segunda-feira, 24 de setembro de 2012
A mão ou o pé das agências ....
As agências subordinadoras da Universidade, por Prof. Dr. José Maria Alves da Silva (UFV)
Postado em 24 de setembro de 2012 da ADUNICENTROAs agências subordinadoras da universidade
Prof. Dr. José Maria Alves da Silva
Universidade Federal de Viçosa, MG
O Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Docente (Capes) são órgãos
estatais que foram criados com objetivo de fomentar a ciência e a
educação no Brasil.
Um dos
idealizadores do Conselho Nacional de Pesquisa, fundado em 1951, do qual
se originou o CNPq, foi o grande físico Cesar Lattes, que ficou mais
conhecido pelo currículo que lhe leva o nome, e só não esteve entre os
laureados ao premio Nobel porque os que costumam conceder essa honraria,
em caso de dúvida, pendem para o lado dos compatriotas.
A Capes, idealizada pelo educador Anísio Teixeira,
tinha por objetivo original a qualificação de professores, partindo do
princípio óbvio de que não pode haver boa educação sem bons quadros
docentes, e que, portanto, não adianta expandir o sistema educacional
sem o recurso fundamental que determina sua qualidade: o professor. Esta
era a lógica simples na qual se fundamentava o ideal de Anísio
Teixeira. Ele tinha visão de futuro e sabia ser necessário para o Brasil
adaptar seu sistema educacional para uma nova era de modernização
econômica, que inevitavelmente viria de fora para dentro, e que, para
acompanhar a tendência mundial, o Brasil precisaria de professores
capazes de assimilar e transmitir os novos conhecimentos que se tornavam
necessários. Portanto, era preciso fazer um trabalho de formação de
quadros docentes adaptados às exigências de uma nova época. Era esse, em
linhas gerais, o motivo original da criação da Capes.
Além
do apreço à boa educação e à boa ciência, os idealizadores do CNPq e da
Capes eram patriotas que achavam que o Brasil poderia percorrer o
caminho já trilhado pelos países desenvolvidos.
Não há dúvida de que, para isso, o desenvolvimento da educação, da
ciência, e, por meio delas, da tecnologia, eram os ingredientes mais
essenciais. No entanto, fazendo uma avaliação do comportamento dessas
agências, nas últimas décadas, chegamos à conclusão que elas estão em
flagrante contradição com os objetivos originais. Não estão honrando a memória dos grandes brasileiros que mais contribuíram para sua criação.
Certamente, as
universidades públicas brasileiras poderiam contar com apoios
importantes caso elas, de fato, funcionassem de acordo com os objetivos
propostos originariamente, mas sem que, para isso, tivessem de se portar
de forma subordinada e dependente, caso contrário, além da violação do
princípio da autonomia, se estaria implantando instrumentos de controle
governamental sobre o meio acadêmico, em clara violação a princípios
consagrados do Estado Democrático de Direito e absoluto desacordo com a
idéia de universidade como espaço da liberdade de pensamento, da
liberdade de cátedra, da liberdade de expressão e do pluralismo de
idéias. Mas, infelizmente, é isso que está acontecendo pari passu com a crescente relação de dependência financeira para com órgãos federais localizados em Brasília.
A
partir do governo FHC essa relação de dependência acentuou-se, devido
ao esvaziamento de recursos orçamentários destinados diretamente a elas,
a ponto de implicar numa velada relação de subordinação. O CNPq passou a
ditar os rumos da pesquisa e a Capes a ter poder de vida e morte sobre
cursos de pós-graduação.
Antes
disso, já se havia criado uma aberração por meio do CNPq: a bolsa de
produtividade em pesquisa, crasso exemplo de intromissão indevida no
meio acadêmico. Sei que falando isso vou, desde já, angariar as
antipatias de um número grande de docentes que já se acostumaram a
contar com essa forma de renda complementar. Mas é preciso dizer que
isso está em contradição com o princípio da autonomia e a idéia de
universidade como “consciência crítica da Nação”. Tal como está
estabelecida, a bolsa de produtividade de pesquisa é uma distorção,
porque, ao estabelecer uma vinculação direta do CNPq com cada docente
pesquisador simplesmente “passa por cima das instituições”.
Se
fosse para premiar produtividades excepcionais em pesquisa, algo que, a
meu ver é muito difícil de aferir à distância, melhor seria que
determinadas quotas de bolsas fossem concedidas às universidades,
segundo critérios muito bem definidos, para que estas fizessem a
distribuição interna segundo seus próprios critérios e objetivos, os
quais, naturalmente deveriam ser definidos mediante ampla discussão
entre a comunidade interessada.
Essa “ligação direta” com os docentes, extremamente vulnerável a fisiologismos
de toda natureza, abre a possibilidade de que uma burocracia
brasiliense possa influenciar nos rumos da pesquisa nos campus
universitários espalhados pelo país, e assegurar a certas oligarquias
científicas bem estabelecidas acesso privilegiado a recursos públicos
significativos. Outros canais
de influência são as destinações indiretas de verbas extraordinárias de
convênios que dirigentes universitários se acostumaram a disputar, “de
pires na mão”, e que também são extremamente susceptíveis ao tráfico de
influências.
Tal situação é
especialmente lamentável a todos os que vieram para a universidade
pública imaginando fazer parte de uma instituição fundamental do Estado e
não mais um órgão qualquer de governo, sujeito aos “humores” da
política.
É
comum ver docentes da universidade pública, contratados em regime de
dedicação exclusiva, que se apresentam ao mesmo tempo como “professor
universitário” e “pesquisador do CNPq”.
Isso
mostra que falta definir ainda se a dedicação exclusiva é para ser
entendida no aspecto institucional ou funcional. A valer o primeiro
caso, ninguém da universidade pública, com DE, poderá ser chamado de
pesquisador do CNPq, posto que, tal regime necessariamente pressupõe o
envolvimento, na universidade, com a tríade: ensino, pesquisa e
extensão, indissociavelmente, sem qualquer vínculo com outra
instituição. Se for entendida no aspecto funcional, isto é, como
dedicação exclusiva à atividade acadêmica, o vínculo docente com
instituições não-universitárias poderia ser permitido, mas isso
inevitavelmente introduziria algum desequilíbrio na tríade. É isso que
acontece com os bolsistas do CNPq, para os quais o lado da pesquisa
acaba ganhando mais peso, em detrimento do ensino e da extensão. A
pesquisa é incentivada, pelas bolsas de produtividade em pesquisa, mas
ninguém incentiva a educação superior, como atividade formadora de
opiniões políticas esclarecidas e de profissionais de alto conteúdo
ético, que estão muito em falta neste País.
Se existe um
órgão lotado no Ministério da Ciência e Tecnologia, para fomentar
atividades que lhe dizem respeito, é lógico supor que o mesmo deveria
acontecer no MEC, se for para fomentar a educação. Mas, na verdade, isso
não ocorre. Um exame da missão da Capes, disponível em seu sítio da
internet, indica maior compromisso com pesquisa científica do que com a
educação superior propriamente dita. Há bom tempo que sua principal
função tem sido fomentar e avaliar cursos de pós-graduação, atividades
para as quais foram destinados cerca de 75% dos recursos orçamentários
executados pelo órgão em 2009 (cerca de um bilhão e setecentos milhões
de reais). Até aí nenhuma incoerência, uma vez que os cursos de
pós-graduação também fazem parte da função educação. Contudo, os
parâmetros de avaliação e critérios de distribuição de recursos
utilizados priorizam as atividades de pesquisa vinculadas aos programas
de pós-graduação, como é o caso de publicações em revistas científicas
indexadas, fator preponderante na pontuação aos programas. Outro fator
importante é o que se chama de inserção internacional, entenda-se
“convergência de conteúdos disciplinares e programas de pesquisa a
padrões ditados de fora para dentro”. Podemos chamar a isso de fomento à
educação superior nacional?
Na verdade,
esses critérios estão contribuindo para aumentar as desigualdades de
condições entre instituições públicas brasileiras de ensino superior. As
instituições que não operam com pós-graduação ficam limitadas às
dotações orçamentárias do OGU diretamente alocadas à função educação
superior. As que possuem programas de pós-graduação, tradicionalmente as
melhor localizadas em relação aos centros de poder, têm acesso
diferenciado a recursos extras provenientes de transferências da Capes e
do CNPq. Assim, nosso sistema de ensino superior pode ser dividido em
dois segmentos: um que subsiste em condições miseráveis, mas
independente das agências reguladoras, e outro constituído pelas
universidades com tradição em pesquisa, mas que depende crucialmente
dessas fontes de recursos, razão pela qual a Capes adquiriu um poder de
vida e morte sobre as instituições que dele participam. A criação de
novos programas de pós-graduação, com uma mínima garantia de recursos,
depende de sua aprovação, em conformidade com os padrões ditados, ao
passo que os programas já existentes que não obtiverem pontuação
suficiente para alcançar classificação igual ou superior a quatro perdem
acesso aos recursos e são praticamente condenados à extinção. Nessa
relação subordinada, tudo o que os docentes podem fazer é seguir os
ditames da Capes, que os coordenadores colocam na mesa de reuniões, e
ponto final.
Estando,
de fato, mais focada na atividade de pesquisa do que na educação, a
Capes se coloca numa área de superposição com o CNPq, desvirtuando-se em
relação aos seus objetivos originais, que era o da formação de quadros
docentes qualificados.
Na
universidade pública, isso pressupõe a formação não apenas de
pesquisadores ou tecnólogos, mas, sobretudo, de docentes politizados e
pensadores das problemáticas nacionais, capazes de contribuir para a
formação de agentes de transformação social. No entanto, por força das
ingerências dessas agências, introduziu-se um viés
cientificista-tecnológico a ponto de fazer com que as atividades nas
áreas de humanidades sejam regidas pelos mesmos parâmetros das ciências
naturais, exatas e tecnológicas. Trata-se de uma imposição autoritária
do monismo metodológico pelas oligarquias científicas que determinam
critérios que são mais convenientes a eles próprios, à revelia do povo e
do País. Essa é a razão pela qual se vê hoje tantos cientistas
políticos, sociólogos, filósofos, historiadores, economistas, geógrafos,
antropólogos e outros profissionais das humanidades completamente
alheios à nefasta tendência social brasileira. O que estão fazendo eles?
Estão elaborando projetos de pesquisa para o CNPq, preenchendo
relatórios de prestação de contas, atualizando ininterruptamente o
currículo Lattes, prospectando editais e correndo atrás da publicação
de papers em
revistas indexadas, como parte do esforço para que os programas de
pós-graduação aos quais pertencem alcancem os pontos necessários para
continuar existindo.
É
paradoxal constatar que a Capes esteja, de fato, contribuindo para a
alienação da classe que deveria estar pensando criticamente o País. O
clima de alienação no meio acadêmico é visível na falta de debates, na
ausência de conferências indignadas, e mesmo de panfletagem nos meios de
comunicação de massa, como era comum em outros tempos de luta pelas
liberdades democráticas. Tanto barulho por nada. Os painéis temáticos
dos congressos nas áreas de humanidades no Brasil hoje são de uma
pobreza assustadora. O que mais se vê são discussões de métodos e
assuntos especializados de baixa relevância, por grupos restritos de
especialistas que só se comunicam entre si. Enquanto isso, o Brasil
caminha na direção contrária do desenvolvimento, com um povo
majoritariamente carente de habitação, educação, cuidados pessoais,
sendo tratado como gado nos meios de transporte coletivo e no SUS; com
uma classe média cada vez mais ameaçada pelo avanço do consumo de
drogas, e da morte violenta pelo crime e acidentes de trânsito, devidos à
precariedade e a incúria de órgãos estatais que deveriam zelar pela
segurança das famílias.
Na origem de tudo isso está um Estado que se esfacela moralmente a olhos vistos, enquanto os “cientistas sociais” permanecem num silêncio de sarcófago.
Se vivos estivessem, o que diriam Cesar Lattes, Anísio Teixeira e Darcy
Ribeiro, entre outros patriotas que sonharam com um Brasil grande?