Biomédica testa novos métodos
para tratamento de queimaduras
Nanopartículas poliméricas e de prata apresentam bons resultados em testes in vitro e in vivo
Um
desafio das pesquisas na área de cicatrização de queimaduras é o
desenvolvimento de materiais que apresentem as características adequadas
ao tratamento e que sejam produzidos com matérias-primas de baixo custo
e de fácil obtenção. A nanotecnologia tornou-se a palavra de ordem nos
últimos anos, por conseguir levar a efeito estes dois parâmetros.
A
biomédica Larissa Barbosa de Paula enveredou seu estudo de mestrado, no
Instituto de Biologia (IB), para essa direção, preparando
nanopartículas de prata produzidas por método biotecnológico empregando o
fungo Fusarium oxysporum, e nanopartículas poliméricas recobertas por
quitosana e contendo S-Nitrosoglutationa (GSNO). A sua conclusão foi que
tais tratamentos debelaram o processo inflamatório e possibilitaram o
tratamento de lesões provocadas por queimadura.
Em
animais de laboratório, após 14 dias de tratamento com géis contendo
nanopartículas, as poliméricas mostraram uma redução no diâmetro das
feridas maior que as de prata (AgNP). Entretanto, com mais sete dias de
tratamento (21 dias), este quadro se inverteu: o diâmetro das feridas
tratadas com AgNP estava menor que o das nanopartículas poliméricas.
“Mas as duas cicatrizaram muito bem”, conta a pesquisadora.
Ao
final dos 35 dias de tratamento, o grupo-controle (que recebeu apenas o
gel) ainda sinalizava feridas, enquanto que nos grupos tratados com os
sistemas nanoparticulados, as feridas já tinham sido cicatrizadas e, em
alguns animais, chegou-se a registrar o crescimento de folículos
capilares (pelos).
As nanopartículas
de prata foram produzidas extracelularmente pelo Fusarium oxysporum, que
possui mecanismos (não totalmente elucidados) para reduzir íons de
prata, quando exposto a uma solução contendo este metal. São
nanopartículas esféricas altamente estáveis e com elevada atividade
antimicrobiana, essencial no tratamento de queimaduras, uma vez que a
infecção é uma das principais complicações clínicas deste tipo de lesão.
De
acordo com Larissa de Paula, os métodos adotados em seu estudo já
existem. “Empregamos o método biotecnológico para a preparação das
nanopartículas de prata e o método de dupla emulsão e evaporação do
solvente para as nanopartículas poliméricas”, revela. “A inovação ficou
por conta da sua aplicação em feridas provocadas por queimaduras.”
Ao
mesmo tempo, ela encapsulou um composto formado por glutationa e óxido
nítrico (GSNO) em nanopartículas preparadas com um polímero
biodegradável-biocompatível e recobertas por quitosana (que também
possui elevada atividade antimicrobiana).
Uma
das maiores vantagens desse sistema é a de proteger o fármaco dentro do
organismo e alcançar uma liberação sustentada, eliminando a necessidade
de reaplicação e tornando-se uma alternativa às terapias de longo
prazo.
O GSNO, já testado em feridas
crônicas como de pacientes diabéticos, também nunca fora testado em
queimaduras e demonstrou grande potencial de cicatrização nos
experimentos. O recobrimento com quitosana, segundo a mestranda, além de
proporcionar atividade antimicrobiana, permite uma maior permanência
das nanopartículas em superfícies mucosas, prolongando a liberação do
princípio ativo encapsulado.
TRATAMENTO USUAL
O
tratamento mais usado nos hospitais é o creme à base de sulfadiazina de
prata 1%. Entretanto, após sua aplicação, costuma-se ocluir a ferida
com gaze. Por exigir trocas frequentes, este tipo de tratamento torna-se
bastante incômodo e doloroso para o paciente.
Alguns
produtos, como loções oleosas à base de ácidos graxos essenciais, gazes
impregnadas com Aloe vera e membranas de poliuretano, constituem opções
menos doloridas, por não aderirem à ferida. Todavia, são em sua maioria
importados, elevando os custos do uso em larga escala nos centros de
terapia para queimados. Estima-se que o Sistema Único de Saúde (SUS)
gaste por ano cerca de R$ 55 milhões com tratamentos desses pacientes.
A
biomédica explica que ambas as nanopartículas foram aplicadas nos
animais duas vezes ao dia, sob a forma de gel que foi posteriormente
absorvido pelo organismo, assim como as nanopartículas poliméricas. “É
um dos métodos mais empregados na indústria cosmética e farmacêutica
para o preparo de pomadas e cremes, por ser inerte ao organismo. É usado
como um veículo para as substâncias”, explica.
A
principal indicação dos géis contendo as nanopartículas desenvolvidas
pela biomédica seria para o tratamento de queimaduras pouco graves e de
pequena a média extensão. “Seria inviável para o tratamento de uma lesão
que acometeu 80% do corpo, o que exigiria quantidades muito grandes do
produto. Queimaduras muito graves e/ou extensas também podem acometer
pulmões e outros órgãos vitais, diminuindo ainda mais a expectativa de
vida do paciente, sendo necessárias medidas mais rápidas”, reforça
Larissa.
CAMINHO LONGO
O
trabalho da pesquisadora, orientado pela professora Patrícia da Silva
Melo, foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) da
Unicamp e desenvolvido no laboratório do docente Nelson Durán, no
Instituto de Química (IQ).
Além
disso, todos os compostos passaram por testes de citotoxicidade antes da
aplicação nos animais, garantindo a não toxicidade da concentração
aplicada. Os testes foram feitos na Faculdade Metrocamp, onde a
biomédica concluiu a sua graduação e hoje ministra aulas para o curso de
ciências biomédicas.
Larissa de
Paula reconhece que o caminho para chegar à etapa dos ensaios clínicos
será longo, pois o processo deve passar primeiramente por testes in
vitro e em animais (que são divididos em três etapas). Somente depois
desta bateria de testes, vêm os ensaios clínicos, para que alguma
empresa se interesse pelos produtos e eles cheguem à comercialização.
DADOS DE QUEIMADURAS
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), as queimaduras constituem um dos
maiores problemas de saúde pública. No Brasil, estima-se que aconteçam
um milhão de acidentes com queimaduras térmicas por ano. Há apenas 10%
de hospitalização e cerca de 2,5 mil óbitos em todas as faixas etárias,
conforme informações da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ). As
queimaduras também estão entre as causas primárias externas de morte,
atrás apenas de causas violentas, como acidentes de trânsito e
homicídios. Além disso, queimaduras graves prejudicam a integridade da
pele, levando à formação de cicatrizes hipertróficas e queloides.
Juntamente
com o trauma do acidente e os processos dolorosos de tratamento, as
marcas deixadas pelas queimaduras acarretam baixa autoestima e ansiedade
social aos pacientes, contribuindo para o desenvolvimento de doenças
durante e após a reabilitação.
A
literatura aponta um número considerável de pacientes que apresentam
doenças como depressão e transtorno de estresse pós-traumático, que não
voltam a trabalhar e que são passíveis de ressarcimento pelos
sofrimentos psíquicos acarretados.
No
Estado de São Paulo, há poucos centros especializados no tratamento de
queimados: os de Paulínia, Sorocaba e São Paulo são alguns deles.
Publicação
Dissertação:
“Nanopartículas poliméricas e de prata: avaliação da toxicidade in
vitro e in vivo e do processo de cicatrização em animais submetidos à
queimadura térmica”
Autora: Larissa Barbosa de Paula
Orientadora: Patrícia da Silva Melo
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Autora: Larissa Barbosa de Paula
Orientadora: Patrícia da Silva Melo
Unidade: Instituto de Biologia (IB)