Jornalista brasileiro é tão bonzinho com autoridades...
Carlos Brickmann, Observatório da Imprensa
Uma
raríssima entrevista coletiva da presidente Dilma Rousseff, num café da
manhã com jornalistas. Primeira pergunta: assunto, teto do Fundo de
Garantia. Resposta da presidente: “Ah, essa não! Vamos tentar outro
assunto”.
Segunda
pergunta: assunto, aumento da gasolina. A presidente também não gostou.
E resolveu o problema das perguntas que não estavam a seu gosto: “Eu
mesma começo. Queria falar, neste final de ano (...)”
Imagine
uma entrevista assim na Casa Branca. O mundo cairia. Imagine uma
entrevista assim no Iraque – onde o repórter Montazer Al Zaidi jogou um
sapato no presidente americano George Bush.
Imagine
uma entrevista assim em Londres, onde o duelo entre autoridades e
repórteres é duríssimo. Aqui passou na boa – e, não fosse uma nota
publicada fora do corpo da reportagem, num único jornal, o público
poderia pensar que os repórteres perguntaram o que quiseram e a
presidente da República respondeu às perguntas por eles formuladas.
Brasileiro
é tão bonzinho! Não apenas repórteres de elite, escolhidos pelas
redações mais importantes para cobrir o Palácio do Planalto, aceitam que
o entrevistado lhes determine o que podem ou não perguntar, como este
fato é deixado de fora da matéria, como se fosse irrelevante.
Sua
Excelência, o Consumidor de Informação, é tratado como cidadão de
segunda classe: pensa que está tomando conhecimento de uma entrevista,
sem saber que só as perguntas aprovadas pelo entrevistado entram na
matéria.
No
início da ditadura militar, quando o presidente da República, marechal
Castello Branco, começou a falar em leis de imprensa (que, como hoje,
eram muito mais leis de cerceamento de liberdade de expressão do que
qualquer outra coisa), a grande desenhista Hilde Weber, no Jornal da
Tarde, publicou uma série de charges sobre o tipo de imprensa que o
marechal queria.
Lembrança
necessária: Castello Branco era feio de doer e sua cabeça saía direto
dos ombros, dispensando o pescoço. Em várias charges demolidoras,
surgiam as manchetes de que o governo militar gostaria. Por exemplo,
“Castello é bonito”; “Presidente é bom de bola”, “Moda francesa quer
copiar as gravatas de Castello”.
Com
censura e tudo, referindo-se a uma frase clássica do ex-presidente
Ernesto Geisel, de que o Brasil vivia uma “democracia relativa”, o
repórter João Russo perguntou ao todo-poderoso ministro Delfim Netto se a
taxa de inflação que ele apontava (e que, com base em informações do
Banco Mundial, o correspondente Paulo Francis desmentia) era absoluta ou
relativa. Delfim não gostou, respondeu duro, e a entrevista continuou
fluindo.
Num
programa de entrevistas, o professor João Manuel Cardoso de Mello (hoje
na Facamp, em Campinas), protagonizou um memorável duelo com Delfim
Netto, perguntando o que queria e ouvindo as respostas do ministro, por
sinal um excelente debatedor.
Uma
repórter da Rede Bandeirantes, Ana Aragão, perguntou ao ditador de
plantão, general João Figueiredo, por que ele, como havia dito, preferia
o cheiro de cavalo ao cheiro do povo. Figueiredo não respondeu, mas a
ausência de resposta foi o ponto principal da reportagem.
E isso na ditadura. Hoje, por que tanta mansidão dos meios de comunicação diante do poder?