Publicar em revista de alto impacto não garante qualidade, diz prêmio Nobel
ter, 02/04/2013 - 09:31
Louis
Joseph Ignarro, farmacologista norte-americano e prêmio Nobel de
medicina de 1998 pela descoberta das propriedades do óxido nítrico, faz a
palestra “O caminho para Estocolmo” no dia 4 de abril, às 15h30, no
auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. A
descoberta levou ao desenvolvimento de medicamentos que atuam na
dilatação dos vasos sanguíneos, dentre eles o Viagra, que tem o óxido
nítrico como peça-chave. Ignarro dividiu o prêmio Nobel com Ferid Murad –
que esteve na FCM em 2012 – e Robert F. Furchgott, falecido em 2011. O
evento faz parte das comemorações dos 50 anos da FCM.
Ignarro vem ao Brasil também para participar, de 5 a
7 de abril, do Congresso de Cardiologia que acontece em Florianópolis.
Ele já esteve outras vezes no país, mas esta é a primeira vez que o
prêmio Nobel vem à Unicamp. “Após esse contato, teremos a oportunidade
de enviar alunos para doutorado sanduíche ou pós-doc ao laboratório do
professor Ignarro”, disse o professor do Departamento de Farmacologia da
Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Gilberto DeNucci, que
conheceu Ignarro quando trabalhava com o óxido nítrico em Londres.
Antes de sua vinda à Unicamp, Ignarro concedeu uma
entrevista à FCM. De acordo com o farmacologista norte-americano, um bom
cientista deve estar à frente de suas hipóteses e nem sempre quem
publica em revistas de alta impacto internacional será laureado com o
prêmio Nobel.
FCM – Depois de receber o Prêmio Nobel, o que mudou em sua vida acadêmica e pessoal?
Ignarro - O Prêmio Nobel mudou
completamente a minha vida acadêmica e pessoal. Academicamente, eu me
tornei um consultor para várias Universidades e Ministérios da Saúde em
todo o mundo, e eu também gosto de atuar como professor visitante e
colaborador em programas de investigação em diversas universidades em
todo o mundo. Pessoalmente, eu mudei com minha família para Beverly
Hills, Califórnia, e voltei a alguns dos meus passatempos anteriores,
como corrida, ciclismo, montagem de maquetes de trens e carros de
corrida.
FCM - A descoberta das
propriedades do óxido nítrico abriu novas linhas de pesquisa no mundo.
Atualmente, a qual delas você se dedica e por quê?
Ignarro - Meus principais
interesses de investigação no momento estão relacionados ao estilo de
vida saudável e manutenção da boa saúde cardiovascular. Ambos podem ser
melhorados com uma dieta saudável, exercício aeróbico moderado e
suplementos nutricionais que aumentam a produção do corpo de óxido
nítrico.
FCM - A publicação de artigos em revistas de alto impacto, como Nature e Science são indicativos da qualidade de uma pesquisa?
Ignarro - Eu não necessariamente
concordo com essa visão. Por exemplo, muitos dos meus estudos que
levaram ao Prêmio Nobel foram publicados em revistas comuns na minha
área de pesquisa. A maioria dos autores que publicam na Nature ou
Science não vão receber Prêmios Nobel. Meu laboratório, por muitos anos,
não tem sido capaz de confirmar ou reproduzir experimentos científicos
que foram publicados na Nature ou Science. A qualidade
e reprodutibilidade de seu trabalho é muito mais importante do que
publicar a obra em revistas de alto impacto. Existem dezenas de
excelentes revistas de impacto médio em que se pode publicar pesquisas
básicas de alta qualidade.
FCM - O que é necessário para se fazer uma boa pesquisa?
Ignarro – Uma boa pesquisa requer
um cientista disposto a trabalhar muito para responder importantes
questões científicas de uma forma honesta. Um bom cientista sempre está a
frente de suas hipóteses e testa-as de uma forma escrupulosa, nunca
ignorando aquelas experiências que não lhe dão as respostas desejadas na
primeira vez. Perseverança, honestidade e motivação são as principais
características de um cientista bem sucedido.
Sobre o óxido nítrico
Durante muito tempo, o óxido nítrico foi
considerado somente um poluente do ar, mas a descoberta mostrou que o NO
é uma molécula sinalizadora no sistema cardiovascular e tem aplicações
no tratamento de doenças cardíacas, impotência e até câncer. Murad,
farmacologista da Universidade do Texas, descobriu em 1977 que as drogas
vasodilatadoras agiam pela emissão de óxido nítrico, substância que,
segundo determinou, atuava relaxando as células da musculatura lisa dos
vasos.
Furchgott, farmacologista da Universidade do Estado
de Nova York, constatou em 1980 que os vasos sanguíneos são dilatados
ou aumentam de calibre porque suas células da superfície interna -
endotélio - produzem uma molécula sinalizadora que faz com que as
células musculares relaxem. Furchgott batizou o fator responsável, ainda
não identificado, pelo relaxamento dos vasos de EDRF. A partir daí, foi
iniciada uma corrida mundial para identificá-lo.
Mas foi Louis Ignarro, farmacologista da
Universidade da Califórnia, quem conseguiu a prova final. Após uma série
de análises, algumas feitas em parceria com Furchgott, ele demonstrou
que o EDRF identificado era o óxido nítrico, resolvendo definitivamente o
problema.
O óxido nítrico é uma substância que transmite
sinais no organismo - permitindo que mensagens sejam enviadas de uma
parte do corpo para outra - e regula a pressão arterial e a circulação.
Encontrado na maioria dos seres vivos e produzido por diversas células, o
gás controla a pressão arterial ao dilatar as artérias, afeta o
comportamento ao ativar as células nervosas e, quando produzido nos
glóbulos brancos, torna-se tóxico em relação a bactérias e parasitas
invasores. Hoje, alguns cientistas estão estudando se o óxido nítrico
poderia ser usado para deter o crescimento de tumores cancerígenos.
O auditório da FCM fica à rua Tessália Vieira de
Camargo, 126, campus Unicamp, Campinas, SP. O portão de acesso fica à
rua Albert Sabin, esquina com Tessália Vieira de Camargo. Entrada
franca.