Quando me foi proposto esse tema, lembrei 2 autores que me parecem estratégicos para pensar a questão tanto do decorum quanto da ética e, sobretudo, que permitem fazer a ligação da ética parlamentar com a vida civil.
O primeiro é o autor da maior ética moderna: Spinoza, que tem 2 tratados políticos absolutamente importantes: o Tratado Político e o Tratado Teológico-Político. No caso de Spinoza, parece-me importante reter a lição que destaca o respeito e a reverência que os cargos públicos devem suscitar na população. Spinoza tem uma idéia contrária à de Hobbes: quando se faz o pacto político, não se abre mão do direito de natureza; continua-se plenamente um ser natural e um ser pensante. Não existe possibilidade de separar essas qualidades dos seres humanos, porque elas não são só destes; nós somos atributos da substância divina.
Spinoza é monista. Então, quando pensamos, de certo modo, é Deus quem pensa; quando agimos, é Deus quem age. Não existe poder humano capaz de limitar a força dos homens quando pensam e quando agem. Portanto, alienar essa força é um absurdo, no pensamento de Spinoza e contrariamente ao de Hobbes.
Isso leva Spinoza a dizer no Tratado Político que o poder tem que contar com a atitude natural dos homens e não pode modificar sua natureza. É esse ponto que me parece importante. Ele diz: "O Estado tem a força e, portanto, o direito de fazer com que os homens tenham asas para voar ou, o que é tão impossível quanto, que eles considerem com respeito o que excita o riso e o desgosto". Não se pode esperar, exercendo cargo público, que os homens deixem de observar as pessoas.
Por que são importantes o medo e a reverência? Em primeiro lugar, porque nunca — e aí ele também se coloca contra Hobbes — abrimos mão do nosso poder. Cada indivíduo tem poder, cada grupo tem poder, que se exerce no interesse próprio — esse também é um ponto importante —, e apenas e tão-somente por questão de cálculo racional os homens aceitam abrir mão desse poder em função do coletivo. Quer dizer, se essa cessão de poderes não é retribuída e se o Estado não retribui essa confiança, ele deixa imediatamente de existir.
Por isso, uma autoridade que se apresente, do ponto de vista público, como um legislador que não segue a lei é o pior criminoso dentro do Estado; é aquele que impede a existência do Estado; é pior do que o ladrão; é pior do que o assassino, porque a existência do Estado é a única tranqüilidade e segurança dos cidadãos.