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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Moral e Direito - o caso Genoino
Condenado no julgamento do mensalão, Genoino tomou posse
hoje na Câmara Federal como deputado, porquanto o processo do mensalão ainda
não transitou em julgado, ou seja, na linguagem jurídica, enquanto o último
recurso não for julgado, o processo não “transitou em julgado”.
Para Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da
Unicamp, “é uma contradição que uma pessoa condenada por infringir a lei seja
empossada no Legislativo na função de legislador... Como pode editar leis
alguém que foi condenado por não cumprir a lei? A ética não é uma escolha
pessoal, uma questão de vontade. A ética é pública e coletiva”.
A separação entre Direito e Moral está muito bem
representada na obra de Hans Kelsen. Para o jurista austríaco moral e direito
não se entrecruzam, ou seja, são círculos concêntricos que não se misturam. Para
este grandioso jurista, autor do clássico, “Teoria Pura do Direito”, o direito
pertence ao mundo do dever-ser, assim também como as normas morais pertencem ao
mundo do dever-ser, todavia, o pensar jurídico não envolve necessariamente o
ser do que acontece no mundo, pois o dever-ser jurídico não deriva
necessariamente do ser.
O direito cria suas realidades. É lapidar esta passagem
kelseniana: “A teoria pura do direito é uma teoria que ‘quer única e
exclusivamente conhecer seu objeto. Procura responder a esta questão: O que é e
como é o direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o
direito, ou como deve ele ser feito? É ciência jurídica e não política do
direito” (“O problema da justiça”, Hans Kelsen, Martins Fontes: São
Paulo, 1996, p. XIII/XIV).
Noutro dizer, como deve ser o direito é uma questão de
justiça, de moral, o que para Kelsen escapa ao âmbito de compreensão de sua
‘teoria pura do direito’. Vê-se aqui uma nítida separação entre o direito a
moral. No entanto, é importante notar que já em 1930 havia autores que não
aceitavam este postulado da separação entre moral e direito. Georges Ripert,
professor da Faculdade de Direito e da Escola de Ciências Políticas de Paris,
citado por Jessé Torres Pereira Júnior, assim assentava; “Não existe, na
realidade, entre a regra moral e a regra jurídica, nenhuma diferença de
domínio, de natureza e de fim; não pode mesmo haver, porque o direito deve
realizar a justiça, e a idéia do justo é uma idéia moral. Mas há uma diferença
de caráter. A regra moral torna-se regra jurídica graças a uma injunção mais
enérgica e a uma sanção exterior necessária para o fim a atingir” (Apud, “A regra moral no controle
judicial”, Revista Justiça & Cidadania, nº 138, fev/2012, p. 49/50).
Aristóteles, em sua “Retórica” sinaliza uma preeminência
entre a lei comum (aquela conforme a natureza) e a lei particular (lei que cada
povo dá a si mesmo), demonstrando que há uma moral interna que é superior a lei
particular criada pelo homem. Já aqui podemos também entender que o justo
deriva da lei moral e não do direito.
Celso Lafer faz citação de Aristóteles que merece
reprodução: “Aristóteles, nesta passagem cita a Antígona da peça de Sófocles,
quando esta afirma que é justo, ainda que seja proibido, enterrar seu irmão
Polinices, por ser isto justo por natureza. De fato, em resposta à acusação de
Creonte, de que estava ela descumprindo a lei particular, Antígona evoca as
imutáveis e não escritas leis do Céu, que não nasceram hoje nem ontem, que não
morrem e que ninguém sabe de onde provieram”. (“A reconstrução dos direitos
humanos”, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 35)
Novamente aqui, o justo deriva de uma lei imutável, de uma
lei moral não escrita, ao contrário do direito (lei particular) em que se
baseava Creonte para proibir o enterro de Polinices. Nossa Constituição Federal
em seu art. 37, caput, também
prestigia expressamente a “moralidade administrativa” e também a “legalidade” como
princípios jurídicos informadores do agir público através de seus servidores.
Enfim, como lembra o já citado Desembargador do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, Jessé Torres Pereira Júnior, “Diante das
expectativas que as Constituições contemporâneas despertam nas sociedades e dos
valores por estas reconhecidos, os juízes e tribunais devem estar qualificados
para aplicar o direito segundo regras de moralidade, seja nas convenções entre
particulares ou nas relações públicas” (op. cit. p. 50).
Resumindo, a idéia do justo é uma idéia moral (Georges
Ripert) e “a Justiça é o Direito iluminado pela Moral” (Clóvis Bevilacqua),
logo, por evidente que a moral precede ao direito, de maneira que um direito
contra a moral é um direito injusto, razão pela qual a posse de Genoino na
Câmara Federal é ofensiva ao Texto Constitucional porque fere de morte o
princípio da moralidade administrativa, que em cotejo com a legalidade, deve
prevalecer não obstante a inocorrência do transito em julgado. Em breve
síntese: o direito não pode ser nem amoral e nem imoral, logo, a referida posse
é mais um acinte do parlamento brasileiro.