Talvez o jeito seja mesclar Chapolim com De Gaulle
02 de janeiro de 2013 | 2h 04
JOSÉ, NÊUMANNE, JORNALISTA, POETA, ESCRITOR, JOSÉ, NÊUMANNE, JORNALISTA, POETA, ESCRITOR - O Estado de S.Paulo
Ao longo do ano que terminou anteontem, o de 2012,
brilhou a estrela do Supremo Tribunal Federal (STF) no céu da Pátria,
acostumada aos brilharecos de marketing do Poder Executivo e aos buracos
negros do Legislativo, que, apesar de representar o cidadão, continua
de mal com ele, segundo pesquisa do Ibope. Estreante na pesquisa, o
órgão máximo da Justiça superou a própria em prestígio - o que é
natural, e até óbvio, porque, enquanto a instituição absorve golpes no
plexo pela lerdeza e pela parcialidade, citados pelo novo presidente,
Joaquim Barbosa, na posse, a Corte maior foi festejada pela publicidade
explícita de um julgamento arrasa-quarteirão, o do mensalão.
A discussão em torno de um nome, um voto - do ministro Luiz Fux -,
contudo, terminou por abrir, antes das festas de Natal e da virada do
ano, uma discussão sobre um flanco, se não aberto, pelo menos mal
vigiado, do Supremo, o que não põe em risco sua supremacia, mas em
debate sua independência. A indicação do nome dos 11 membros do STF por
decisão solitária do chefe de outro Poder, o presidente da República,
poderia levantar suspeitas quanto à isenção dos indicados, apesar de
serem estes sempre submetidos à arguição de uma das Casas do Congresso, o
Senado? A decisão do Supremo de contrariar duas vezes - ao não adiar o
julgamento, que já tardava sete anos, a pretexto da iminência das
eleições municipais, e condenar seus companheiros de partido e churrasco
- o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a primeira resposta
negativa (do ponto de vista ético, positiva) à questão. Dos 11 ministros
que deram início à maratona, 7 foram indicados por Lula ou por Dilma,
sua correligionária do Partido dos Trabalhadores (PT), sua aposta
solitária na campanha sucessória e sua ex-chefe da Casa Civil.
Como
arguir qualquer suspeição se o relator do processo e o responsável pela
mediação das votações, o presidente, foram indicados - de fato nomeados,
porque nunca o Senado faz qualquer objeção às indicações presidenciais -
por petistas de carteirinha?
A fidelidade canina com que o revisor, Ricardo Lewandowski, e outro
ministro, Dias Toffoli, se opuseram aos votos da maioria é exceção que,
longe de negar a regra geral do modelo traçado pelo colegiado de
magistrados, a confirma. A discussão, tornada pública pelo próprio Luiz
Fux, em torno de insinuações malévolas a respeito de eventual
compromisso previamente assumido por ele de absolver réus petistas no
processo também serve menos para fragilizar sua posição de julgador. E
mais para condenar quaisquer tentativas de subordinar a decisão de um
ministro à gratidão por quem o investiu no cargo. Este é vitalício e,
portanto, infenso a quaisquer retaliações de outros Poderes e poderosos.
Talvez por pretender defender-se dessas maldades, Sua Excelência deu
entrevista a Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, na qual narrou seu
périplo por gabinetes importantes na República para obter apoio à sua
indicação para o topo da carreira, primeiro pelo ex-presidente Lula,
depois pela presidente Dilma. Chegou a ser publicada afirmação atribuída
a Lula de que desconfiava de alguém com apoios da direita, Delfim
Netto, czar da economia na ditadura, e da esquerda, João Pedro Stédile,
chefão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). A
afirmação do guru petista é falaciosa, pois os extremos foram procurados
pelo fato óbvio de que tinham amplo acesso a seus pavilhões
auriculares. Além do mais, pouco tempo depois, ele foi fotografado
beijando a mão de outro egresso da ditadura, Paulo Maluf, no jardim de
sua mansão, para obter o apoio dele à campanha municipal paulistana do
petista Fernando Haddad, como Dilma, uma aposta de altíssimo risco que
acabou ganhando. A procura de apoio ecumênico às pretensões de alguém no
Brasil remonta à época dos "pistolões", que decidiam desde a nomeação
de delegados de polícia no interior até o preenchimento de vagas no
ensino superior.
O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República,
Gilberto Carvalho, informou que Fux lhe dissera que "não havia provas"
contra os réus do mensalão e que sua atuação seria "muito clara". São
truísmos que nada elucidam e lembram a máxima de Chacrinha: "Eu não vim
para explicar, mas para confundir". O próprio Fux já havia dito antes
que se surpreendera com a quantidade de provas e nenhum brasileiro que o
viu atuar no julgamento poderia acusá-lo de falta de clareza. Mas não é
bem disso que estamos tratando aqui e, sim, da forma da escolha dos
membros do colegiado ao qual são submetidos os julgamentos finais em
casos de violação da ordem constitucional. A cândida confissão de
Carvalho reforça a sensação de que os figurões federais foram
surpreendidos com a aplicação pelos ministros do STF da mistura de
frases de Chapolim - "eles não contavam com minha astúcia" - e de
Charles de Gaulle - "a maior virtude de um estadista é a ingratidão". O
PT, habituado a subordinar tudo - do Banco do Brasil ao Tribunal de
Contas da União (TCU) -, dava como favas contadas o aparelhamento do
topo do Judiciário pela força da gravidade. E quebrou a cara.
Agora tenta desqualificar o Supremo levantando suspeitas sobre a
campanha pela indicação que os eventuais candidatos à boa vaga fazem.
Trata-se de uma ignomínia! Não há alternativas à vista: indicação pelo
Congresso? É brincadeira! O Senado nem dá conta da sabatina, vai dar
conta da indicação? Além do mais, o Congresso nomeia os membros do TCU.
Recentemente, indicou Ana Arraes e o sobrenome ilustre não a impediu de
tentar ajudar a companheirada considerando lícitas manobras de Marcos
Valério, réu do mensalão condenado por unanimidade! E que tal a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB)? Ou as associações de juízes? Aí, meus
amigos, seria o caso de seguir a receita de Dilma para apagões:
gargalhar.
Talvez a saída seja deixar como está e esperar que o cargo vitalício inspire a independência do julgamento do ocupante.