OI NA TV
O preço de uma eleição
Por Lilia Diniz em 07/09/2012 na edição 710
Cerca de 470 mil candidatos disputam uma vaga para prefeito ou vereador
em todo o Brasil nas eleições 2012. Todo esse contingente está nas ruas
e na TV apresentando sua plataforma política para os próximos quatro
anos de mandato. Por trás de cada santinho, galhardete ou minuto na TV,
há o trabalho de um batalhão de profissionais. Dos cobiçados
marqueteiros, que chegam a ganhar milhões em cada campanha, ao pessoal
da técnica. A cada pleito, o eleitor é bombardeado com campanhas cada
vez mais sofisticadas e caras. Somando todos os candidatos deste ano, o
investimento nas campanhas em televisão chegará a R$ 3,5 bilhões.
Enquanto programas eleitorais de partidos maiores contam com recursos
tecnológicos avançados e parecem superproduções hollywoodianas,
candidatos mais modestos precisam driblar a falta de dinheiro com a
criatividade. Campanhas para prefeituras de cidades estratégicas e com
maior visibilidade, como São Paulo e Rio de Janeiro, podem chegar a
custar R$ 40 milhões. O Observatório da Imprensa exibido ao
vivo na terça-feira (4/9) pela TV Brasil discutiu se alto custo das
campanhas eleitorais acaba afetando o jogo político.
Alberto Dines recebeu no estúdio de Brasília Carlos Henrique Braga,
secretário-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Juiz do 1º
Tribunal do Júri de Belo Horizonte, Braga atuou como Magistrado
Instrutor no Supremo Tribunal Federal. Foi Juiz Corregedor em Minas
Gerais e é professor universitário com pós-graduação em Direito
Processual Penal e Civil e Direito Comunitário. Em Belo Horizonte, o
programa contou com a presença de Marcos Coimbra, presidente do
Instituto Vox Populi, que elabora projetos eleitorais e de opinião
pública. Coimbra é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de
Manchester e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO). O convidado em São Paulo foi o filósofo
Roberto Romano. Professor titular da Unicamp na área de Ética e
Filosofia Política, Romano escreveu vários livros sobre ética e teoria
do Estado. É graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e
tem doutoramento na Escola de Altos Estudos de Paris.
Caixa 2
Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines ponderou que a
regulamentação da propaganda eleitoral está se tornando uma barreira
para o acesso do cidadão à vida política, ao permitir que material
televisivo de alta qualidade ofusque outras alternativas de comunicação
com o eleitor, como santinhos, cartazes e jingles. Para Dines, os custos
de produção tornaram-se “astronômicos e proibitivos” e forçam os
candidatos menores a buscar parcerias em empresas, confissões religiosas
ou lobbies. “A fiscalização da Justiça Eleitoral costuma ser rigorosa, a
origem dos recursos não pode ser clandestina, então surge o famigerado
‘caixa 2’, que conseguiu o milagre de converter um ilícito em algo
quase-lícito. Além de consagrar candidatos, partidos e coligações,
eleições deveriam constituir uma oportunidade para discutir o próprio
sistema eleitoral”, afirmou [ver íntegra abaixo].
A reportagem exibida antes do debate no estúdio entrevistou o cientista
político Marcus Figueiredo, professor do Instituto de Estudos Sociais e
Políticos (IESP). Figueiredo explicou que a propaganda gratuita no
rádio e na televisão nasceu com o objetivo de dar visibilidade aos
candidatos e democratizar o processo eleitoral. “Já faz parte da nossa
tradição. As campanhas na televisão têm um propósito de democratizar a
eleição, oferecendo um espaço para todos os candidatos e todos os
partidos que têm direito a participar”, disse o professor.
Na avaliação da cientista política Alessandra Aldé, a televisão, mais
do que o rádio, é um meio que exige altos investimentos para fazer
produtos de qualidade. A profissionalização das campanhas é um fenômeno
que tem crescido no Brasil: “Como a gente tem uma televisão de muito boa
qualidade, que ganha prêmios internacionais em televisão, tanto em
publicidade como em produtos de entretenimento, o brasileiro é um
consumidor exigente em televisão”.
Alessandra acredita que a única forma de coibir a prática do caixa 2 é por meio da fiscalização e da exposição dos fatos: “Hoje em dia você tem um controle do que os partidos arrecadam, mas você sempre tem um caixa 2. E eu acho que um financiamento público das campanhas, que às vezes é argumentado que seria bom, não resolveria isso porque se você tem caixa 2 com financiamento privado, também teria caixa 2 com financiamento público”.
O Observatório entrevistou dois profissionais que estão no comando de campanhas em 2012. Renato Pereira, antropólogo com vasta experiência em publicidade e eleições, é responsável pelo projeto do candidato de um partido que investiu alto nos programas de TV. Pereira explicou que o período eleitoral aquece o mercado audiovisual no Brasil e que algumas campanhas empregam diretamente até mil profissionais das mais diversas áreas.
Para um projeto atingir o eleitor, na opinião de Pereira, é essencial que o candidato tenha credibilidade e conte uma boa história, que emocione os telespectadores e ouvintes. “No Brasil, toda essa parte audiovisual é bastante profissional, tem qualidade, está no nível das melhores do mundo. Então, quando você vai para campanha política, não é diferente. Não é à toa que muitos profissionais brasileiros trabalham com campanhas políticas e também fazem muitas campanhas fora do Brasil – na América do Sul, na Europa, na África. Você tem profissionais brasileiros espalhados pelo mundo inteiro fazendo campanhas políticas nesse momento”, disse.
Falta debate?
Premiado diretor de teatro, cinema e TV, Moacyr Góes dirige sua
terceira campanha eleitoral. Em todas as campanhas de que participou, o
diretor trabalhou para candidatos com poucos recursos financeiros. Para
Góes, é essencial que o candidato use um tom em seu discurso que crie
intimidade com a população. “É como se eu dissesse para o candidato:
‘Fale para a câmera como se você estivesse falando para uma pessoa. É
ela quem está te ouvindo. Diga aquilo que você quer, diga aquilo que
você pensa da maneira mais sincera possível. Fale com o coração, fale da
maneira que você acha que a vida deve ser, que a vida das pessoas deva
ser em função de um cargo Executivo’.”
O fato de a representação do respectivo partido no Legislativo balizar o
tempo de comunicação do candidato com a população – algo que deveria
ser absolutamente democrático – acabou virando um elemento de barganha:
“O problema é que a disparidade do poder de dinheiro em determinadas
campanhas acaba transformando a eleição e a disputa eleitoral em alguma
coisa muito desigual”. Moacyr Góes explicou que esta conjuntura está
ligada ao montante captado pelos partidos e ao processo de alianças
políticas e de formação de frente partidárias.
Góes lamentou a falta de debate político nos programas eleitorais:
“Está se perdendo uma grande possibilidade, com as eleições, de discutir
política, discutir como a gente quer se organizar, o que a gente quer,
qual é o tamanho do Estado, qual é o tamanho da minha possibilidade
individual, o que é política pública, o que é aquilo que não pode ser
política pública, quais são os espaços de cada um dentro da sociedade”.
Avanços e recuos
No debate ao vivo, Carlos Henrique Braga destacou que houve uma
“conquista enorme” no que se refere à divulgação dos candidatos através
dos meios de comunicação. “Se nós analisarmos historicamente a evolução
das propagandas eleitorais, vamos verificar que, talvez não com a
velocidade que desejamos, temos delimitada essa influência da propaganda
na decisão do eleitor”. O secretário-geral do TSE sublinhou que nos
últimos anos diversas formas de propaganda foram proibidas por serem
consideradas abusivas, como outdoors e showmícios.
“A Justiça Eleitoral e o Poder Legislativo estão verificando a
necessidade de aprimorar o sistema eleitoral no que se refere à
propaganda”, garantiu Braga. Para ele, os efeitos da propaganda na
televisão no resultado das eleições serão cada vez mais minimizados por
mecanismos que equilibrem o processo eleitoral. Afirmou que existem
casos de mobilização da sociedade civil, como na criação da Lei da Ficha
Limpa, que representaram um grande avanço para o processo eleitoral.
Nos últimos anos, houve a implantação de controle dos gastos de
campanha e de gerenciamento dos partidos. O juiz disse que é preciso
estar atento ao fato de que os cargos legislativos serão ocupados
independentemente da qualidade dos candidatos. Por isso, é preciso votar
de forma consciente.
“Torcemos, como bons cidadãos, que eles sejam ocupados por cidadãos bons. O certo é que nós não podemos perder a oportunidade de discutir – no âmbito do Poder Legislativo, da sociedade, ou junto ao TSE – a criação de mecanismos que tornem esse controle mais transparente, mais limpo, à altura da expectativa dos cidadãos.” Braga destacou ainda que, em 2012, quase meio milhão de brasileiros decidiu se candidatar, o que mostra um grande interesse na vida política.
Dines perguntou a Marcos Coimbra se a propaganda eleitoral viciada pode
comprometer o processo político. O presidente do Instituto Vox Populi
explicou que as pesquisas das últimas três eleições mostram com clareza
que o formato atual da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV
está superado. “O eleitor tem mostrado que desenvolveu uma reação
natural aos programas que, como o nome indica, têm hora marcada para
começar e para terminar. Só vai ver esses programas quem realmente tem
interesse por eles”, avaliou Coimbra. As inserções ao longo da
programação, segundo ele, alcançam mais audiência e têm um nível de
impacto muito maior.
Propaganda enganosa
“O excesso de produção e a construção muito fantasiosa de candidaturas
provocam no eleitor uma reação natural de desconfiança e acabam sendo um
investimento cujo retorno efetivo é cada vez mais questionável. Eu acho
que as campanhas gastam cada vez mais para atingir cada vez menos
pessoas e convencê-las efetivamente”, afirmou o cientista
político. Coimbra destacou que a legislação eleitoral brasileira precisa
ser repensada: “Enquanto tivermos centenas de candidatos aos cargos
proporcionais, a complicação da escolha do candidato se agrava a cada
eleição. Esse investimento maciço em custos de campanha é uma tentativa
de algumas pessoas que têm dinheiro de furar essa enorme dificuldade de
contatar o eleitor”.
Para o filósofo Roberto Romano, a propaganda de massa é extremamente
eficaz, mobiliza instantaneamente emoções, sonhos e esperanças, mas
oferece em troca apenas ilusões. “Não temos nenhuma discussão
aprofundada do sistema econômico, do sistema social, do sistema
político, da ciência, da tecnologia, da cultura, nesses programas. Nós
temos uma tarefa perene de convencimento”, criticou o filósofo. Romano
relembrou a clássica obra O estupro das massas pela propaganda política,
de Serge Tchakhotine (1883-1973), publicada em 1939. Na avaliação de
Romano, com exceção de alguns aspectos, a realidade brasileira atual é a
mesma do final da década de 1930: de cada dez pessoas, apenas três
conseguem escapar do “encanto” da propaganda política.
Romano vê com preocupação os filmetes “absolutamente magníficos” que
vendem felicidade. “A propaganda tende perigosamente a tornar um
processo que é democrático em um processo autoritário”, criticou o
filósofo. Dines perguntou como é possível dar início uma mobilização da
sociedade em torno da reforma política. Romano explicou que um primeiro
passo da mudança nas instituições políticas poderia ser a democratização
dos partidos políticos: o estabelecimento de um tempo máximo para que
os dirigentes partidários fiquem nos cargos e a adoção de eleições
primárias nos partidos poderiam dar mais voz aos militantes. “Os
partidos têm donos que muitas vezes estão na direção ha mais de trinta
anos. Eles controlam os cofres, a destinação do Fundo Partidário, as
alianças, o tempo de TV, e permitem que candidatos cheguem à televisão
ou não”, disse Romano.
***
Eleições elitizadas 2012
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 655, no ar em 4/9/2012
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Ficamos distantes das urnas ao longo dos 21 anos da ditadura militar. Agora, de volta à democracia, a cada dois anos participamos de uma grande festa eleitoral.
A mídia adora eleições porque eleições produzem debates e debates garantem a continuidade do processo. Mas nosso calendário eleitoral estabeleceu paradigmas e dinâmicas que podem nos conduzir a retrocessos.
A regulamentação da propaganda eleitoral – teoricamente uma ferramenta
democrática – do jeito que foi concebida e se desenvolveu está se
tornando uma barreira para o acesso do cidadão à vida política, quando
deveria ser o contrário.
À medida que os cartazes, panfletos, santinhos, faixas de rua e jingles
de rádio foram sendo substituídos por material televisivo de alta
qualidade, os custos de produção tornaram-se astronômicos e proibitivos.
A propaganda gratuita é teoricamente gratuita, os Tribunais Regionais
Eleitorais garantem a veiculação proporcional do material
propagandístico, mas a produção de 30 segundos de TV em alta definição
chega facilmente à casa dos 250 mil reais.
A candidatura a um posto eletivo já não representa o sonho de um
cidadão, é um investimento, investimento pesado, que poucos têm condição
de bancar. E o que acontece? Este cidadão é obrigado a buscar
parceiros, além do universo partidário, em empresas, confissões
religiosas ou lobbies – legais ou ilegais.
A fiscalização da Justiça Eleitoral costuma ser rigorosa, a origem dos
recursos não pode ser clandestina, então surge o famigerado “caixa 2”,
que conseguiu o milagre de converter um ilícito em algo quase-lícito.
Além de consagrar candidatos, partidos e coligações, as eleições
deveriam constituir uma oportunidade para discutir o próprio sistema
eleitoral. Não é o que se vê. Mas é o que este Observatório faz hoje.
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A mídia na semana
** A grande mídia ajudou a presidente Dilma Rousseff a desmentir uma
informação sem parecer que era desmentido e, sim, bronca em duas
ministras. Na quinta-feira (30/8), os fotógrafos credenciados no
Planalto fotografaram a presidente durante uma cerimônia lendo um
bilhete manuscrito em que reclamava providências das ministras no
tocante à votação do Código Florestal. Acontece que a presidente estava
lendo o verso do bilhete e assim as fotos mostraram apenas a parte
frontal onde estava o desmentido e era isso que interessava. Saiu em
todos os jornais.
** Clint Eastwood caiu do trono de cineasta respeitável ao participar
da convenção do Partido Republicano que escolheu o concorrente de Barack
Obama nas presidenciais americanas. O veterano ator-diretor de 82 anos
tem o direito de contrariar seus colegas de Hollywood apoiando o
reacionário Mitt Romney, mas, na convenção, Clint assumiu o papel de
protagonista eclipsando o próprio candidato. É possível que esteja
sonhando em substituir Ronald Reagan na continuação daquele péssimo
filme chamado Política é Espetáculo.
** A notícia é boa. A nova Lei da TV a Cabo entrou em vigor no último
domingo (2/9). Com ela, os canais por assinatura terão que veicular uma
hora e dez minutos por semana de produção nacional em horário nobre. A
partir de 2014, esta cota subirá para três horas e meia. Daqui a um ano,
os assinantes deverão ter um canal brasileiro para cada três
estrangeiros. Neste cálculo não estão incluídos jornalismo e esporte.
Apesar da expectativa de bons negócios para os produtores nacionais, o
espectador deve ficar atento à qualidade dos produtos que as televisões
vão colocar no ar. A TV pode ser renovada, mas não com sobras da
programação.