Tempos estranhos |
Escrito por Luiz Antonio Magalhães |
Qui, 03 de Janeiro de 2013 |
O ano de 2012 foi surpreendente, daqueles para desmoralizar a crença
em todo e qualquer tipo de vidência. Sim, porque, se em dezembro de 2011
alguém afirmasse que ao final deste ano que ora se encerra José Dirceu e
mais boa parte da cúpula do PT estariam condenados a dezenas de anos de
prisão, ou que a identidade de uma “amiga íntima” do ex-presidente Lula
seria revelada e que tal amiga seria indiciada por formação de
quadrilha e outros crimes, qual seria a reação de dez entre dez
analistas políticos? Risos, provavelmente.
Mas não é só isto, tem mais: e se um hipotético vidente vaticinasse
que o Catão do Senado Federal, o implacável defensor da moral e dos bons
costumes, seria cassado por ligações com um bicheiro, como ocorreu com
Demóstenes Torres em julho, liquidado politicamente por ter colocado seu
mandato a serviço de Carlinhos Cachoeira? Ou ainda, se previsse também
que José Serra, recém-saído das urnas com mais de 40 milhões de votos,
seria derrotado por um neófito na política, sem nenhuma eleição no
currículo, em pleno auge do julgamento do mensalão? E se dissesse que a
presidenta Dilma Rousseff manteria, mesmo com a economia andando de
lado, a estratosférica popularidade, despontando nas pesquisas de
opinião como candidata imbatível na eleição de 2014?
Provavelmente, pela soma das previsões, o vidente seria considerado
louco varrido, merecedor de internação imediata no primeiro hospício ao
alcance.
No entanto, tudo aconteceu, e não foi só: o Corinthians venceu a
Libertadores e o Mundial de Clubes... Sem a menor sombra de dúvida, 2012
foi um ano diferente, muito diferente e, sobretudo, estranho. O que nos
leva então a um exercício de interpretação complexo. Afinal, o que está
acontecendo no Brasil?
Se a resposta é difícil, a velha e boa técnica da eliminação das
alternativas ajuda a pensar. É possível perceber com razoável grau de
certeza o que NÃO está acontecendo.
Oposição paralisada
Em primeiro lugar, não existe, nem de longe, um movimento organizado
da oposição para desestabilizar o governo ou atingir Lula, Dirceu,
Genoino e outros integrantes da cúpula do PT.
Ao contrário, na verdade a oposição só se debilitou nos últimos anos,
parte dela capitulando cada vez mais ao regime petista. Estão aí o DEM
de ACM Neto e o PSD de Gilberto Kassab, ambos praticamente em vias de
integrar a amplíssima base do governo Dilma. Ainda mais emblemático é o
exemplo do governador tucano das Alagoas, Teo Vilela, que participou de
recente desagravo ao ex-presidente Lula, convescote que reuniu em São
Paulo quase uma dezena de governadores de estado.
No fundo, a oposição partidária se resume hoje a uma parcela, cada
vez mais diminuta, do PSDB e PPS, à direita. E às pequenas agremiações
de esquerda (PSOL, PSTU, PCB etc.), que lutam, com grande dificuldade,
para ter alguma voz no debate público, e que têm também as suas próprias
contradições, como ficou claro na disputa interna do PSOL em Belém, que
acabou tirando uma eleição quase certa de Edmilson Rodrigues, candidato
do partido à prefeitura da capital do Pará.
De toda maneira, resta claro que nenhuma dessas forças está por trás
dos movimentos que culminaram no julgamento do mensalão, na condenação
dos mensaleiros, Operação Porto Seguro e o “Rosegate”.
Elites e movimentos sociais
Também não há sinais de qualquer movimentação organizada das chamadas
“elites”, como Lula gostava de se referir. Salvo uma parcela do setor
de mídia, em especial a Editora Abril, sobre a qual trataremos mais
adiante, não é possível perceber qualquer sinal de apoio do empresariado
a tentativas de desestabilizar o governo ou o PT. Ao contrário, o que
mais se vê é o aplauso à política econômica de Guido Mantega, em que se
pesem algumas críticas pontuais em aspectos absolutamente laterais e que
na verdade têm muito mais a ver com os pleitos de determinados
segmentos da economia do que com uma crítica abrangente sobre a condução
da política econômica nacional.
Por fim, não existe qualquer movimentação, organizada ou
desorganizada, nas ruas. Os movimentos sociais, urbanos ou rurais, andam
um tanto ausentes do debate público de forma geral, uma parte porque
está de fato cooptada pelo governo, outra parte talvez enfraquecida ou
cansada de não conseguir se fazer ouvir. Mesmo as tentativas de líderes
petistas de utilizar os “seus” movimentos sociais para pressionar por
alguma forma de “resistência” às penas estabelecidas pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento do mensalão também não surtiram, até
aqui, efeito algum, o que apenas demonstra, com sinal trocado, a
inapetência desses movimentos por qualquer tipo de mobilização neste
momento.
Ora, se vimos acima o que NÃO ESTÁ acontecendo, voltamos então à
pergunta inicial: o que ocorreu para que tantos fatos estranhos na
política nacional tenham acontecido em 2012?
Jogo nas sombras
Aparentemente, e por isto é tão complicada a análise, o jogo político
relevante está se desenrolando nas sombras e dentro do governo, dentro
do Partido dos Trabalhadores. Todos os indícios levam a crer que há uma
guerra interna, bastante importante, sendo travada no interior do
regime, envolvendo a divisão do poder (cargos e recursos, obviamente) e
interesses bastante difusos.
Seria um simplismo enorme falar em “dilmistas”, “lulistas” e
“dirceuzistas”, porque a configuração é evidentemente muito mais
complexa e envolve disputas não apenas de grupos do PT, mas também os
aliados que compõem a vasta aliança montada por Lula desde 2002 e que
teve continuidade com Dilma.
A questão de fundo, na verdade, parece ser 2014, ano em que o país
terá mais uma eleição geral, com o Planalto em disputa. E, ao contrário
de 2006 e 2010, quando Lula disputou a reeleição e ungiu sua candidata,
agora a sensação é de que tudo está em aberto, criando assim um vácuo de
poder. Lulistas espalham que o ex-presidente pode ser o candidato do PT
de novo, mas Dilma parece ter gostado da experiência e tem a seu favor
muitos argumentos para pleitear a reeleição.
Na base aliada, o PSB reforçado com diversas vitórias nas eleições
deste ano parece se movimentar para ocupar a vice-presidência, porém há
um PMDB no meio do caminho, e quem há de governar sem o PMDB?
Em meio a este clima de incertezas e vazio de poder, muita coisa pode
acontecer, e já aconteceu. O Rosegate parece ser expressão acabada
deste jogo confuso, em que a Polícia Federal aparece com uma autonomia
sem precedentes na história recente. Este ambiente permitiu que
Carlinhos Cachoeira, velho conhecido do PT, do PSDB, do DEM, do PMDB e
de todas as agremiações que já estiveram no centro do poder ou em torno
dele gravitaram, fosse apanhado e encarcerado como um criminoso sem
qualquer trânsito junto aos poderosos. O mesmo vale para o ex-senador
Gilberto Miranda, cuja influência em diversos negócios, públicos e
privados, data de décadas, sem jamais ter sido de fato incomodado.
Demóstenes Torres, o Catão do Senado, tornou-se vítima, digamos
assim, deste mesmo ambiente, com sinal trocado, é claro, e foi
rapidamente abandonado por seus aliados, como é comum acontecer. Vide os
casos de José Roberto Arruda e mesmo de Antonio Carlos Magalhães,
embora este, com maior robustez e base política, tenha conseguido se
reerguer.
Mídia conservadora e o mensalão
Mais difícil é interpretar o julgamento do mensalão, porque o vácuo
de poder não explica totalmente o que se assistiu no STF. Afinal, dos 11
ministros que terminaram o julgamento, oito foram indicados por Lula ou
Dilma, inclusive o relator, Joaquim Barbosa, que terminou o ano com
status de celebridade. A expectativa inicial era de que, de alguma
maneira, os advogados de defesa conseguissem protelar ou desmembrar o
julgamento. Não aconteceu. Depois, dizia-se que muitos seriam absolvidos
por falta de provas. Também não aconteceu. Outro palpite que não se
concretizou dizia respeito à aplicação das penas, que deveriam ser
pequenas. Foram penas duras, com multas altas e dezenas de anos de
prisão para os condenados, impossibilitando que eles possam cumpri-las
em regime semiaberto.
Neste particular, a mídia conservadora, em especial a revista Veja,
da Abril, talvez tenha tido um papel relevante ao criar um ambiente de
pressão pela condenação dura dos envolvidos. Cobertura extensa e diária,
na internet, com blogs de colunistas cobrando diuturnamente uma postura
agressiva dos ministros, pode ter criado uma zona de desconforto para
os ministros que talvez estivessem propensos a não acompanhar o relator.
A demonização dos votos do revisor, Ricardo Lewandowski, foi outra
estratégia para evitar que o resultado fosse diferente de uma condenação
efetiva do núcleo político do esquema, mesmo diante de provas
eventualmente frágeis.
E, já ao final do processo, Veja publicou como furo de reportagem
novas “revelações” do publicitário Marcos Valério, peça chave do
esquema, àquela altura já condenado a mais de 40 anos de prisão e em
busca de alguma forma de reduzir a sua pena. Sem aspas efetivas do
protagonista, a revista tentou envolver o ex-presidente Lula, que, sim,
saberia e teria autorizado os empréstimos para a empresa de Valério.
Tudo somado, o ambiente político permitiu e proporcionou a condenação
de líderes petistas da magnitude de José Dirceu e Genoino. Não é pouca
coisa e fica para 2013 o momento da prisão de todos os condenados e
também uma possível nova ação da Procuradoria Geral da República, tendo
em vista os novos fatos relatados por Valério.
Ventos de mudança ou de continuidade?
Para finalizar, cabe então a pergunta: o que esperar de 2013 tendo em
mente esses tempos estranhos que vivemos? Neste novo ano que se inicia,
o espaço para palpites parece pequeno, visto que os do ano anterior
foram todos desmoralizados pelos fatos. O que dá para afirmar com
tranquilidade é que a turbulência deve continuar, e o jogo deve
prosseguir nas sombras, naquelas áreas que o público geral pouco
conhece, em que a informação é escassa e privilégio dos muito bem
informados.
Mesmo em um ambiente tão turbulento, porém, não dá para vaticinar que
ventos de mudança estão chegando, como atesta a eleição do petista
Fernando Haddad, contra tudo e contra todos, em São Paulo. Dilma
continua extremamente popular, mesmo com um PIB fraco. É preciso lembrar
que o Brasil vive um inédito momento de pleno emprego e que o crédito
continua turbinando o consumo interno. Para os mais pobres, a vida segue
melhorando, e todos sabemos que a economia conta muito para a
(im)popularidade dos mandatários da nação.
Para a sorte do regime petista, a oposição, de direita ou de
esquerda, não parece ter forças para aproveitar a turbulência e
consolidar um nome, um projeto, ideias gerais que sejam, alternativos ao
programa petista para o Brasil. Desta forma e apesar das crises
políticas, o espaço da mudança parece continuar reduzido à ocorrência de
um cataclisma econômico que mude radicalmente o humor dos brasileiros
em relação aos seus governantes. Ou a uma verdadeira reviravolta, a
partir de terremotos políticos de alto grau. Tendo em vista o que
aconteceu em 2012, nenhuma dessas hipóteses pode ser descartada. Como
palpite, no entanto, este colunista acha que é possível, mas não
provável.
Previsão mesmo, daquelas que o leitor pode cobrar no final de 2013, apenas uma: o Corinthians não ganha outro Mundial... E ficam então aqui já os votos de um ótimo ano para todos, com muitas realizações. Luiz Antonio Magalhães é jornalista, foi editor do Correio da Cidadania, do Observatório da Imprensa e do Diário do Comércio, Indústria e Serviços (DCI). |