quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Enviado pelo amigo Alvaro Caputo.


Lições do Século XIII para 2013

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Por Monica Baumgarten de Bolle - 10 de janeiro de 2013 8:43
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(Publicado no O Globo a Mais de 08/01/2013)

Nem mesmo as hordas de turistas conseguem desencantar os templos de Angkor, no meio da selva do Camboja. Nem mesmo o sol escaldante ou a umidade sufocante são capazes de atenuar a estupefação perante as edificações enigmáticas, repletas de simbolismo. No meio da cidadela de Angkor Thom, reside o templo de Banyon. Não é uma obra monumental como o mais famoso Angkor Wat, a poucos quilômetros de distância. Mas é, talvez, ainda mais impactante. O templo do século XIII é arquitetonicamente complexo, tendo sofrido diversas alterações ao longo do tempo. Originalmente, eram 49 torres, ascendendo vertiginosamente até a torre circular central de 43 metros de altura. Das 49 torres originais, sobraram 37. Cada uma é adornada, no topo, por cabeças minuciosamente esculpidas que fitam os quatro pontos cardinais. A expressão que marca cada feição é enigmática, indecifrável. Em alguns casos, há um sorriso aberto, maroto, um ar mordaz. Em outros, o sorriso e a expressão dos olhos são quase zombeteiros, como se as cabeças estivessem a julgar e a lamentar em tom de bazófia a imensa capacidade para a estupidez dos seres humanos.

Exemplos disso abundam. Para onde olhar primeiro, eis o dilema proposto pelas cabeças enigmáticas do templo de Banyon. Nada como um bom impasse político para atiçar os ânimos e chamar a atenção – essa é a resposta dos americanos. Conquanto Republicanos e Democratas tenham conseguido costurar um acordo nos últimos minutos de 2012 para evitar o “abismo fiscal” que ameaçava acordar o espírito maléfico da recessão, os políticos mostraram que nada aprenderam com o episódio lamentável da elevação do teto da dívida americana, em meados de 2011, aquele que rebaixou a classificação dos títulos da dívida dos EUA. O cabo de guerra continua, com Republicanos puxando a serpente dos cortes de gastos e do limite de endividamento de um lado, e Democratas fazendo força de outro. São como as pontes que conduzem às quatro entradas de Angkor Thom, construídas nos pontos cardinais – cada uma é ladeada por uma fileira de deuses e por outra de demônios, ambas carregando uma enorme serpente de pedra – a mítica Naga do hinduísmo e do budismo. Quem é deus, quem é demônio no embate fiscal americano? Não há resposta. Há, apenas, as sorridentes cabeças de pedra. Cabeças duras.

Na Europa, um clima de calma e serenidade parece ter se instalado, mas as aparências enganam. A região continua muito distante do Nirvana, da iluminação, apesar das declarações do Bodisatva[1] Mario Draghi de “fazer tudo o que for preciso” para salvar o euro. Embora os mercados de títulos soberanos estejam bem comportados, problemas novos despontam no horizonte, movidos pela miopia que tem caracterizado algumas das principais decisões de política econômica. Na França, o Conselho Constitucional julgou que o grande plano de François Hollande, de elevar para 75% os impostos sobre os mais ricos – aqueles com renda acima de um milhão de euros – é inconstitucional, pois fere o sacrossanto princípio da igualdade, parte fundamental da trindade Liberté, Égalité, Fraternité. Dizem os peritos que do modo como a medida controvertida de Hollande foi redigida, uma família de dois membros em que cada um aufira uma renda ligeiramente abaixo de um milhão de euros estaria isenta do imposto, enquanto outra, em que apenas um membro sustentasse os demais com uma renda superior ao limiar estipulado estaria sujeita à nova alíquota. Isso, decerto, não éégalité. Não é à toa que o ator Gérard Depardieu preferiu combinar com os russos…

Enquanto o governo francês tenta desatar o nó que criou para si, os britânicos se engalfinham com os tratados da União Europeia. Antecipando-se ao aguardado discurso que o Primeiro-Ministro David Cameron fará em meados de janeiro sobre a situação do Reino Unido na União Europeia, o líder da UE, Herman van Rompuy, declarou que a tentativa de renegociar a posição de qualquer país, aceitando alguns termos dos tratados e refutando outros, abriria uma caixa de pandora, abalando os pilares da integração europeia, inclusive do livre mercado. Refletindo as demandas de seu partido, David Cameron tem insistido que o Reino Unido precisa reavaliar o seu grau de envolvimento no projeto de maior integração regional capitaneado por Angela Merkel. A possibilidade de fragmentação da União Europeia é outro “novo problema” a ser enfrentado em 2013.

E o Brasil de Dilma, aquele que tem sido alvo de tantas matérias jocosas de periódicos britânicos? Como se deve fitá-lo? Com um sorriso mordaz? Com um ar zombeteiro? Como se deve contemplar a Presidente que insiste em dizer que não há risco de apagão no País, apesar de a matriz energética ser cada vez mais dependente das usinas hidrelétricas de fio d´água, apesar de o investimento das companhias elétricas estar a caminho do cadafalso devido às investidas do governo no setor? Com que grau de confiança se deve encarar um governo que tanto disse que a economia cresceria 4% em 2012 e que a inflação permaneceria controlada, quando o PIB provavelmente se expandiu apenas 1%, e a inflação deverá encerrar 2012 próxima de 6%? Como aceitar as declarações serenas do Ministro da Fazenda, que prometeu que 2013 será um ano mais “calmo”, já que todas as medidas para reanimar a economia já foram tomadas? E o que dizer das estripulias contábeis para garantir o cumprimento da meta de superávit primário?

Há quase mil anos, uma civilização asiática construiu a maior cidade do mundo antigo, habitada por mais de um milhão de indivíduos. Entre os inúmeros templos, alguns permanecem sem um significado preciso. Banyon não foi dedicado a um deus hindu, como Angkor Wat. Também não foi construído em nome de Buda, a inspiração de tantos outros monumentos de Angkor. Na falta de uma história para a sua existência, diante do enigma e em meio a tantas cabeças que olham para todos os lados com um ar de superioridade gozadora, o templo do século XIII é uma lembrança da nossa imensa capacidade de fazer besteira. Que sirva como uma reflexão para os porvires de 2013, esse novo ano que se anuncia…

[1] No Budismo, Bodisatvas são seres de sabedoria elevada cuja prática espiritual visa à remoção dos obstáculos e a beneficiar a humanidade.