Segunda-Feira, 03 de Agosto de 2009 | Versão Impressa
Afronta à democracia
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Daí a repercussão indignada, no País e no exterior, que causou a censura judicial imposta a este jornal por um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O caso se soma - tendo a sua dimensão aumentada por se tratar de um atentado às liberdades públicas - aos escândalos que envolvem a família Sarney e seu patriarca, que teimosamente insiste em continuar presidindo o Senado da República sem mais dispor de condições políticas ou morais para fazê-lo. Fernando Sarney, filho do senador e principal gestor dos negócios da família, tentou na Justiça Federal obter um mandado que proibisse o Estado de continuar publicando matérias sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investiga aqueles mesmos negócios. O pedido foi negado. Tentou, a seguir, o mesmo expediente na primeira instância da Justiça do Distrito Federal, tendo o juiz considerado o pedido - que também negou - "uma afronta à liberdade de imprensa". Apresentado novamente, desta vez ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o desembargador Dácio Vieira acatou o pedido e impôs a censura prévia a este jornal.
Causa espécie, antes de mais nada, o fato de esse desembargador não ter se declarado impedido de proferir decisão monocrática, uma vez que é profundamente ligado - como mostra foto estampada na edição de sábado do Estado - tanto a José Sarney quanto ao ex-diretor do Senado Agaciel Maia, os principais protagonistas dos escândalos que jorram da Câmara Alta. Antes de ser desembargador, Vieira ocupara um cargo de confiança na gráfica do Senado e fora consultor jurídico da Casa. Nessa condição, recebera do senador maranhense do Amapá, tanto quanto do poderoso ex-diretor-geral do Senado, apoios decisivos para sua investidura no Tribunal.
Como era de esperar, foi imediata e generalizada a reação ao ato de censura prévia, flagrantemente inconstitucional e afrontoso à democracia. Segundo o senador Jarbas Vasconcelos, a escolha "desse caminho pela Justiça é um retrocesso terrível e injustificável". O senador Pedro Simon condenou: "O homem da transição democrática agora comete um ato da ditadura." O senador Eduardo Suplicy enfatizou que "é um direito da população ser informada sobre diálogos que ferem a ética". E a Associação Nacional de Jornais (ANJ), por seu vice-presidente e responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão, Julio César Mesquita, condenou veementemente a decisão do desembargador Vieira, depois de destacar que é inaceitável que pessoas ligadas à atividade jornalística (como é caso da família Sarney, que controla jornais, rádios e televisões) "recorram a um expediente inconstitucional, conforme recente decisão do Supremo Tribunal Federal, para subtrair ao escrutínio público operações com graves indícios de ilegalidade". O ex-presidente do Supremo Carlos Veloso, por sua vez, considerou a medida judicial um excesso, que de fato constituiu uma censura. Na mesma linha pronunciaram-se representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pessoas preocupadas com a ameaça à liberdade de expressão.
Mais importante do que o direito que tem o jornal de informar é o direito que tem o cidadão de ser informado - dizia a Suprema Corte norte-americana, interpretando, na década de 1970, o sentido da liberdade contido na Primeira Emenda. Esperemos que a Justiça brasileira trilhe esse caminho e não permita que prosperem afrontas à democracia que a sociedade brasileira, apesar de tudo e a duras penas, tem conseguido construir.
Fernando Sarney tentou silenciar ''Estado'' e procuradores em 2008
Leandro Colon
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Sem alarde, os advogados de Fernando entraram no ano passado com uma ação no conselho, pedindo três coisas. A primeira era a convocação de um repórter do jornal, para que revelasse suas fontes de informação. A segunda, a proibição de acesso a detalhes da investigação pelo Estado. E a terceira, o impedimento aos procuradores da República de concederem entrevistas.
O filho do presidente do Senado contestou o vazamento de informações do inquérito sobre a Operação Boi Barrica que, assegurou, teriam fundamentado a reportagem assinada pelo repórter Ricardo Brandt, em 16 de janeiro do ano passado. A reportagem informava que Fernando corria o risco de ser indiciado - o que acabou se confirmando no mês passado, como apontou outro repórter do Estado, Rodrigo Rangel. O filho do presidente do Senado foi indiciado por lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de quadrilha.
A ação de Fernando no CNMP foi recusada e arquivada na sessão de 22 de setembro, por unanimidade. Os motivos alegados estão no voto do então relator do recurso, promotor Diaulas Ribeiro. Ele repudiou qualquer tentativa de obrigar o jornalista a revelar a fonte da informação. Para o promotor, tratava-se de "um atentado à Constituição Federal".
ACUSAÇÕES
Os advogados de Fernando acusaram procuradores do Maranhão de terem repassado informações sigilosas ao jornal. O relator recusou a acusação. "Não é o Conselho Nacional nem o Ministério Público o guardião único do sigilo decretado. Dezenas de pessoas têm, legalmente, acesso aos autos. Nessa mesma linha não caberia ao Conselho Nacional vedar a divulgação de especulações genéricas, de comentários sobre uma investigação cuja existência passou ao domínio público", diz o texto do voto. "A não divulgação é inerente ao segredo de Justiça e todos os que têm contado com os autos têm esse dever a cumprir."
O pedido de silenciar os promotores ligados ao caso segue a mesma linha do pedido feito na sexta-feira da semana passada, quando conseguiu uma liminar do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibindo o Estado de publicar informações sobre o inquérito da PF.
Em 2008, porém, a proposta teve resposta diferente. "Não se pode confundir observância do segredo de Justiça com censura prévia. A censura prévia é proibida pela Constituição Federal", argumentou o relator.
Procurado pela reportagem, Diaulas Ribeiro não quis se manifestar. Ele acaba de perder a vaga no CNMP. Em 30 de junho, o plenário do Senado, sob o fogo da crise envolvendo Sarney, rejeitou a condução dele ao cargo de conselheiro. O outro rejeitado foi Nicolao Dino.