Roberto Romano
O poder legislativo brasileiro deixou de legislar. Pelo menos deixou de produzir normas úteis e legítimas para a cidadania. O Executivo legisla ao usar as Medidas Provisórias. Apenas os sem inteligência deixam de ver que não existem as condições necessárias para a promulgação das referidas Medidas. O presidente usurpa, com anuência e cumplicidade dos deputados e senadores, as prerrogativas dos que deveriam representar o povo soberano. Também o Judiciário tenta impor decisões legais e usurpa o múnus do Congresso. Vivemos, portanto, em situação anárquica ou anômica. Em tais crises do Estado desaparece a responsabilidade dos operadores públicos. Ninguém previne ou pune os desmandos e prejuízos causados aos cidadãos. Desamparados, eles tendem a ver nos impostos nada mais do que um roubo cometido pelos seus pretensos servidores. Cada setor oficial mostra faces hediondas, o que leva a vida no país ao desespero dos contribuintes. Escorchados, vilipendiados, destruídas suas esperanças, os honestos percebem que no Brasil o correto é não pagar tributos, não seguir as leis, não ter rubor na face.
No mesmo ritmo, os usurpadores da soberania popular se encastelam em privilégios (alguns, usam castelos físicos mesmo, deixam de lado o ângulo metafórico da palavra), debocham dos “cidadãos comuns”, brincam com pólvora em fábrica de bombas. Está chegando a hora dos desprezados que pagam a conta das festas congressuais passarem à cobrança dos cínicos desmandos.
Arrogância é pouco para descrever a folia irresponsável com os dinheiros públicos, levada adiante alegremente pelos que se querem legisladores. Eles abusam do foro privilegiado (um passaporte para a delinquência) e ainda assumem atitudes e portarias que lhes permitem delinquir em segredo. Na semana passada vimos, com estupor, que depois de sérias denúncias sobre o uso torto dos dinheiros públicos, os senadores, com apoio da mesa do Senado, criaram novas regras para as perguntas dos jornalistas sobre as proezas de suas Excelências. Para responder as questões da imprensa, agora eles podem responder ou não, de acordo com a sua vontade. Duas semanas é o prazo para replicar as indagações da mídia, no âmbito senatorial. Ademais, tudo deve ser enviado, como no reino encantado dos cartórios ou do Paço d’El Rey, em ofício (não ficou esclarecido se em pergaminho ou em papel comum, talvez em papel higiênico), ajuntando-se “cópia autenticada da carteira de identidade, comprovante de residência, motivação detalhada do pedido e termo de responsabilidade assinado e autenticado”. Estamos em pleno despotismo das Excelências.
Pergunta aos juízes do STF: é constitucional um poder inteiro ficar escondido nessas cavernas cartoriais, quando seus membros usam verbas públicas, de modo claro e insofismável, em sentido oposto à ética e à transparência? É correto e legal impor tamanhas censuras à imprensa? Existem ou não juízes em Brasília? Também para as empresas da mídia pode ser feita pergunta similar: como aceitam medidas que arruinam o seu direito de informação? A causa é o medo das retaliações? Se a resposta for positiva, urge abolir toda imprensa não oficial do País. Se negativa, movam-se enquanto é tempo! E os jornalistas que redigem colunas nos periódicos? Passo os olhos toda manhã por eles e nada vejo sobre o assunto. Tal silêncio tem o odor da cumplicidade tíbia. Ele cheira a peste do servilismo.