Regulamentação da mídia
12 de janeiro de 2013 | 2h 07
Roberto Romano
O Estado de S.Paulo
Agarrando uma oportunidade, a condenação de alguns
políticos que o lideram, o Partido dos Trabalhadores postula novamente o
controle da imprensa. Existem graves distorções no jornalismo atual,
devendo ele ser tratado com rigor pelos interessados - leitores,
ouvintes, telespectadores - na forma e no conteúdo das notícias. Muitas
críticas, no entanto, têm origem em personalidades e grupos que desejam
impor programas para perpetuar seu poder.
De onde vem a tese de que é preciso regular a imprensa? Lembremos o
jurista Carl Schmitt, lido por Francisco Campos, ministro de Vargas que
no Estado Novo normatizou os jornais. O alemão afirma que, na busca de
formar a mente pública, o audiovisual ameaça o Estado. O poder político
deve ter o monopólio dessa técnica. "Nenhum Estado liberal deixa de
reivindicar em seu proveito a censura intensiva e o controle sobre
filmes e imagens, e sobre o rádio. Nenhum Estado deixa a um adversário
os novos meios de dominação das massas e formação da opinião pública". O
Estado, diz Schmitt, deve controlar os meios de comunicação: "Os novos
meios técnicos pertencem exclusivamente ao Estado e servem para aumentar
sua potência". O ente estatal "não deixa surgir em seu interior forças
inimigas. Ele não permite que elas disponham de técnicas para sapar sua
potência com slogans como 'Estado de direito', 'liberalismo' ou um outro
nome" (Schmitt em 1932, cf. O. Beaud: Os Últimos Dias de Weimar). A
raiz histórica da tese é venenosa.
Na Alemanha preconizada por Schmitt o nome para a regulamentação da
mídia foi a Gleichschaltung (impor à imprensa, de modo uniforme, a
ideologia do partido). Em 1933 existiam no país 4 mil diários e 7 mil
revistas. O Reich estatizara a maioria das estações de rádio (1925). A
Reichs Rundfunk Gesellschaft (Sociedade de Comunicação Radiofônica do
Reich) foi posta em 1932 sob os comissários de Franz von Papen, o que
facilitou a Gleichschaltung. Tal política foi denunciada em 1938 por
Stephen H. Roberts (The House that Hitler Built), mas os olhos estavam
cegos para o arbítrio. E vieram a regulamentação do rádio e do serviço
postal, a centralização do controle no Ministério da Propaganda, a
imposição da conformidade aos funcionários. Foram demitidos os
indesejáveis (judeus especialmente). Todos deveriam aceitar os ditames
do governo e do partido. Goebbels demitiu os antigos comissários do
rádio. Em março de 1940 foram unificados os programas radiofônicos do
Reich.
Poucas leis foram necessárias para regular a mídia. Ouvir rádios
estrangeiras levaria à pena de morte, segundo o Decreto Sobre Medidas
Extraordinárias (1.º/9/1939). Em 1937 existiam 8 milhões de receptores
de rádio na Alemanha, ante 200 aparelhos domésticos de televisão dois
anos depois. Nos Jogos Olímpicos de 1936, 162.228 pessoas foram às salas
que exibiam programas televisionados. O partido e o governo usavam,
sobretudo, o rádio e o filme. Ao se impor à mídia, Goebbels jogou a
violência física sobre ombros alheios: "Não usamos nenhuma forma de
coerção. Se necessária a deixamos para outros departamentos". Segundo
ele, a propaganda ("jornalística"...) sem elos com a cultura é cansativa
e ineficaz. Seria preciso uni-la ao entretenimento, batizado com
sarcasmo, contra as Luzes do século 18, de Aufklärung. Você não pode
sempre bater o tambor, dizia, "porque o povo gradualmente se acostuma ao
som e não mais o registra (...) desejamos ser os condutores de uma
orquestra polifônica de propaganda". Os instintos primitivos da massa
despertam e são movidos por truques simples e claros.
A mídia regulamentada teve seu papel no extermínio dos judeus, embora
o regime mantivesse o segredo como arma. Himmler, discursando em Poznan
(4/10/1943), disse que o Holocausto era "um capítulo glorioso da SS que
nunca chegou a ser escrito". A leitura dos jornais sob controle mostram
algo diferente. A popularidade de Hitler, é certo, não se deveu à mídia
ventríloqua, mas é falso dizer que jornais "independentes" (Frankfurter
Zeitung, Berliner Tageblatt, etc.) se opuseram ao regime. Paul
Scheffer, editorialista do Berliner Tageblatt, narra que sua posição era
de marionete sob Goebbels. Os jornais deveriam "parecer"
diversificados, mas agir na linha única, imposta pelo partido.
Muitos leitores cancelaram assinaturas dos jornais. Os periódicos
estrangeiros eram lidos com sofreguidão. Nos textos censurados as
pessoas aprenderam a ler entre as linhas para compensar a falta de
informações. O encanto por Hitler seguia ao lado da impopularidade do
seu partido. Segundo I. Kershaw (O Mito de Hitler: o culto do Führer e a
opinião popular), os alemães atribuíam ao Führer os sucessos anteriores
à guerra. A "corrupção, a imperícia administrativa e problemas de
suprimento não se deviam a ele, mas ao partido". A mídia fantoche fazia
do líder um inimputável. Os jornais regulamentados apresentavam-no como a
pessoa que acabara com o desemprego, vencera a corrupção, levara a
Alemanha ao poder europeu. Os fracassos eram atribuídos aos inimigos,
como os judeus. (Informações preciosas encontram-se em Bruce A. Murray,
Framing the Past: The Historiography of German Cinema and Television.)
Virada a página, no mundo soviético, idênticas loas ao Pai dos Povos, igual servilismo imposto à imprensa.
E hoje, no mundo e no Brasil? Em greve inédita contra a censura, um
jornal do próprio governo chinês (Global Times), em texto dos editores
afirma: "A realidade é que antigas políticas de regulação da imprensa
não podem continuar como estão. A sociedade está progredindo e a
administração deve evoluir" (BBC, 7/1/2013). Depois do nazismo, do
Pravda (o jornal mais mentiroso da História), das ditaduras Vargas e de
1964, a sociedade evoluiu, salvo para os que comparam sua ideologia aos
oráculos. Os deuses exigem espinhas e almas quebradas.