua adesão
em troca dos benefícios recebidos é tão automática, que nem sequer são tomadas
medidas que assegurem seu voto; tampouco se cogita de providências para atrair
eleitores cuja fidelidade está definida para com o lado contrário. Umas seriam
desnecessárias, e outras inúteis”.
Presos à política local
ou no máximo regional, os dominados não perceberam o alcance de eventos como a
Independência do Brasil e similares. “Estado, na consciência desses homens se
confundia com a pessoa do príncipe e governo se identificava com seus atos e
decisões, ou com a de seus representantes”. Assim, a consciência política dos
setores livres e pobres não vai além da pessoa que lidera o elo entre os dois
extremos da cadeia de domínio. A visão institucional do Estado e de seus
interesses nacionais ou internacionais falta a tais setores. Os nexos entre
patrono e cliente são definidos: “a lealdade inclui o reconhecimento do
benefício recebido, o sentimento de gratidão por ele, e o imperativo de sua
retribuição equivalente”. Mas “o fabricar de lealdades e fidelidades através de
um processo cumulativo de recíprocos encargos e favores promovia,
sucessivamente, a eliminação completa da possibilidade de um existir autônomo”.
O poder, então, é impossível de ser concebido “senão mediante o prisma formado
pela encarnação do poder: este transfigura a realidade social, convertendo-a
nas formas objetivadas da existência daquele que é ideado como superior, e
plasma as categorias através das quais ela é conhecida, confinando-as a imagens
que não podem transcender essa mesma situação vital particular, personificada e
alheia”. Isto mostra o peso do comportamento mecanizado do dependente e sua
incapacidade para apreender a organização e a dinâmica da política em nível
institucional. Atitude similar, de “amizade” ocorre entre patronos e agregados.
O morador ficava nas terras do patrono se fosse amigo. “Agregado ou camarada, a
anulação de sua vontade se revela na simples incapacidade de tomar uma decisão
autônoma”. Uma testemunha, no caso de rapto de jovem, diz que o réu “lhe fora
pedir para ter guardada em sua casa a menor e ele respondera que não o podia
fazer sem o consentimento de seu patrão, porque era agregado”. Sua recusa,
adianta a autora, “tem a ver menos com o risco de transgredir a lei, que de
incorrer na desaprovação do fazendeiro”.
O favor permeia, assim,
os elos entre patronos e gente livre, mas pobre no Brasil. E se atentarmos para
o fato de sermos uma sociedade desigual por excelência, a ficção da igualdade
jurídica e política se esvai rapidamente. No mesmo passo, guardamos as práticas
políticas do Antigo Regime, como por exemplo a diferenciação entre operadores
do Estado e “pessoas comuns”, simples pagadores de impostos, sem maiores
direitos e poderes. Os cargos dos “amigos” e apadrinhados continuam em uso, na
troca de favores entre oligarcas que tentam se aproximar do poder, na corte.
(24) Os mesmos padrinhos tentam, por meio dos seus clientes, alicerçar alianças
com seus pares oligárquicos, tudo segundo a receita absolutista. As
relações de amizade, no mundo moderno, seguem o padrão explicitado em
Roma: amizade ligada a interesses de ascensão social ou política, breuis
et suffragatoria. Tal é a base da "nova política", a absolutista que
vai do século XVI ao XVIII na Europa.
E qual foi a “Antiga
política” ? A que vigorou na Idade Média, edificada com os frangalhos do
pensamento grego e romano. Nela nota-se um peso enorme das cidades livres, os
municípios, domados na modernidade pelo poder real. No plano das idéias
políticas, apenas no século 13 os fragmentos do saber antigo , grego e romano,
começam a a ser unidos de modo coerente, definindo-se as condições intelectuais
para o Renascimento. Tal aglomerado de idéias, que dificilmente poder-se-ia
intitular como sistema une-se às formas de pensamento que surgem nas cidades
livres, os municípios que se tornaram praticamente autônomas em toda a Europa
mas sobretudo na Itália onde chegaram a se determinar como repúblicas (formadas
nos séculos 11 e 12). (25) A partir da queda do império romano no Ocidente,
surgem o feudalismo, a anarquia, as cidades municípios em luta contra a Igreja,
contra os nobres e o imperador. Elas perdem sua autonomia e sua independência
com a centralização do Estado. Na Itália e na Alemanha, apenas no século 19 o
poder real consegue abolir a independência daqueles antigos municípios romanos.
(26) No momento em que as cidades (republicas) se firmam, três são as correntes
que orientam a lingua política: a tradição das virtudes (magnificamente
representadas na Alegoria do Bom Governo), o aristotelismo, o direito romano.
As cidades da Liguria, Lombardia, Emilia, Toscana, seguem a forma de governo no
qual os cidadãos não obedecem príncipes mas apenas a senadores eleitos por
eles. Além disso, os cargos tinham duração limitada, os Consules eram trocados
a cada ano. A “ideologia” ciceroniana e o direito romano formavam o ideário das
republicas indicadas. O maior cargo de autoridade era o Podestà, ou Potestà,
que possuía poder judiciário, militar, administrativo e decisão na diplomacia.
Mas seu estatuto era de eleito limitado pelos estatutos da cidade. Ele não
tinha poder legislativo e, no fim do mandato, prestava contas ao Conselho dos
Síndicos sobre como foram mobilizados por ele os recursos públicos e as pessoas
a ele submetidas.
Tal princípio tem sua
origem remota na chamada dokimasia (δοκιμασία) (27) grega: antes e depois do
mandato o dirigente devia ser examinado, quando suas contas eram aprovadas, ou
não. Temos aí as bases da accountability democrática, princípio expulso da cena
pública, liminarmente, pela razão de Estado, desde o século 17 até os nossos
dias. Contra a razão mencionada se ergueram as revoluções inglesa,
norte-americana, francesa. Do fracasso, desvio ou retrocesso dessas revoluções,
renasceu a razão de Estado no século 19 e, depois, no século 20. Na Revolução Francesa,
a confiança nas virtudes republicanas, com o Termidor, foi recusada como
resquício subjetivo que não garantia a “governabilidade” contra os povos
submetidos pela polícia ou exércitos, sobretudo após o domínio de
Napoleão.
Com o golpe do Termidor,
a Revolução Francesa deixa o campo dos valores e passa ao plano mentirosamente
mais sólido do interesse econômico e social como base da política. As
representações intelectuais do século 18, incluindo as de Rousseau, as de
Diderot e mesmo as de um aristocrata como Voltaire, insistiam na virtude cidadã
como base do governo não tirânico. Esta doutrina foi reforçada no período
jacobino, sobretudo sob Robespierre. Com o golpe do Termidor, ela foi afastada
na teoria e na prática políticas. Comenta Alain Badiou num texto
luminoso: “o ponto central é que ao princípio da Virtude se substituiu o
princípio do interesse. O termidoriano exemplar (…) é certamente Boissy d’
Anglas. Seu grande texto canônico é o discurso do 5 Messidor ano 3. Citemos:
‘Devemos ser governados pelos melhores (…) ora, com poucas exceções, só
encontrareis semelhantes homens entre os que, tendo uma propriedade, são
apegados ao país que a contém, às leis que a protegem, à tranqüilidade que a
conserva’.”. A virtude, comenta Badiou, “é uma prescrição subjetiva
incondicionada, que não remete para qualquer determinação objetiva. É por este
motivo que Boissy d’ Anglas a recusa. Não se exigirá do dirigente que ele seja
um político virtuoso, mas que ele seja um representante governamental dos
‘melhores’. Estes não constituem uma determinação subjetiva. É uma categoria
definível condicionada absolutamente pela propriedade. As três razões evocadas
por Boissy d’ Anglas para entregar o Estado aos ‘melhores’ são essenciais e
tiveram grande futuro: —para um termidoriano, o país não é, como para o
patriota jacobino, o lugar possível das virtudes republicanas. Ele é o que
contém uma propriedade. O país é uma objetividade econômica. —Para um
termidoriano, a lei não é como para o jacobino, a máxima derivada do nexo entre
princípios e situação. Ela é o que protege, e singularmente o que protege a
propriedade. Assim, sua universalidade é totalmente secundária. Conta a função.
—Para um termidoriano, a insurreição não poderia ser, como o é para o jacobino
quando a universalidade dos princípios é pisoteada, o mais sagrado dos deveres.
Pois a reivindicação principal e legítima do proprietário é a tranqüilidade.
Encontramos, assim, o tripé fundamental de uma concepção objetiva do país, de
uma concepção conservadora da lei, e de uma concepção securitária das
situações. Uma primeira descrição do conceito de termidoriano nele vê a nuvem
do objetivismo, do status quo ‘natural’ e da seguridade”. (28)
Justo porque o princípio
objetivo impera a partir do Termidor e as noções de justiça, valor, virtude,
são esvaziadas ao máximo, dando-se preferência à propriedade; porque não
é mais permitido mudar a política sem a licença do mercado, o poder passa a
desempenhar o papel de protetor da propriedade —velha tese de Locke—(29) contra
os que não podem se encontrar no rol dos “melhores”. Não é preciso consultar os
autores liberais do período, ou mesmo o que sobrou dos que defendiam o
jacobinismo, para perceber que a garantia da propriedade deu-se com a mais dura
violência. Termidoriano foi o império e termidoriana a restauração monárquica.
Em ambos os períodos, o elemento “objetivo” invadiu a política e a cultura,
deixando para os indivíduos apenas os devaneios românticos e a sensibilidade
exacerbada. (30) A passagem do “subjetivo” (as virtudes) para o “objetivo”
marca o realismo ou razão de Estado. A política deixa de ser assunto da
vontade, do querer coletivo ou individual, e se transforma em algo exterior aos
planos dos homens, com estatuto “natural”. Quando o realista age, ele se ancora
nas “leis da objetividade”, como se o Estado e a vida social seriam apenas uma
réplica mais complexa dos mundo natural. Assim, os valores como a virtude
deixam de ter sentido, eles são mais representações Ideeles do que realidades
empíricas ou ideais. É como se o mundo político estivesse submetido às
determinações expostas na Crítica da Razão Pura, deixando para o campo da Razão
Prática o vazio metafísico. Quem se curva ao mundo político tal como ele “é”
apenas “obedece leis objetivas” e quem tenta transformar as relações
corrompidas é apenas um sonhador, nada mais.
Algo similar ocorre no
início do século 14, quando a maioria das repúblicas mudam a sua forma de
governo em proveito de um signore ou família, com os príncipes. Azzo VII se
torna príncipe de Ferrara a partir do cargo de podestà. Ele fez o Conselho
Comunal prometer que, na sua morte, seria reconhecido seu sobrinho, Obizzo,
Signore de Ferrara. Este foi aclamado Signore com o poder de governar segundo
sua vontade. Em todas as antigas repúblicas, a mudança foi mais ou menos
difícil e controvertida. Algumas cidades como Bolonha e Gênova alternaram
república e principado. Outras, como Florença e Siena resistiram como
repúblicas e caíram sob o domínio principesco apenas no século XVI. O
ideal virtuoso e republicano, a “política”, tem sua base estratégica em
Macróbio, no comentário ao ciceroniano Sonho de Scipião (parte da República
escrita por Cicero) (31). Naquele sonhos os políticos virtuosos são
premiados quando morrem, com a felicidade eterna. O essencial guardado pelos
republicanos : “nada do que ocorre na terra é mais agradável ao Deus supremo
que governa todo o cosmos do que o estabelecimento de associações e federações
de homens unidos por princípios de justiça (iure sociati) que chamamos comunidades
(civitates), Os governantes e protetores delas (rectores et servatores) dela
vêm e para e para ela retornam após sua morte” (Comentário do Sonho de
Scipião). A virtude garante a felicidade do governante. A equação é
platônica. O político prudente, segundo Macróbio, ordena seus atos pela razão,
desejando o que é reto, justo. Este político permite a felicidade coletiva.
Seria Maquiavel o inverso
dos ideais elaborados por Cicero? Segundo seus críticos do século XVI e XVII
ele é o corruptor das verdadeiras políticas e modificou a mais nobre arte
humana, transformando-a em instrumento de servidão. Segundo Inocent Gentillet,
ele inventou máximas totalmente “malvadas (meschantes) e sobre elas construiu
uma ciência política ainda mais tirânica”(Discours sur les moyens de bien
gouverner et maintenir en bonne paix un royaume ou autre principauté, citado
por Viroli). As virtudes integram os princípios ciceronianos da política.
Se a justiça não assegura a todos o que lhes cabe, some a sociedade pela ação de
sentimentos baixos como a inveja e a sedição. Para que exista justiça é preciso
que a virtude impere nos governantes e nos governados. Seria Maquiavel inimigo
da justiça, amigo das sedições ? Segundo James Harrington (Oceana, 1656) ele
encobriu idéias republicanas sob a capa do elogio da dissimulação e ferocidade
principescas. Harrington distingue duas espécies de prudência: o governo de
jure, com justiça e obediência à razão, e o governo onde “alguns poucos homens
sujeitam uma cidade ou nação e governam segundo seus (ou seu) interesse
privado”. Este é o governo segundo os homens e não segundo as leis.
Viroli, que sigo ainda
aqui, nota um pensamento de Hannah Arendt segundo o qual “Maquiavel é o único
teórico político pós clássico que fez um esforço extraordinário para ‘restaurar
a política na sua dignidade antiga’”. Outros comentadores, como Hans Baron,
comparam o autor e o cidadão republicano ao autor de O Príncipe. Note-se uma
peculiaridade: naquele texto não usa o termo “político” e nem seus
equivalentes. Para tal constatação, Viroli é devedor de Dolf Sternberger. (32)
Segundo Viroli, não existia mais terreno para se falar em política, dada a nova
lingua que estava sendo forjada e imposta praticamente, a da tirânica razão de
Estado. Este juízo de Viroli pode ser discutido. Assim, outros autores,
partindo também da constatação de Sternberger indicam um outra caminho. Segundo
Giovanni Giorgini, (33)Viroli tem razão, mas é preciso qualificar seu
enunciado. O Príncipe trata do “grau zero” da política, a situação na qual é
“preciso instalar as condições para a possibilidade da política, criando ex
novo ou salvando a comunidade política. Maquiavel aprendeu muito bem a lição de
Tucídides (a soteria poleos é a mais importante consideração para um estadista)
e também a lição do pensamento político romano ( salus reipublicae suprema lex
esto).”. Assim, o Príncipe deveria ser lido como “uma variação do tema sobre o
status necessitatis, a condição extrema e excepcional na vida de uma comunidade
política (...) O príncipe, especialmente o novo, é com frequência forçado a
agir contra a fé, a caridade, a humanidade, a religião, para preservar o
Estado, citando Maquiavel na sua famosa frase, ele não deve separar-se do bem,
se pode, mas estar pronto para o mal, se forçado. (...) O mal é especialmente
necessário quando h]a corrupção no Estado ou quando a comunidade política enfrenta
a destruição que vem de fora. E existe corrupção quando as leis favorecem
apenas um segmento da comunidade e favorece a ambição dos poderosos. Em tal
situação o vocabulário da política é pervertido: homens perniciosos
são ditos industriosos no mesmo tempo em que bons cidadãos são tido como
loucos”. Temos aí, novamente, a tese da “purga” invertida indicada por
Platão, no seu retrato da tirania.
Notadas as divergências
dos comentários, devemos ressaltar que para Viroli o vocabulário político anterior
se justificaria, no entanto, nas cidades republicanas. O assunto de Maquiavel
no Príncipe é o Estado do príncipe e, como tal, algo a ser preservado e
dirigido. Viroli cita Maquiavel quando este diz o seguinte : “deixarei o
raciocínio (ragionare) das repúblicas, porque em outra ocasião arrazoei muito.
Trataremos apenas do principado (...) e discutirei como estes principados são
passíveis de governar e manter”. As Istorie Fiorentini falam de Cosimo, segundo
o qual não é possível manter Estados com rosários (paternostri). Cosimo pensa
no seu Estado, o dos Medici, não no poder soberano da comunidade política de
Florença. Outro ditado da nova política ilustra a diferença entre Estado
republicano e Estado de alguém: “é melhor uma cidade arruinada do que perdida”.
Tal ditado expõe a política do Papa Julio 2 ao invadir Bologna pretextando
restaurar antigas franquias da cidade. A sátira de Erasmo contra o pontífice é
virulenta. (34) Cosimo defende o seu stato e para isso exilou, confiscou, etc.
Os cidadãos que não obedeciam não eram inimigos da república, mas do seu
Estado. Ele premiou os amigos e partidários, como é evidenciado por Platão.
Maquiavel, à semelhança
dos humanistas do Quatrocentto, não fala da arte do Estado (na qual o Príncipe
se baseia) como sinônimo do antigo vivere politico porque, para ele, “stato”
não era apenas outro termo para republica, mas uma forma específica de
organização que exclui a tirania e o governo despótico, sendo incompatível com
o governo de alguém. Se um cidadão ou partido domina os demais acima das leis e
acima dos magistrados, desaparece a república. Tres tipos de Estado, como se
nota a partir do Principe: a) stato del Turco, despótico; b) stato di Francia
(reino moderado); c) Stati qui sono consueti a vivere con le loro leggi e in
libertà, repúblicas.
Maquiavel, assim, não usa
o termo ‘político’ porque no Príncipe não existe política no sentido
republicano. Ele escreve sobre a arte do Estado, a de preservar ou reforças o
estado de alguém. O debate sobre o governo tirânico no qual a polis “pertence”
a alguém e o governo político onde todos, governantes e governados, obedecem a
Lei, é antigo como a filosofia. Em Platão, Aristóteles, etc. existem notas
estratégicas sobre o tema. Marcello Gigante, em Nomos Basileus (35) apresenta
um tratamento clássico do tema. Como ele mesmo diz, o assunto toca fundo no
problema da justiça e da injustiça, “quanto no problema da legitimidade e da
injustiça”. E também na questão da legitimidade da violência no mundo dos
violentos. Hoje, adianta ele, “se pratica a violência em nome do ‘direito’ do
punho, descoberta antiga do homem ainda deseducado. Mas tal ‘direito’ não tem
raiz divina, nem o homem conseguiria codificá-lo. Hoje o interesse econômico
elevou a nomos novíssimo uma história inglória, com a violência do mais forte
sobre os mais fracos. Sobram apenas as teorias ‘intimistas’ do
desfalecimento da consciência moral, e cuja ação inclui os procedimentos
tortuosos e de bajulação”. Gigante escreve logo após a IIa Guerra Mundial, com
o fascismo vencido, bem como o nazismo. O estalinismo estava no auge. A
pergunta sobre o político, o republicano, o justo, permanece, bem como a
questão dos saber se obedecemos leis ou somos servos de outros homens. Aqui,
poderemos recordar as invectivas de Etienne de la Boétie, no Discurso da
Servidão Voluntária. Somos cidadãos dignos deste nome, ou apenas objeto do
poder?
Em Nomos Basileus temos
exibidos os elos entre moral, força e direito no pensamento grego, de Homero a
Platão. Nos poemas épicos, Zeus garante a diké (a lei), mas o termo nomos
aparece apenas no composto eunomia (em antítese à hybris, OD. XVII, 487).
Hesíodo fala de nomos genericamente como norma de vida: Zeus determinou um
nomos para os animais (mas sem diké) e outro para os homens, e tal nomos é
fundido na diké, contraposta à Bia (violência física) a pura força. A
idéia de que a violência se harmoniza com a lei encontra-se em Solon, que
defende sua reforma e afirma: “com o império do nomos, conciliando violência e
justiça, cumpri esta obra”. O sintagma Nomos Basileus se encontra em Píndaro ao
comentar que Hércules se apoderou das vacas de Gerion com a força. Mas a
própria violência pode ser justa, se imposta pelo Nomos soberano. Nomos é a
vontade de Deus. Mesmo perplexos, devemos nos inclinar diante do Nomos que
autoriza a violência (como a de Hércules contra Gerion). Heródoto (III, 38)
cita o poeta Píndaro ao narrar que Dario perguntou aos Callati (tribo indiana)
e aos gregos sobre os funerais. Os indianos comiam os cadáveres dos genitores,
viam como sacrilégio cremá-los. Gregos os cremavam e jamais aceitariam
comê-los. Heródoto: “Tais são, pois, as tradições e me parece que Píndaro
tinha bem dito ao afirmar que o Nomos é o senhor do mundo”. O sentido dado por
Heródoto é relativista mas, segundo Gigante, “as tradições de um povo têm, para
ele, o valor de uma norma que ninguém deve violentar”. Demarato teria previsto
que os espartanos não cederiam a Xerxes e o combateriam até a morte “porque
acima deles está, soberana, a lei”. Segundo Gigante, no pensamento arcaico não
existe conflito entre nomos e physis, “o predomínio da divindade é nomos e
physis ao mesmo tempo, é lei santa e violenta, ao mesmo tempo”. (Gigante, p.
12). O Nomos basileus preside deuses e homens.
Quando, mais tarde, se
distingue outra lei escrita (humana) e outra não escrita (divina) já se nota
que a unidade arcaica do nomos foi violada. o que torna problemático o convívio
político e social; a ética também se torna relativística. Este é o momento da
sofística, com a “descoberta” do direito do mais forte, do nomos physeos.
Antes, o direito do mais forte tinha uma só fonte: o divino, como em Píndaro.
Os sofistas concedem ao direito do mais forte o fim terrestre e materialista do
sympheron, o útil individual. Em Tucídides, Platão, Eurípedes, há o retorno da
antiga raiz universal de lei fundamental. Daí a luta contra os sofistas e a
tirania, com a unidade do direito e da ética. É o que se chamou, ao longo da
Idade Média e no início da Renascença, “política”.
Vimos a essência da
sociedade do antigo regime, absolutista, e da brasileira, nas quais o favor
permeia todas as relações, o que impede a moderna forma de responsabilização
privada e pública, favorecendo a corrupção entre nós. Deixemos agora o lado
social e passemos aos problemas políticos definidos históricamente em nosso
Estado. A historiografia conservadora notou no Brasil uma invenção
eficaz para afastar o perigo da soberania popular e mesmo da representação
política. A Revolução Francêsa tendo sido um episódio sangrento de anarquia e
ditadura, o poder que a sucedeu após o Termidor e que acabou nas mãos do
imperialismo napoleônico, seguiu de um ponto ao outro dos setores estatais. Se
a Assembleia foi tão exclusiva no processo revolucionário que acabou
instaurando uma ditadura “virtuosa”, o poder Executivo tornou-se um centro
ditatorial com o regime instaurado pelo Corso ordenando tudo burocraticamente
em escala hierárquica do alto à base do Estado. Entre os dois poderes, o
judiciário não consegue manter a sua independência. Urge resolver o problema da
harmonia entre os três poderes, antes enfeixados nas mãos do rei ou do
parlamento. Na gênese do Estado brasileiro imaginou-se resolver o conflito e,
ao mesmo tempo, as ameaças do que ocorreu nas revoluções inglêsa,
norte-americana, francêsa: a instituição do poder moderador cumpre esse papel.
Escutemos o conservador
Guizot: (36) “o mais simples bom senso reconhece que a soberania de direito,
completa e permanente, não pode pertencer a ninguém; que toda atribuição de
soberania de direito à uma força humana qualquer, é radicalmente falsa e
perigosa. Donde a necessidade da limitação de todos os poderes, quaisquer
que sejam seus nomes e formas; daí a radical ilegitimidade de todo poder
absoluto qualquer que seja a sua origem, conquista, herança ou eleição. Pode-se
discutir os melhores meios de procurar o soberano de direito; eles variam
segundo os tempos e os lugares; mas em nenhum lugar, em nenhum tempo, nenhum
poder poderia ser o possuidor independente dessa soberania. Posto esse princípio,
não é menos certo que a realeza, em todos os sistemas que ela é considerada,
apresenta-se como a personificação do soberano de direito. Escutai o sistema
teocrático: ele vos dirá que os reis são a imagem de Deus na terra, o que não
quer dizer nada mais do eles personificam a justiça soberana, verdade, bondade.
Perguntai aos jurisconsultos: eles responderão que o rei é a lei viva; o que
significa ainda que o rei personifica o direito soberano, a lei justa, que ele
tem o direito de governar a sociedade. Interrogai a própria realeza no sistema
de monarquia pura: ela dirá que personifica o Estado, o interesse geral. Em
toda aliança ou situação considerada, ela sempre tem a pretensão de
representar, reproduzir o direito soberano, o único capaz de governar a
sociedade legitimamente. Nada nisso espanta. Quais são as marcas do soberano de
direito, as marcas de sua natureza própria? Para começar, ele é único; porque
só existe uma verdade, uma justiça, só existe um soberano de direito. Ele é o
mais permanente, sempre o mesmo: a verdade não muda. Posto numa situação
superior, estranha a todas as vicissitudes, a todas as possibilidades desse
mundo; eles está no mundo, de certo modo, apenas como espectador e como juiz :
este é o seu papel. Pois bem! Senhores, estas marcas racionais, naturais no
soberano de direito, a realiza as reproduz exteriormente na forma mais
sensível, que dela parece a mais fiel imagem. Abri o livro em que o Sr.
Benjamin Constante tão enegenhosamente representou a realeza como um poder
neutro, um poder moderador, elevado acima dos acidentes, das lutas sociais, e
que só intervem nas grandes crises. Esta não seria por assim dizer, a atitude
do soberano de direito no governo das coisas humanas ? É preciso que haja nesta
idéia algo muito próprio a mover os espíritos, pois ela passou com uma rapidez
singular dos livros para os fatos. Um soberano dela fez, na constituição do
Brasil, a base de seu trono; a realeza é representada como poder moderador
elevado acima dos poderes ativos, com espectador e juiz”. (37)
A formulação liberal do
próprio Benjamin Constant procurava impor limites à soberania popular, mas
trazia também a preocupação de estabelecer os limites dos poderes e garantir a
sua harmoniosa relação. Neutro, o poder moderador seria o apanágio da realeza
(38), os ministros seriam responsáveis pelo governo e os legisladores não
seriam pagos. O julgamento pelo juri seria a norma e haveria liberdade de
imprensa. Qual a base para a recusa da soberania popular? Ela é encontrada, em
Constant, no texto sobre a diferença da liberdade entre os povos antigos
e modernos. A primeira encontra-se na democracia direta assumida em
Atenas, cujos males eram a guerra perene e a escravidão como seu resultado.
Nada que já não esteja em Tucídides. A segunda, encontra-se no comércio,
“que inspira nos homens o amor pela independência individual: atende as suas
necessidades, satisfaz os seus desejos, sem intervenção da autoridade”. Assim,
o Estado deve ser contido em limites quando se trata da vida econômica, pois
“sempre que o governo tomar conta dos nossos negócios, o fazem de modo pior e
de maneira mais cara”. Não devemos nos colocar nos assuntos de Estado,
enquanto este último não deve se intrometer em nossos assuntos particulares. A
liberdade moderna reside “no gozo tranqüilo da independência individual”. (39)
Erra todo aquele que
desconhece limites para o exercício de qualquer poder. “Quando se estabelece
que a soberania popular é ilimitada, cria-se e se deixa ao acaso na sociedade
um gráu de poder muito amplo e que se torna um mal, não importa em quais mãos
esteja. Entregue-o a um, vários, todos, e o mal será o mesmo (…) a soberania só
existe num modo limitado. Onde começa a independência e a existência individual
começa, termina a jurisdição da soberania”. O mercado liberta e a vida privada
deve ser o refúgio do indivíduo. Pela via oposta encontra-se em Constant o
elogio hobbesiano do indivíduo limitado ao particular, sem exteriozações de
suas certezas no plano público. A soberania popular entra no erro democrático:
“A sociedade não pode exceder a sua competência sem tornar-se usurpadora, a
maioria não pode fazer o mesmo sem tornar-se facciosa”. O Contrato Social
representa “o mais terrível instrumento auxiliar de todo tipo de despotismo”.
Crime é crime, pouco importa a fonte de poder alegada por quem o comete:
indivíduo, partido, nação.
Após essa passagem pelo
poder napolêonico fica bem clara a intenção de Benjamin Constant ao sugerir o
Poder Moderador como preventivo de tiranias. De um lado, ele limitaria as formas
soberanas ligadas ao povo, sobretudo o despotismo do Legislativo. De outro, ele
limitaria as pretensões do Executivo, garantindo o Judiciário. (40)
Evidentemente, as críticas aos abusos de poder descem nas noites dos tempos. No
período absolutista, as denúncias contra tais abusos surgiram entre os
puritanos e seus herdeiros, na América ou na França. No caso de Benjamin
Constant, no entando, existem antecedentes no instante em que a Revolução
Francêsa e a ditadura do Legislativo chega à sua crise de morte. Como é o caso
de Sieyès, para quem “ os poderes ilimitados são um monstro em política (…) a
soberania do povo não é ilimitada”. (41) O termodoriano por excelência,
Boissy d´Anglas, retoma a norma hobbesiana, levando o cidadão particular ao
plano estritamente produtivo, econômico, dele afastando as tarefas de governo.
Assim, não se pode arrancar à atividade econômica “homens que melhor serviriam
seu país pela atividade assídua em vez de vãs declamações e debates
superficiais”. (42) D´Anglas, na verdade, com o Termidor, seleciona “os
melhores” para dirigir o Estado, os “possuindo uma propriedade são apegados ao
país que a contem, às leis que a protegem, à tranqüilidade que a conserva”.
(43)
Benjamin não foi
termidoriano nem aceitaria in totum as teses enunciadas por Boissy
d´Anglas. Mas soube notar os excessos de poder de um setor do Estado e procurou
definir o controle dos três poderes por intermédio do Poder Moderador, indicado
como tarefa do rei. "Para que não se abuse do poder, é preciso que pela
disposição das coisas o poder detenha o poder”. O sistema das balanças, no seu
pensamento, opera na estrutura do Estado. O Legislativo seria bicameral,
incluindo uma Casa dos Pares. Posteriormente ele divide o poder entre
Legislativo e Judiciário, composto de juízes inamovíveis de ofício. Ideou, para
corrigir a concentração do poder, o sistema de poderes e direitos
departamentais e dos municípios. O rei como "poder neutro” segue nessa
orientação geral.
No Brasil, a concepção de
Constant seguiu para um rumo inesperado. Vimos o elogio do uso da idéia de
Poder Moderador em nosso país por Guizot. Há um evidente desvio do conceito na
pena de Guizot no relativo ao conceito. Constant define aquele poder como
neutro, o que significa que ele serve para coordenar os três poderes, sem neles
interferir “do alto”. A mesma operação de hierarquizar os quatro poderes foi
seguida no Brasil com a Constituição de 1824. A tendência centralizadora
do poder real já fora iniciada em Portugal no século 18, com as reformas pombalinas.
“As concepções de poder político, sociedade e Estado são assim formuladas em
torno da noção de império civil, com fins de legitimar a monarquia portuguesa e
consubstanciar projetos de atuação política”. (44)
Com as invasões
napoleônicas de 1808 e a vinda da Casa Real para o Brasil, compõe-se uma Corte
no Rio onde se integram a nobreza, burocratas de alto escalão, serviçais e
negociantes. No projeto idealizado, continua a noção de império português, com
sede no Brasil. A cidadania foi entendida nos parâmetros da antiga metrópole: o
“povo” era a aristocracia, os “homens bons” (ricos proprietários) sem sangue
judeu. A representação “popular” faz-se por petições, dando-se o direito de
voto sem que os cidadãos tivessem presença ativa na esfera pública. Outro projeto
é mais radical, pois admite a presença cidadã na vida pública, define autonomia
para o Brasil. Nos dois projetos, cidadão é título que não cabe aos escravos,
evidentemente, nem aos homens livres e pobres (“gente ordinária de
veste”).
O debate sobre a
cidadania surge em 1821 na Assembléia do Rio de Janeiro, na eleição de
representantes provinciais para a Assembléia de Lisboa, para redigir a
Constituição portuguesa. O debate conduziu ao inesperado questionamento da
autoridade de João VI. Proposto um projeto de governo representativo, visto
pelos governantes como ligado “à força incontrolável da multidão”, sobretudo
num reino onde a enorma quantidade de escravos era perene ameaça (a revolta do
Haiti em 1810 era um presságio).
A imensa dimensão do
território brasileiro, as revoltas que se esboçavam, o exemplo dos países
vizinhos que se tornaram repúblicas de tamanho inferior ao do Brasil, a memória
da Revolução Francêsa, as doutrinas de Benjamin Constant, todo esse amalgama de
idéias, medos, repressão, definiu o momento inaugural do Estado independente
que assumiu a forma de Império. Os que desejam um poder representativo e
constitucional conseguem em 1822 a convocação da Assembléia. Mas no país surge
dois projetos não sintonizados e conflitantes : o da monarquia soberana, de São
Paulo sob liderança de José Bonifácio e o de um governo constitucional (Rio de
Janeiro, liderado por José Clemente da Cunha). Quando Pedro I é aclamado, José
Clemente afirma o princípio da soberania popular enquanto Bonifácio enfatiza a
supremacia do Imperador.
Vence provisoriamente o
primeiro projeto, sendo o império civil instituido por direito divino. Os
defensores do segundo plano são perseguidos mas não deixam de conseguir a
consideração, nos trabalhos da Constituinte, de suas idéias. Desse modo, o novo
governo admitiria a liberdade política, mas sob a égide do poder supremo,
definido pela pessoa do imperador. Em 1823, José J. Carneiro de Camposao
discutir a sanção do soberano apresenta a idéia do Poder Moderador. Exclusivo,
aquele poder permite ao imperador controlar os demais poderes. A Constituição
de 1824 incorpora o quarto poder e o amplia, pois ele pode dissolver a Câmara
de Deputados, afastar juízes suspeitos, etc. Tal poder foi alegado sempre que
se tratava, no parecer dos governantes, da Salvação do Estado. No mesmo plano,
é restrita a autonomia do judiciário. Desse modo, o Poder Moderador torna-se
supremo no Estado, acima dos três outros poderes.
A predominância do poder
moderador sobre os demais manteve-se durante o império, incluindo o tempo de
regência, quando o país passou por rebeliões sufocadas manu militari de Norte a
Sul. Somadas as suspensões dos direitos e a permanente supremacia do imperador,
tem-se como resultado uma difícil e quase improvável democratização do Estado.
O permanente estado de rebelião e as necessidades do poder central, definem o
império como excessivamente preso ao modelo de concentração de poderes, o que
molesta ainda em nossos dias o país, com o tipo de federação na qual os Estados
possuem realmente pouca autonomia, sobretudo em matéria fiscal. (45) Com o fim
do império, os positivistas tentaram acabar de vez com as forças liberais, com
o conceito de ditadura, que acentua e mantem a preponderância do executivo
sobre o Legislativo, concentrando o poder diretor numa única pessoa. Falar em
Legislativo, nesta doutrina, é impreciso e mesmo errôneo, visto que a
Assembléia teria função fiscal : aprovar o orçamento do Estado. (46) Em toda a
república as prerrogativas do Poder Moderador foram incorporadas,
silenciosamente, à Presidência do país. Com elas, a permanente pretensão dos
ocupantes daquele cargo a assumir, como imperadores temporários, a preeminência
e a intervenção nos demais poderes. Esse ponto permite indicar que o Estado é
regido por força de pressupostos autoritários que, inclusive, produziram em
plano mundial algumas lições de moderno despotismo.
Não por acaso, Carl
Schmitt refere-se ao Poder Moderador brasileiro em O protetor da Constituição.
Alí, o jurista defende, como em outros trabalhos, que apenas o Reichspräsident
pode defender a Constituição em tempo de crise. O tema gira ao redor do Artigo
48 da Constituição de Weimar. (47) Ao fazer seu apelo aos poderes do Protetor
da Constituição, Schmitt nega que o judiciário pode exercer aquele papel,
porque judiciário é idêntico a normas e age post factum, sempre atrasado na
correção dos desvios e fraturas institucionais. Para remediar aquelas
situações, apenas o Reichpräsident poderia ser movido, legal e constitucionalmente.
Como é habitual, Schmitt afasta o judiciário e, ao mesmo tempo, o próprio
Legislativo naqueles transes. Como diz Hans Kelsen, Schmitt reduz toda a
Constituição de Weimar ao artigo 48. (48) Se, como diz Schmitt, “a
independência é a necessidade primeira para um protetor da Constituição” e se
os juizes ou deputados não podem cumprir aquele mister, segue-se que eles não
são independentes, ou independentes o bastante para garantir o Estado. Desse
modo, ele retira dos demais poderes a possibilidade de controlar e limitar o
Protetor em seu poder excepcional. O estudo desse caso, importante na história
dos poderes soberanos e a conexão teórica entre o que se passou na Alemanha e
no Estado brasileiro pode resultar em esclarecimentos sobre o nosso centralismo
excessivo, a nossa quase inexistente federação, os excessivos poderes da
presidência do Brasil. (49) O Poder Moderador antes da República era vitalicio
e hereditário. Uma presidência imperial limitada por quatro anos, sofre
necessariamente a tentação de pressionar o Legislativo para que este último
faça ou aprove leis favoráveis ao programa e pretensões presidenciais. De modo
idêntico, as pressões sobre o judiciário para que reconheça a legitimidade das
mesmas leis.
Dificilmente o nosso
Estado e a sociedade entrariam na qualificação de formas democráticas. É
preciso apurar, hoje, as noções de democracia, federalismo, sociedade civil
etc., se quisermos pensar o mundo brasileiro. O nosso modo de unir
os Estados tem pouco de “federalismo” e muito de Império. Tomemos a
indicação da jurista Anna Gamper que analisa as formas federativas para apontar
as fraturas no projeto da União Européia : “Por unanimidade, as
definições de federalismo reconhecem o fundamento da palavra latina foedus que
significa “pacto”. Todas as teorias concordam que federalismo é um princípio
que se aplica ao sistema que consiste em pelo menos duas partes constituintes,
não totalmente independetes que, juntas, formam o sistema como um todo. O
federalismo, pois, combina o princípio da unidade e da diversidade
(concordantia discors). As partes constituintes devem ter poderes próprios e
devem ser admitidas a participar do nível federal.”.(50) Da definição
escolhida pela autora, tomemos a parte onde ela afirma a exigência sine qua non
que declara o seguinte : “as unidades constituintes devem ter poderes
próprios”. Desde a Independência, o Poder Central brasileiro monopoliza todas
as prerrogativas do Estado e não as partilha com os demais entes, supostamente
unidos hoje por laços de federação. Se em nosso caso foedus significasse
“pacto”, teríamos gráus crescentes de autonomia, dos municípios ao Poder
Central.
Como o Império herdou as
terras coloniais portuguêsas, para ele o mais urgente era garantir as
fronteiras do enorme país e impedir a secessão das províncias. Nesse fito, a
repressão militar foi a tônica, o que se tornou dramático durante a Regência,
quando várias unidades levantaram-se em busca não de autonomia, mas de plena
soberania. A história do Brasil, desde aquela época até 1932 (Revolução
Constitucionalista de São Paulo), tem sido a cronica de um controle férreo das
Províncias, depois Estados, pelo Poder Central. É como se cada Estado,
sobretudo os que se levantaram em armas (Rio Grande do Sul, Pernambuco, Pará,
Bahia, São Paulo, para recordar apenas alguns deles) fosse submetido à invasão
permanente dos que dirigem o todo nacional. Resulta que a nossa “Federação”
concede pouquíssima autonomia aos Estados e Municípios, em todos os planos da
vida política, econômica, etc.
A partir de Brasilia,
regras uniformes determinam até os detalhes da ordem nacional, desconhecem
deliberadamente as diferenças regionais, culturais, geográficas, etc. Do
Oiapoque ao Chui, há uma uniformização gigantesca que obriga cada uma das
regiões a se pautar pelo tempo longo da enorme burocracia federal, perdendo
tempo precioso para o experimento e modificações das políticas públicas em
plano particularizado. Enquanto em outras Federações, como o norte-americana (e
apesar do grande centralismo daquele país) vigoram leis diversas em termos
penais, educacionais, tecnológicos, etc., no Brasil a mão de ferro do Estado
central controla, dirige, pune e premia os Estados, segundo sustentem os
interesses dos ocupantes temporários da Presidência. Nesse controle, as oligarquias
regionais surgem como operadores de face dupla : servem para trazer os planos
do Poder Central aos Estados e para levar ao mesmo Poder as aspirações de
Estados e Municipios. O lugar onde as negociações entre os dois níveis (Central
e Estadual) ocorrem, normalmente é o Congresso. Alí, Presidência e
Ministérios buscam apoio aos seus planos, inclusive e sobretudo, de leis. É
impossível conseguir recursos orçamentários, por exemplo, sem as “negociações”
e nelas o modus operandi identifica-se ao conhecido “é dando que se recebe”.
Assim, os planos federais de inclusão social e democratização societária
patinam na enorme generalidade do “grande Brasil”, enquanto as unidades
aguardam as “providências” de uma burocracia pesada, incapaz de entender os
vários ritmos e formas de vida e pensamento regionais.
Nos impostos, a
concentração irracional de poderes deixa Estados e municípios sempre à
mingua de recursos. Verbas provenientes de impostos ou a eles ligadas, como no
caso das exportações, não são repassadas às unidades ou não são repassadas em
tempo certo, permanecendo nas mãos dos Ministérios Economicos. Governadores e
prefeitos são reduzidos à quase mendicância junto ao Poder Central. É
praticamente impossível chegar à democratização da sociedade sem a efetiva
federalização do Brasil. Testemunhamos, todos os anos, a caminhada de
prefeitos do país inteiro rumo ao Congresso para reclamar recursos, autonomia,
modificações em leis eleitorais e de estruturas municipais. Naquela tarde, como
em muitas outras ocasiões, os prefeitos foram tratado como estranhos no
Parlamento Federal, o que gerou um conflito só resolvido com o emprego da força
física pela segurança da Casa das Leis. Enquanto tal situação permanecer assim,
a fábrica das manobras corruptas (nas duas pontas, nos municípios e na capital
da República) estará em pleno funcionamento.
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1. Professor Titular
de Filosofia, Depto. de Filosofia, Instituto de Filosofia e de Ciências Humanas
(IFCH), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
2 Trata-se aqui de um dos
conceitos que dão origem à doutrina sobre a ética, extraído de
Aristóteles, o conceito de "hexis"(ἕξις, εως, ἡ, hábito (de corpo ou
mente), prática. Outros sentidos, em outros filósofos, existem e possuem
sua importância. Aqui, sublinho apenas o elemento essencial de hexis, que
define o caráter inerente da ação tendo em vista o agente : “ ἕξις δὲ
λέγεται ἕνα μὲν τρόπον οἷον ἐνέργειά τις τοῦ ἔχοντος καὶ ἐχομένου, ὥσπερ
πρᾶξίς τις ἢ κίνησις (ὅταν γὰρ τὸ μὲν ποιῇ τὸ δὲ ποιῆται,
ἔστι ποίησις μεταξύ: οὕτω καὶ τοῦ ἔχοντος ἐσθῆτα καὶ τῆς ἐχομένης ἐσθῆτος ἔστι
μεταξὺ ἕξις: ταύτην μὲν οὖν φανερὸν ὅτι οὐκ ἐνδέχεται ἔχειν ἕξιν(εἰς ἄπειρον
γὰρ βαδιεῖται, εἰ τοῦ ἐχομένου ἔσται ἔχειν τὴν ἕξιν, ἄλλον δὲ τρόπον ἕξις
λέγεται διάθεσις καθ᾽ ἣν ἢ εὖ ἢ κακῶς διάκειται τὸ διακείμενον, καὶ ἢ καθ᾽ αὑτὸ
ἢ πρὸς ἄλλο, οἷον ἡ ὑγίεια ἕξις τις: διάθεσις γάρ ἐστι τοιαύτη. ἔτι ἕξις
λέγεται ἂν ᾖ μόριον διαθέσεως τοιαύτης: διὸ καὶ ἡ τῶν μερῶν ἀρετὴ ἕξις τίς
ἐστιν “Hábito (ἕξις) significa num sentido uma atividade do
possuidor em relação à coisa possuída, como no caso da ação ou movimento;
pois quando uma coisa faz e a outra é feita, há entre elas um ato de fazer.
Deste modo entre o homem que tem uma roupa e a roupa possuída há um ‘ter’ . É
evidente que não pode existir um ter do ter neste sentido, pois haveria uma
série infinita se pudessemos ter um ter daquilo que temos. Mas em outro sentido
há um ‘ter’ que significa disposição em virtude da qual a coisa disposta é
disposta bem ou mal, e mesmo independentemente ou em relação a algo mais. Por
exemplo, a saúde é um estado, pois é disposição da coisa descrita. Depois, cada
parte daquela disposição é chamada estado, e da virtude das partes temos um
tipo de estado”. Aristóteles, Metafísica, 5, 1022b, no texto publicado on
line pelo Perseus Project. Na cultura cristã, que define boa parte de nossa
ética, o termo designa uma condição de alma ou corpo, resultante da prática.
Assim, na Carta aos Hebreus (5:14) : "τελείων δέ ἐστιν ἡ στερεὰ
τροφή, τῶν διὰ τὴν ἕξιν τὰ αἰσθητήρια γεγυμνασμένα ἐχόντων πρὸς διάκρισιν καλοῦ
τε καὶ κακοῦ” (Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela
prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir o bem, mas também o
mal” (trad. João Ferreira de Almeida, in A Biblia Sagrada (Sociedade Bíblica do
Brasil, 1969) p. 262
3. Homens Livres na ordem escravocrata (São Paulo, IEB, 1969; última edição : São Paulo, Ed. Unesp, 1999).
3. Homens Livres na ordem escravocrata (São Paulo, IEB, 1969; última edição : São Paulo, Ed. Unesp, 1999).
4 La monarchie, entre
Renaissance et Révolution, 1515-1792, Histoire de la France Politique-2,
(Paris, Seuil, 2000), página 518.
5 Cornette, op. cit.
página 519.
6 Petitfils,
Jean/Christian : Louis XIV (Paris, Perrin, 2002), página 49.
7 Petitfils, op. cit.
página 50. Daqui para a frente, será feita uma paráfrase deste livro, salvo
quando indicado explícitamente, as idéias e análises são dele.
8 Hellegouarc’h ,
J.: Le vocabulaire latin des relations et des partis sous la République
(Paris, Les Belles Lettres, 1963).
9 Hellegouarc’h, op. cit.
página 13.
10 Cf. Coulanges, Fustel
: Histoire des institutions politiques de l ‘ancienne France, vol. V, Les
origines du système féodal (Paris, Hachette, 1907), página 193. Hellegouarc ’h,
página 17.
11 Existem tres formas
legais de libertação dos escravos: a per vindictam, que imita as legis
actiones, e as formalidades da reivindicação entram nas formulas requeridas
para os bens móveis ou imóveis. Escravo e dono comparecem diante do praetor. O
dono, livre, pede a liberdade do escravo. O dono toca o escravo com uma vara
(vindicta ou fistuca) dizendo: “Quero que este homem fique livre segundo o jure
Quiritium (acessível apenas aos cidadãos de Roma, oposto ao direito acessível a
todos, o dominium ex jure gentium)”. O magistrado exerce tal ato em maior
ou menor grau de sua jurisdição. Depois o escravo pode ser livre pelo censo se
o dono diz que ele é livre. E finalmente, por testamento. (Cf. Manumissio, no
Dicionário de Saglio e Daremberg. no endereço eletrônico :
http://dagr.univ-tlse2.fr/sdx/dagr/index.xsp).
12 Toda a passagem acima
é extraída de Hellegouarc ‘h. op. cot. cf. páginas 178-179.
13 Hellegouarc’h, op.
cit. páginas 48- 56. O autor estuda as palavras ligadas à amiticia, desde o
termo comites (os acompanhantes e auxiliares de um político), de onde vem
comitê em nossa lingua, até necessitudo, que permeia relações prática e de
favor, unida à familiaritas.
14 Contrat social, Livro
IV, capítulo IV. In Oeuvres complètes, Paris, L´Intégrale, 1971, T. 2, p.570.
15 Cf. Du Contrat Social
ou Principes du Droit Politique (Paris, Bureaux de la Publication, 1865),
página 163.
16 Petitfils, op. cit.
página 50.
17 idem, ibid. página 51.
18 (Paris, Harmattan).
19 Berkeley, 1977.
Poderiam ser acrescentados pelo autor outros títulos como Clapham, Christopher
: Private Patronage and Public Power: political clientelism in the modern State
(London, France Pinter, 1982) e também Einsentadt, S.N. e L. Roniger: Patrons,
Clients, and Friends: interpersonal relations and the structure of trust in
society (Cambridge, University Press, 1984). E também Boissevain, Jeremy:
Friends of friends: networks, manipulators and coalitions (Oxford, Basil
Blackwell, 1974).
20 Homens Livres ... (São
Paulo, IEB, 1969), página 80.
21 Cândido de Mello e
Souza, A: : “The brazilian family” in A. Marchand e I. Lynn Smith, Brazil
portrait of half a continent (New York, Dryden Press, 1951), página 289.
22 Coldman, John: Then
months in Brazil (Edinburgh, R. Grant & Son, MDCCCLXX), página 52.
23 Carvalho Franco, op.
cit. página 81.
24 Realidade que permanece
em nossos dias : “Não concursados dominam 30% dos cargos de confiança no
governo” O retrato da máquina pública no início do governo Dilma Rousseff
revela a existência de 6.689 funcionários não concursados nos cargos de
confiança da Presidência e dos ministérios - o equivalente a quase um terço do
total de postos preenchidos por nomeações. Destes, quase 500 estão nas duas
faixas salariais mais altas do funcionalismo. Dilma herdou da gestão Luiz
Inácio Lula da Silva uma estrutura burocrática que permite a nomeação de cerca
de 21,7 mil pessoas para cargos de confiança - os chamados DAS, exercidos por
quem tem função de chefia ou direção e pela elite dos assessores da presidente,
de ministros e de secretários. Em fevereiro deste ano, 31% desses cargos eram ocupados
por não concursados, e 64% por servidores de carreira, segundo dados do Portal
da Transparência do governo federal. Há ainda uma pequena parcela de servidores
cedidos por órgãos de outras esferas - do Legislativo, de governos estaduais e
de prefeituras municipais, por exemplo.” Cada Minuto, Alagoas. (15/02/2009) E
na Folha On Line : “Cargos de confiança crescem 32% no país em cinco anos”. “Os
cargos de confiança em Estados, municípios e no governo federal aumentaram 32%
em cinco anos, saltando de 470 mil no início de 2004, para 621 mil pessoas
agora (...) Os dados oficiais sobre as administrações diretas foram
compilados pela Folha. Os cargos de confiança são os chamados comissionados,
que podem ser ocupados por servidores de carreira ou por pessoas de fora do
serviço público. A fatia ocupada pelos comissionados no total de servidores na
ativa também aumentou nos últimos cinco anos. Nos Estados, a fatia aumentou de
5% para 6% -- eram 115 mil em 2004 contra 158,8 mil agora (alta de 37,4%). No
caso dos municípios, os comissionados passaram de 7,9% do total de servidores
em 2004 para 8,8% em 2008. No governo federal, os cargos de confiança passaram
de 17.609, no começo de 2004, para 20.656 (subida de 17,3%). O crescimento do
total de civis ativos foi de 7,67%, chegando 537,4 mil, segundo o Planejamento.
A fatia ocupada pelos comissionados oscilou de 3,5% para 3,8%"
(13/04/2011).
25 Viroli, Maurizio: From
Politics to reason of State (Cambridge, Univ. Press, 1992). Grande parte das
próximas análises são definidas a partir do livro indicado.
26 Para a noção de
“município” cf. Le Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines de
Daremberg et Saglio in http://dagr.univ-tlse2.fr/sdx/dagr/index.xsp o verbete
“Municipium”, com todas as suas dificuldades.
27 Cf. Harry Thurston
Peck, Harpers Dictionary of Classical Antiquities, 1898, in Perseus Project
: http://www.perseus.tufts.edu/ “Dokimasia". "The examination
was carried on in public by the archons in the presence of the Senate, and any
one present had the right to raise objections. If such objections were held to
be valid the candidate was rejected; but he had the right to appeal to the
decision of a court, which would take cognizance of the matter in judicial
form. On the other hand, if he were accepted, any one who thought his claims
insufficient had the right of instituting judicial proceedings against him. If
the decision was adverse he would lose his office, and was further liable to
punishment varying according to the offence charged against him—which might be,
for instance, that of unlawfully assuming the rights of a citizen. A speaker in
a public assembly might thus be brought before a court by any citizen, for no
one not possessed of the full right of citizenship could legally address the
people. The question might thus be raised whether the orator were not actually
atimos, or guilty of an offence which involved atimia (q. v.)". Para uma
análise da atimia, cf Roberto Romano : "Homossexualidade, Metafísica e
Morte. A honra masculina e o Direito de Matar.” in rOBERTO rOMANOSILVA'S bLOG.
28 Cf. Alain Badiou,
“Qu´est-ce qu ´un thermidorien?” in Kintzler, Catherine et Rizk, Hadi: La
république et la terreur. Paris, Kimé, 1995, pp. 56-57.
29 Cf. Maria Sylvia
Carvalho Franco, “All the world was America”, Revista USP, dossier liberalismo
e neo-liberalismo n. 17, pp. 30-53, mar.-mai./1993.
30 I Colóquio Rousseau
“Rousseau, verdades e mentiras” Faculdade de Ciências e Letras - UNESP –
Araraquara . Conferência de Abertura Prof. Dr. Roberto Romano UNICAMP, publicado
no volume Rousseau, verdades e mentiras.
31 Texto que pode ser
lido em COMMENTAIRE DU SONGE DE SCIPION , LIVRE PREMIER Oeuvre numérisée par
Marc Szwajcer in
http://remacle.org/bloodwolf/erudits/macrobe/scipion1.htm.
32 Dolf Sternberger,
Machiavellis ‘Prince’ und der Begriff des Politischen (Wiesbaden, Steiner Ed.,
1974) 35.
33 The Place of the
Tyrant in Machiavelli’s Political Thought and the Literary Genre of the Prince,
The Italian Academy for Advanced Studies at Columbia University Lunch Seminar,
18 February 2004 (PDF) in
academiccommons.columbia.edu/download/.../paper_sp04_Giorgini.pdf
34 Ela pode ser lida em
português, em site protestante é verdade, no seguinte endereço : http://solascriptura-tt.org/Seitas/Romanismo/DialogoPapaJuliusExclususESaoPedro-Erasmo.htm
Alí também pode ser
notada a razão de Estado, mas vivida e aplicada no campo da razão da Igreja.
Erasmo avança crítica que antecedem de maneira clara o conteúdo da Lenda do
Grande Inquisidor.
35 Napoli, Glaux Ed.,
1956)
36
François-Pierre-Guillaume Guizot : Cours d'histoire moderne. Histoire générale
de la civilisation en Europe, depuis la chute de l'empire romain jusqu'à la
révolution française, 9e Leçon - 13 juin 1828. Electronic Library of
Historiography : no seguinte endereço eletrônico:
http://www.eliohs.unifi.it/testi/800/guizot/guizot_lez9.htm
37
François-Pierre-Guillaume Guizot: Cours d'histoire moderne. Histoire générale
de la civilisation en Europe, depuis la chute de l'empire romain jusqu'à la
révolution française 9e Leçon - 13 juin 1828.
38 “For Benjamin Constant
supremacy lay in the "volonté" générale", which did not,
however, imply power for the masses. It was equally dangerous to put
sovereignty uncontrolled into the hands of many as into the hands of one, it
must be limited by the division of power. Authority must not reside in one
branch of government any more than in another, and royal power should be a
"pouvoir neutre" whose function it is to set in harmonious motion the
machinery of the other powers. Faguet calls Constant “egalitaire sans être
démocrate"; his is one of the best definitions of the rôle of the
constitutional king that has ever been made”. Nora E. Hudson: Ultra-Royalism
and the French Restoration (The University Press, 1936), página 26.
39 Cf. Benjamin
Constant: “Principes de politique applicables à tous les Gouvernements
représentatifs et particulièrement à la constitution actuelle de la France”.
Capitulo 1, in Cours de Politique Constitutionelle ou collection des ouvrages
publiés sur le gouvernement représentatif (Paris, Guillaumin et Cie. 1872),
páginas 7 e seguintes.
40 A teoria do poder
moderador neutro tem sido estudada bom bastante insistência nos últimos anos,
na França e demais países. Cf. L. Jaume (Org.), Coppet, creuset de l’esprit
libéral (Paris, Economica et Presses Universitaires d’Aix-Marseille 2000). .
Thomaz DINIZ GUEDES “Le pouvoir neutre et le pouvoir modérateur dans la
Constitution brésilienne de 1824” in Benjamin Constant en l'an 2000 : nouveaux
regards. Actes du Colloque des 7 et 8 mai 1999, organisé à l'occasion du
vingtième anniversaire de l'Institut et de l'Association Benjamin Constant.
41 Seção do 3 Germinal,
Ano III, citado por Patrice Rolland (Professor da Universidade Paris XII), no
artigo “La garantie des Droits” in Droits fondamentaux, n. 3, décembre 2003,
página 183.
42 Referido por
Patrice Rolland, op. cit. página 195.
43 Citado por A. Badiou,
“Qu´est-ce qu ´un thermidorien?”, in Kintzler, Catherine e Rizk, Hadi (Ed.) :
La République et la Terreur (Paris, Kimé, 1995), página 56.
44 Cf. Eduardo Romero de
Oliveira, “A Idéia de império e a fundação da monarquia constitucional no
Brasil2 (Portugal-Brasil, 1772-1824). Anais do XVII Encontro Regional de
História, ANPUH/SP/UNICAMP (2004). CD-rom. Esta última parte segue
integralmente as indicações e análises deste texto.
45 Em Homens Livres na
Ordem Escravocrata (São Paulo, Unesp Ed., 1997, 5a edição), Maria Sylvia
Carvalho Franco analisa com rigor a gênese do Estado brasileiro e as suas
conexões com a sociedade na qual imperam o favor e a violência face a face. A
autora explora a passagem do público ao privado e a superconcentração dos
impostos no poder central, o que leva Municípios e Estados à perene condição de
inadimplentes junto ao núcleo do poder federativo e junto aos contribuintes.
Cf. especialmente os capítulos “Patrimônio Estatal e Propriedade Privada” e “As
peias do passado”. Analiso esses pontos no texto “A democracia e a Ética”,
incluido em O Caldeirão de Medéia (São Paulo, Ed. Perspectiva, 2001) páginas
363 e seguintes.
46 Cf. Ivan Lins:
História do Positivismo no Brasil (São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1964),
página 330. Cf. também Roberto Romano: Brasil, Igreja contra Estado (São Paulo,
Kayrós, 1979).
47 Recordemos o artigo
: "Caso a segurança e a ordem públicas forem seriamente (erheblich)
perturbadas ou feridas no Reich alemão, o presidente do Reich debe tomar as
medidas necessárias para restabelecer a segurança e a ordem públicas, com ajuda
se necessário das forças armadas. Para este fim ele deve total ou parcialmente
suspender os direitos fundamentais (Grundrechte) definidos nos artigos 114,
115, 117, 118, 123, 124, and 153." Não por acaso disse Carl Schmitt
que "nenhuma Constituição sobre a terra legalizou com tamanha
facilidade um golpe de Estado quanto a constituição de Weimar”.
48 Kelsen, H.: “Wer soll
der Hüter der Verfassung sein?” Die Justiz 6, 1930-1931. Citado por John P.
Mccormick : Carl Schmitt´s Critique of Liberalism. Against Politic as
Technology (Cambridge University Press, 1997), página 144.
49 Para os estudos feitos
sobre Carl Schmitt no Brasil, cito apenas, dentre outros, Marcos Augusto
Maliska, “Acerca da legitimidade do controle da constitucionalidade”, Revista Critica
Juridica 18, março de 2001, Separata de artigo. Um livro importante para a
análise filosófica e que expõe o pensamento de Schmitt com muio rigor Cf. Porto
Macedo Ronaldo Junior : Carl Schmitt e a fundamentação do direito (São Paulo,
Max Limonad, 2001).
50 “A Global Theory
of Federalism: The Nature and Challenges of a Federal State” in German Law
Journal No. 10, 01/10/ 2005.