O sinal maior da perversão universitária não é mencionado pelo articulista: as fotos dos reitores agachados diante do candidato Lula à re-eleição. Os magníficos esqueceram qualquer prudência, qualquer decoro, para lamber as botas do proprietário do poder. E eles não querem autonomia nenhuma, porque isto os afastaria dos corredores do "puder", onde fazem suas alianças com os donos do orçamento e das normas federais. O populismo vulgar que exala do artigo é o "lip service"pago pelo autor ao ex-querdismo que sobrou do suposto governo federal, na verdade um condomínio de seitas e de interesses oligárquicos rançosos e prejudiciais a qualquer pesquisa. O cadáver do bom Kant deve ter tremido no túmulo, ao saber que uso se faz das suas visões sobre a universidade.
Roberto Romano
Roberto Romano
São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice TENDÊNCIAS/DEBATES Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Universidade: perversões da autonomia NAOMAR DE ALMEIDA FILHO
A RIGOR , o termo autonomia significa capacidade de definir as próprias normas. Em uso corrente, inclui o sentido de autarquia ou capacidade de autogoverno. Para avaliar objetivamente a questão da autonomia universitária, consideremos dois planos articulados: administrativo e acadêmico. No plano administrativo, as universidades federais encontram-se travadas por aparato normativo que compromete tanto a missão acadêmica de formar com qualidade quanto o dever de buscar eficiência e economicidade como instituição pública. Rápidos exemplos triviais. Para atividades de ensino e pesquisa, precisamos de bens de melhor qualidade e serviços mais criativos, pertinentes e competentes, quase nunca baratos. Porém, segundo a lei de licitações, somos obrigados a contratar pelo menor preço. Na UFBA (Universidade Federal da Bahia), seis meses de conta de água bastariam para substituir todo o obsoleto sistema hidráulico dos campi, reduzindo o consumo em até 40%. Não obstante, é proibido mudar rubricas de custeio porque o Orçamento da União é prefixado. Em qualquer caso, inútil economizar, porque todo o montante poupado tem de ser, ao final do exercício, recolhido ao Tesouro Nacional. Diligentemente, órgãos de controle externo nos têm auditado. O TCU (Tribunal de Contas da União), aplicando a lei, tem punido dirigentes universitários por irregularidades supostas em procedimentos que, o mais das vezes, visam a viabilizar a gestão universitária. No plano acadêmico, a universidade se engana, e aparentemente gosta, ao pretender-se autônoma. De fato, longe estamos da mítica autonomia universitária. Submetidos à crescente judicialização da sociedade, concursos docentes, processos seletivos, transferências e matrículas obedecem a leis e regras mais cartoriais que acadêmicas. Projetos pedagógicos seguem, na minúcia, diretrizes curriculares estabelecidas por órgãos externos de regulação, influenciados por interesses corporativos e mercadológicos. Linhas de pesquisa contemplam prioridades definidas por agências de fomento; programas de extensão respondem a demandas ou determinações de organismos governamentais, não-governamentais e empresariais. A autonomia universitária nos é garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal. Então, por que não recebemos orçamento global, definido por metas e planos? Por que nosso quadro docente e de servidores obedece a regras do serviço público, quiçá adequadas a repartições burocráticas, porém flagrantemente contraditórias com o mandato da inovação acadêmica? Por que nossos conselhos de gestão não têm autonomia para gerir patrimônio, custeio e receita? Por que nossos conselhos acadêmicos têm que seguir diretrizes e regulamentos de corporações e conselhos? Por que nossos conselhos curadores, reforçados com representação da sociedade, não poderiam fiscalizar operação, orçamentos e prestações de contas? Por que povo e governo não nos cobram transparência, competência, desempenho e qualidade em vez de mera capacidade de seguir regras de controle e normas burocráticas? O conceito de autonomia da universidade articula meios e fins. Como sua missão é socialmente referenciada, penso que a autonomia dos fins deve ser relativa, com participação e controle social na definição de metas e finalidades. Porém, para cumprir de modo competente seu mandato histórico, a universidade precisa gerir processos institucionais com autonomia plena dos meios. A universidade brasileira perverte o conceito de autonomia. Onde precisa, não exerce autonomia, pois, em seu cotidiano, a gestão dos meios segue pautas extrainstitucionais e obedece a marcos heterônomos. Entretanto, docentes e dirigentes reivindicam autonomia dos fins. Tal posição tem justificado, por exemplo, rechaçar políticas de ações afirmativas e inclusão social, o que pouco contribui para tornar mais justa a sociedade que abriga, sustenta e legitima a universidade. Na atual conjuntura nacional, rica em oportunidades e desafios, pode a defesa da autonomia justificar conservadorismo social, imobilismo institucional e ranço acadêmico? Penso que não. Immanuel Kant, propondo destradicionalizar a universidade mediante experimentação de novas formas de pensar e agir, propôs a audácia como consigna da autonomia universitária. Seguindo o grande filósofo, defendo o conceito de autonomia somente como ousadia histórica, jamais para manter a velha universidade elitista, alienada e anacrônica, sempre para transformar e reinventar a vida. NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, 56, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahi |