Doenças e falta de privacidade rondam
professores do ensino superior privado
Pesquisa desenvolvida para fundamentar tesedemonstra que 88% dos docentes estão estressados
Pesquisa feita junto a professores que atuam no ensino superior privado de Campinas revela que 88% deles estão estressados; 76% têm a vida privada invadida pelo trabalho, que retira o tempo de convívio com a família, os amigos e o lazer; 52% temem perder o emprego e, para evitar o desemprego, muitos trabalham em mais de uma escola; e 52% manifestam doenças físicas e psicológicas. A pesquisa também mostra que, ainda assim, 68% dos docentes não mudariam de profissão.
Os
dados são apresentados por Liliana Aparecida de Lima na tese de
doutorado “Os impactos das condições de trabalho sobre a subjetividade
do professor de ensino superior privado de Campinas”, defendida junto à
Faculdade de Educação (FE), sob a orientação da professora Elisabete
Monteiro de Aguiar Pereira. “Sou professora de psicologia da PUC de
Campinas há 25 anos, mas a motivação para a pesquisa veio da minha
trajetória sindical, como diretora do Sindicato dos Professores de
Campinas e Região”, esclarece a autora.
Liliana
Lima abre a tese contextualizando a forte expansão do ensino superior
privado a partir da política neoliberal adotada na década de 1990, com
base na desregulamentação, financeirização e desnacionalização. “A
educação está sendo negociada na bolsa de valores, aberta ao capital
estrangeiro. Fusões entre instituições educacionais constroem grandes
conglomerados, o que reforça o crescimento de uma concepção
mercadológica do ensino privado no país. Por isso, a luta do movimento
sindical dos professores contra essa mercantilização. Queremos a
regulamentação, o fim dessa trajetória de desnacionalização, que
representa um tiro no pé.”
Segundo a
autora da tese, este cenário de mercantilização do ensino se manifesta
na precariedade das condições de trabalho dos professores. “Se o
empresário vê o ensino como mercadoria e o aluno como cliente, como vai
tratar o professor da instituição de que é proprietário? A precariedade
está na contratação de professores sem concurso e nos salários baixos
mesmo com titulação. Se o professor se torna mestre ou doutor, também se
torna mais caro e é substituído por um horista – há um número mínimo de
pós-graduados apenas para atender às exigências do MEC. A rotatividade é
enorme.”
Liliana diz ter
identificado vários colegas de profissão constantemente tristes,
angustiados, desmotivados, menos criativos nas aulas e que repensam suas
perspectivas profissionais. “Como psicóloga, optei por focar a questão
das subjetividades através da concepção sócio-histórica. Esses autores
marxistas afirmam que a subjetividade não é uma oposição à objetividade,
e sim que ambas se constituem. Portanto, devemos olhar as condições
objetivas de trabalho do professor, como essas condições impactam nos
objetivos do professor e de que forma o professor devolve as
repercussões para os objetivos.”
Um
aspecto que a pesquisadora considera importante foi a indisponibilidade
dos professores para entrevistas presenciais, devido à sobrecarga de
trabalho ou mesmo por desconfiança. “É um dado da tese que talvez mereça
ser investigado mais profundamente, o que não pude fazer. A solução foi
enviar um questionário com perguntas objetivas e também discursivas,
para que pudessem se manifestar livremente sobre suas vidas como
trabalhadores da educação. Enviei 100 convites e pude trabalhar com 29
professores, número muito bom para uma pesquisa qualitativa.” Embora não
tivesse a pretensão de que a sua pesquisa fosse conclusiva, Liliana
Lima ressalta que ela traz informações bem relevantes em relação a este
grupo de professores da rede privada de ensino superior, como as
referentes ao adoecimento. “Mais da metade manifestam problemas de voz,
vasculares e respiratórios, assim como depressão, síndrome de pânico,
insônia e uma arritmia cardíaca que não se confirma quando investigada.
São manifestações que eles identificam com ligadas ao trabalho, ao passo
que os trabalhadores em geral não conseguem estabelecer esta relação.”
Sobre os 68% dos entrevistados que não mudariam de profissão, a autora
da tese considera que existe neles uma forte convicção de que a função
de educador é bonita e valorosa. “São professores que acreditam
contribuir para criar novas relações entre as pessoas e transformar o
mundo. Ao mesmo tempo em que estão estressados, doentes e medrosos, não
desistiriam da profissão, o que significa que talvez não estejam tão
desiludidos assim.”
Liliana
observa, entretanto, que a maioria dos entrevistados possui apenas uma
década de carreira. “Se em dez anos temos tais percentuais, o que pode
acontecer até a aposentadoria? Alguém pode perguntar o que a tese traz
de novo, haja vista que todo professor pode dizer informalmente que está
estressado. O ineditismo está no fato de que esses professores do
ensino superior privado nunca foram pesquisados, nem esse grupo de
instituições em que atuam. Os dados podem ter muita serventia para o
movimento sindical, dentro do debate mais amplo que ocorre no país sobre
quem é o trabalhador de hoje.”
O grande embate
Questionada
sobre como mudar este cenário do ensino superior privado, Liliana Lima
lembra que está tramitando no Senado o Plano Nacional de Educação (PNE),
que já foi aprovado na Câmara. “O Plano contempla vinte metas a serem
cumpridas no horizonte de dez anos, entre as quais a de incluir o ensino
superior privado dentro do Sistema Nacional de Educação, ou seja, a sua
regulamentação também pelo Estado, a fim de que o governo se
responsabilize por essa expansão sem limites.”
Segundo
a pesquisadora, se os empresários do ensino fazem lobbies no Congresso,
a Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)
também tem presença marcante junto a deputados e senadores,
esclarecendo-os sobre a pauta de reivindicações dos professores. “É um
grande embate. A tendência é pela aprovação, mas é preciso pressão para
que não empurrem a votação adiante. Coloco os resultados da tese dentro
de um guarda-chuva maior, olhando para esses docentes a partir de um
novo projeto de desenvolvimento para o país, com valorização do trabalho
e distribuição de renda mais justa. Todos dizem que a educação é
fundamental, mas o Brasil carece de ações que mostrem tal protagonismo.”
Expansão de matrículas foi de 74,2% em uma década
Os
dados do Censo da Educação Superior de 2009, divulgado no dia 13 de
janeiro de 2010 pelo Ministério da Educação (MEC), registrou que o
Brasil possui 2.314 Instituições de Ensino Superior (IES), sendo que
89,4% são privadas e 10,6% públicas. Há um total de 307.815 professores
no ensino superior do país, sendo 36% mestres e 27% doutores. Nas
instituições públicas, 75% dos professores são mestres e doutores e nas
privadas esta proporção é de 55%. Segundo os dados do mesmo relatório do
Ministério, o professor da instituição privada é em geral jovem, com
média de 34 anos, com mestrado e recebendo por hora/aula. Já o docente
da instituição pública tem em média 44 anos, é doutor e o regime de
trabalho de período integral. O Censo de novembro de 2011 indica que
considerando a última década (2001-2010), a expansão de matrículas no
ensino superior foi de 110%, sendo de 74,2% nas IES Privadas e de 25,8%
nas IES Públicas, como mostra a tabela abaixo:
Publicação
Tese: “Os impactos das condições de trabalho sobre a subjetividade do professor de ensino superior privado de Campinas”
Autora: Liliana Aparecida de Lima
Orientadora: Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Autora: Liliana Aparecida de Lima
Orientadora: Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira
Unidade: Faculdade de Educação (FE)