“Ele [mensalão] é o coroamento de um longo
processo interno. Nas eleições de 1989, era fácil ver nas ruas gente
paga para agitar bandeiras do PT. A burocracia já pesava mais que a
militância.” Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp
Saldo político
Mensalão é divisor de águas para o PT
Especialistas mostram como escândalo afetou construção histórica do partido e o jogou na vala comum da política nacional
05/08/2012 | 00:18 Agência Estado
Já
com sete anos completos, vivendo dias de glória na austera sala de
sessões do Supremo Tribunal Federal, o mensalão tem papel garantido na
história: ele marcou em definitivo a vida do maior partido do país, o
PT, dividindo-a em um “antes” – os tempos da bandeira ética, quando
todos os outros partidos eram “farinha do mesmo saco” – e um “depois”,
em que o exercício do poder matou o sonho e levou aos conchavos e ao
desprezado “é dando que se recebe”.
Essa é, com
pequenas diferenças, a impressão de muitos estudiosos da vida partidária
do país. Por exemplo, o historiador Lincoln Secco, da Universidade de
São Paulo (USP), autor do livro A História do PT: “O episódio dividiu,
sim, a história petista em duas partes, porque derrubou o discurso pela
ética na política e retirou de cena os principais quadros históricos do
partido”. Como ele, o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto
Romano considera o episódio crucial na vida do partido, mas não o vê
como um acidente: “Ele é o coroamento de um longo processo interno.”
Decepcionada, ala esquerda chorou e ruiu
Agência O GloboEm agosto de 2005, quando o publicitário Duda Mendonça afirmou em depoimento na CPI dos Correios ter recebido milhões de caixa dois no exterior, um grupo de deputados petistas protagonizou uma das imagens mais marcantes do caso: o choro incontido no plenário da Câmara. Indignados com as revelações, os deputados do bloco de esquerda do partido desabaram. Sete anos depois, aquelas imagens retratam um partido que não mais existe. Dos dez deputados que aparecem na principal foto, apenas dois representam hoje o PT no Congresso: o líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), e também o deputado Dr. Rosinha (PR).
Chico Alencar (RJ), Ivan Valente (SP) e Paulo Rubem Santiago (PE) continuam no Parlamento, mas fora do PT. Valente e Chico migraram para o PSOL. Paulo Rubem foi para o PDT em 2007. Os demais, alguns fora do PT, outros ainda no partido, perderam os cargos nas eleições. “Quando a gente vê que há no núcleo do poder um esquema de corrupção idêntico ao que o partido combatia foi uma punhalada nas costas”, lembra-se Chico Alencar.
Os que ficaram no PT aderiram à tese de que o que houve foi caixa 2 de campanha. Dr. Rosinha é um exemplo. “Nós não sabíamos de nada daquilo. Boa parte do que foi dito não está se comprovando. Não sei se alguém merece ser condenado, não li a peça toda, mas há muita coisa sendo jogada para o público”, pontua Doutor Rosinha.
Hoje presidente do PSOL, Ivan Valente cobra: “Antes, na oposição, o PT mobilizava cem mil pessoas para pressionar o Congresso. Mas depois que chegou ao governo, mandou todo mundo para casa e optou por governar com PP, PR e PTB. Certamente teve corrupção. A contratação de um esquema através da SMPB e da DNA sem dúvida serviu para pagar base parlamentar no Congresso”.
E, do ponto de vista ideológico, o psicanalista Tales
Ab’Sáber, define o episódio como “a instalação do PT na política de
direita brasileira”. Ab’Sáber pondera, no entanto, que “os demais
partidos, inclusive partícipes do próprio mensalão, não têm nada de
melhor a oferecer no manejo da política do país”.
A turbulência em que mergulhou o partido – com as saídas de José
Dirceu e José Genoino e o próprio presidente Lula pedindo desculpas ao
país na tevê – justifica tais reações. A oposição, feliz, achava que o
petismo estava acabado e que sua volta ao Planalto, no ano seguinte, era
inevitável – tanto que nem se arriscou a pedir o impeachment de Lula,
achando melhor “vê-lo sangrar”.
Essa visão se desmanchou em poucos meses. O partido baqueou, mas, à
sombra do prestígio de Lula – que conseguiu manter-se acima da crise –
reagiu. Não só faturou as eleições presidenciais de 2006 e 2010 como
continuou a dividir com o PMDB as grandes bancadas na Câmara.
O que salvou o partido, avisa Secco, “foi o capital social, que lhe
deu forças para se recuperar”. Mas é uma recuperação apenas como
ocupação de poder – pois, do antigo sonho, da pureza ética, poucos se
arriscam a falar. “Esse sonho desapareceu muito antes”, alerta Roberto
Romano. “Nas eleições de 1989, contra Fernando Collor, era fácil ver nas
ruas gente paga para agitar bandeiras do PT. A burocracia já pesava
mais que a militância.”
Para Romano, as origens do mensalão vêm da primeira infância do PT.
Dos três grupos que o formaram ainda nos anos 1970, os “realistas”, com
Lula e José Dirceu à frente, venceram os católicos e os trotskistas. E
Lula, ironiza ele, “aprendeu a fazer política e concessões com o
patronato”. Em 2002, a Carta aos Brasileiros – garantia dada “ao
mercado” de que, se eleito, respeitaria as regras e contratos – “foi a
capitulação” dos idealistas ante a lógica da conquista do poder. Naquela
ocasião, diz o professor, “deviam ter convocado um congresso e mudado o
programa do PT. Aquele não servia mais”.
Na sua “fase 2”, em que tenta, ainda hoje, reduzir o mensalão a uma
campanha da imprensa e das oposições, Ab’Sáber vê o petismo empenhado em
produzir “uma alucinação negativa de que (o mensalão) não existiu”.
O partido, segundo ele, continuará usufruindo os privilégios típicos
dos poderosos. “Mas no dia em que o PT perder o poder, eu temo pelo seu
destino. Até lá ele tenta desesperadamente se enraizar nos municípios e
no Estado enquanto perde relevância histórica – ou seja, tenta tornar-se
um PMDB qualquer”.