Produção criminosa de roupas em São Paulo
Grandes empresas da moda estariam fomentando o tráfico de pessoas
para abastecer uma rede de exploração lucrativa que culmina no trabalho
escravo de imigrantes
26/04/2013
Márcio Zonta
da Redação
Há
duas semanas, mais seis imigrantes bolivianos flagrados em condição
análoga à escravidão foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), de uma oficina clandestina de costura na cidade de São
Paulo. Com mais essa abordagem do MTE, no ano de 2013, contabiliza-se
quarenta imigrantes resgatados na capital paulista submetidos à mesma
forma de exploração no trabalho.
Procedentes geralmente do Peru, Bolívia
e Paraguai, os imigrantes trabalham em locais insalubres, trancafiados e
sem ventilação na região central da cidade, principalmente nos bairros
do Pari, Brás e Bom Retiro.
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A
jornada de trabalho diária alcança de 14 a 16 horas sem acesso aos
direitos trabalhistas vigentes no Brasil. Segundo o MTE, a cidade de São
Paulo possui entre 8 e 10 mil oficinas de costura clandestinas,
ocupadas em média por entre quinze e vinte costureiros. Os casos que se
tornaram recorrentes na mídia somente nos últimos anos fazem parte de
uma contínua exploração, que existe há mais de vinte anos na capital
paulista.
Para especialistas ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato,
a prática exploratória ganhou outro artifício nos dias atuais,
envolvendo o crime de tráfico de pessoas para abastecer uma rede de
exploração, beneficiária a famosas grifes de moda e do varejo nacionais e
internacionais instaladas no Brasil.
Retornando de uma viagem
recente à Bolívia, onde discutiu o assunto com parlamentares bolivianos,
o deputado Claudio Puty (PT-PA), presidente da Comissão Parlamentar de
Inquérito do Trabalho Escravo, revela que investigações apontam o
envolvimento de grandes empresas da moda na exploração trabalhista
ilegal de imigrantes no país.
“Apuramos em São Paulo que
empresários brasileiros, bolivianos e coreanos estão à frente das
oficinas que exploram esses trabalhadores, no entanto, seriam os
intermediários de grandes empresas que pagam R$ 0,20 pela confecção de
uma peça de roupa e vendem em grandes lojas de marcas por R$ 100 ou
mais”, destaca.
Esquema
Na Bolívia, Peru e
Paraguai, empresas de costura que atuam de fachada seriam as principais
aliciadoras para fornecer mão de obra à rede de exploração nas oficinas
clandestinas em São Paulo. “Essas empresas ministram cursos de
costureiro preparando as pessoas para serem trazidas ao Brasil”, revela
Roque Renato Pattussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante
(Cami).
Um contrato verbal no país de origem, entre aprendizes e
donos das firmas de costura, acordaria um salário de 150 dólares por mês
em São Paulo, além da garantia de alimentação e moradia sem custo ao
trabalhador. Assim, uma vez instalados nesses locais de trabalho na
chegada em São Paulo, os imigrantes estariam contidos à cadeia de
produção de grandes marcas da moda e do ramo do varejo.
“Na maior
parte dos casos, os maiores beneficiários são os grandes magazines”,
acusa Elias Ferreira, advogado e secretário- geral do Sindicato das
Costureiras de São Paulo. Elias relata que muitas dessas companhias de
moda, que usufruem da indústria têxtil, sabem da existência do trabalho
escravo na cadeia de produção de seus produtos.
“Fazendo o papel
investigativo, localizamos as oficinas clandestinas, informamos ao
Ministério Público, Ministério do Trabalho e Polícia Federal e muitas
vezes averiguamos que as empresas sabem, porém há casos em que há o
desconhecimento do fato”, constata.
Para Pattussi, não há duvida:
a legião de imigrantes vindos dos países fronteiriços com o Brasil tem
endereço certo. “São trazidos às oficinas clandestinas de costura em São
Paulo, que em sua grande maioria estão ligadas à cadeia de produção das
grandes lojas”, enfatiza.
Tráfico de pessoas
Além
do trabalho análogo à escravidão nas oficinas de costura clandestinas, a
rede de exploração forja ainda outro crime: o tráfico de pessoas.
Aliciados com a promessa de moradia, alimentação e salário, os
imigrantes contraem dívidas com passagens, visto e toda permanência em
São Paulo, sendo muitas vezes mantidos nesses espaços em decorrência de
servidão por dívida.
Diante dessas circunstâncias, o tráfico de
pessoas seria o alicerce para garantir um contingente de bolivianos,
peruanos e paraguaios para mão de obra nas oficinas envolvidas no
esquema de exploração.
“O crime de traficar pessoas nesse caso se
constitui como uma condição, um meio que serve ao contexto de
exploração do trabalhador no ramo têxtil de São Paulo”, elucida Juliana
Armede, advogada e coordenadora dos programas de enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas e do Combate ao Trabalho Escravo da Secretaria de
Justiça do Estado de São Paulo.
Os diversos casos acompanhados
pela advogada na Secretaria de Justiça apontam que o esquema de
exploração de imigrantes costureiros na cidade fomenta o delito. “De
maneira concreta, nós identificamos na cidade de São Paulo que o tráfico
de pessoas, no âmbito latino-americano, sobretudo envolvendo os
bolivianos, está destinado diretamente às oficinas clandestinas”,
assegura Juliana.
Os responsáveis
Daslu,
Sete Sete Cinco, GEP, Zara, Marisa, C&A, Pernambucanas, Collins, são
algumas das empresas famosas nacionais e internacionais do ramo da moda
que já tiveram seus nomes atrelados ao trabalho escravo.
O grupo
espanhol Inditex, proprietário da marca Zara, registrou lucro recorde
em 2012. Apesar da crise econômica na Europa, a empresa faturou 2,361
bilhões de euros. No ano passado, a companhia de moda espanhola abriu
482 novas lojas espalhadas em diversos países. Seu dono, Amancio Ortega,
está entre os cinco homens mais ricos do mundo.
Segundo Juliana,
as empresas cuja cadeia de produção esteja envolvida com trabalho
escravo também teriam que ser responsabilizadas pelo tráfico de pessoas,
como componente do processo de exploração trabalhista ilegal. “É
necessário que responsabilize a empresa que ratifica a exploração,
sobretudo, de um tráfico de pessoas do ponto de vista trabalhista”,
menciona.
Todavia, não se pode garantir que mesmo as empresas já
flagradas com trabalhadores em condição análoga à escravidão, em sua
cadeia de produção, não repita mais o crime. A fiscalização constante do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Polícia Federal e do Sindicato
das Costureiras de São Paulo, tem feito as oficinas clandestinas mudarem
para outras localidades, não garantindo sua eliminação.
“Devido à
inspeção do poder público e de entidades de classe, muitas dessas
oficinas migraram para Carapicuíba, Osasco, Itaquaquecetuba e Campinas.
Ir para o interior de São Paulo é uma maneira de se esconder melhor e
dificultar possíveis denúncias dos trabalhadores envolvidos, além de
dificultar o contato dos imigrantes com outras pessoas, como acontece
facilmente no centro de São Paulo”, denuncia Pattussi.
(Foto: Anali Dupré/Repórter Brasil)
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