Ariel Palacios.
por Ariel Palacios
27.abril.2010 23:12:11
Paul Schaefer, com permanente enigmático meio-sorriso, foi o líder político e espiritual absoluto da Colônia Dignidade durante três décadas
Paul Schaefer foi enterrado ontem, segunda-feira, em um túmulo sem nome no cemitério Parque Recuerdo de Puente Alto, depois que os habitantes de Villa Baviera, que ele fundou e administrou durante três décadas e meia, recusaram-se a albergar seu corpo para o descanso eterno em suas terras.
Somente cinco pessoas acompanharam seu féretro em Puente Alto, que ao sair da casa funerária Lar de Cristo precisou esquivar uma multidão que lhe arremessou .
Motivos para que Schaefer fosse considerado persona non grata havia de sobra, já que possuía um currículo controvertido. Esse ex-cabo do exército do Terceiro Reich, além de declaradas simpatias (e militância) nazista, era pedófilo. De quebra, participou de torturas a prisioneiros políticos da ditadura militar chilena, com a qual colaborou ativamente com a “Colônia Dignidade”, uma fazenda de 17 mil hectares, que serviu de centro de detenção clandestino. E, além disso, era declarado amigo do general Augusto Pinochet.
Schaefer, que morreu no sábado no hospital da ex-penitenciária de Santiago do Chile, estava preso desde 2005, quando foi detido na Argentina, para onde havia fugido em 1997.
Durante oito anos esteve escondido em território argentino.O motivo: fugir da Justiça chilena, que o havia condenado a 7 anos de prisão por homicídio, a 3 anos por posse ilegal de armamento, outros 3 anos pela aplicação de torturas, além de 20 anos por abusos sexuais a meninos.
A carreira de Schaefer começou em Sieburg, um vilarejo à beira do Reno, próximo a Bonn. Ali, entrou para o partido nacional-socialista de Adolf Hitler. Na sequência, alistou-se nas tropas nazistas que invadiram a França.
Com a derrota germânica em 1945, Schaefer entrou em uma igreja batista na Alemanha. No final dos anos 50, decidiu criar sua própria instituição social, a “Missão Social Privada”. Ali comandava sessões de leituras bíblicas nas quais seus seguidores começaram a acreditar que ele possuía “características divinas”. Mas, o que poucos sabiam é que Schaefer sodomizava os menores de idade levados pelos pais à instituição do ex-cabo nazista.
Entrada da Colônia Dignidade
Em 1961, foi denunciado. Schaefer decidiu fugir para o distante Chile. Ali, acompanhado por dezenas de seguidores, criou a “Sociedade Beneficente Dignidade” na região de Maule.
Schaefer fez da “Colônia Dignidade” seu feudo pessoal, um espécie de pequeno país-igreja que continha em suas 17 mil hectares uma escola, padaria, refeitórios, um hospital, moradias, áreas de plantação, cinco empresas (que funcionou fora da legislação trabalhista e tributária do Chile durante décadas), além de uma rede secreta de túneis e bunkers. A colônia, protegida por cercas de arame farpado, havia ficado de fora de todos os censos realizados no Chile. Os habitantes tinham um contato mínimo com o exterior e eram doutrinados constantemente. Todos os colonos provenientes da Alemanha eram proibidos de manter contato com seus parentes na terra natal.
Schaefer determinou que as famílias que residiam na Colônia deveriam ser separadas. Desta forma, sob ordens de seu líder, os pais não podiam falar com seus próprios filhos. As crianças não sabiam que tinham irmãos. As relações sentimentais estavam controladas por Schaefer e só podiam acontecer após sua autorização.
Crianças dos camponeses da área de fora da Colônia eram entregues a Schaefer, que prometia a seus pais que seus filhos teriam “educação gratuita”. Schaefer gostava de ser chamado de “tio permanente” de Dignidade.
A maior parte dos habitantes da Colônia – boa parte deles imigrantes alemães e camponeses chilenos – trabalharam durante anos de graça para Schaefer. “Era um Estado dentro do Estado”, afirmaram juristas, sociólogos e políticos chilenos nos anos 90, quando o funcionamento da sinistra estrutura tornou-se público.
A SERVIÇO DE PINOCHET
O general Augusto Pinochet, acompanhado por sua esposa Lucía, em visita à Colônia Dignidade, centro onde Schaefer praticava a pedofilia sem impedimentos do governo militar
A partir do golpe de 1973, protagonizado pelo general Augusto Pinochet, a Colônia Dignidade transformou-se também em um centro clandestino da DINA (o serviço secreto do regime de Pinochet). Ali foram detidas e torturadas centenas de prisioneiros do regime.
O estabelecimento de Schaefer também foi usado para a fabricação clandestina de gás sarin, que a ditadura utilizava em pequenas doses para realizar atentados contra exilados políticos no exterior.
O lugar também transformou-se em um estabelecimento de produção de armas. Um dos túneis da colônia os homens de Schaefer copiaram uma sub-metralhadora israelense e a produziram de forma clandestina.
A colônia começou a chamar a atenção em 1985, quando o acadêmico americano Bris Weisfeiler, judeu nascido na Rússia, desapareceu quando estava acampando nas proximidades do feudo de Schaefer. Weisfeiler, cujo corpo jamais foi encontrado, teria sido detido e torturado por Schaefer e outros nazistas do lugar durante três anos, segundo indicam relatórios do Departamento de Estado dos EUA.
Pouco tempo depois foi a vez do turista holandês Marteen Visser, um belo jovem de 18 anos de cabelos loiros encaracolados que teria sido usado por Schaefer para satisfazer seus instintos pederastas. Marteen nunca foi localizado. Mas, diversas testemunhas afirmam que foi prisioneiro de Schaefer durante anos.
Diversas denúncias sobre abusos sexual de crianças e adolescentes foram realizadas na Alemanha ao longo dos anos 80. No entanto, o governo Pinochet ignorou todos os pedidos de investigações.
FIM DE SCHAEFER
Em 1990 o governo Pinochet acabou. A proteção de Schaefer estava terminada.
Entre 1991 e 1994 a Justiça pressionou Schaefer, que ainda contava com respaldos de setores políticos civis alinhados com o ex-ditador.
Com a volta da democracia começaram a aparecer denúncias contra o líder da Colônia, indicando que havia abusado sexualmente de dezenas de crianças.
Em 1997 a Justiça chilena entrou na Colônia Dignidade para prender Schaefer, o líder da comunidade havia desaparecido. Escondido nos túneis secretos da colônia, ali permaneceu até que conseguiu fugir para a Argentina com a ajuda de velhos amigos ex-integrantes das ditaduras de ambos países.
A Justiça encontrou os restos de diversos automóveis enterrados nos terrenos da Colônia Dignidade. Os carros pertenciam a opositores políticos do regime de Pinochet que haviam sido assassinados.
Schaefer foi detido na Argentina em março de 2005 graças à uma investigação jornalística do Canal Trece, do Grupo Clarín. Sua filha adotiva, Rebeca, foi sua permanente companheira Schafer nunca explicou em quais circunstâncias havia adotado a filha.
Nesse mesmo ano o presidente Ricardo Lagos envia um interventor à Colônia Dignidade. As autoridades chilenas descobrem um colossal arsenal no lugar, incluindo lança-mísseis, granadas, além de armas leves automáticas.
Simultaneamente, centenas de ex-colonos retornam para a Alemanha, enquanto que os 200 habitantes que ficam iniciam uma revisão coletiva do sinistro passado. Com o respaldo da embaixada da Alemanha, os habitantes remanescentes são ajudados por uma equipe de psicólogos.
Segundo um dos psiquiatras, Niels Biederman, somente Schaefer praticava a pedofilia. “Somente ele, mais ninguém…”.
Com o fim do reinado de Schaefer, Colônia Dignidade foi rebatizada de “Vila Baviera”.
Em 2008, a comunidade de Vila Baviera divulgou uma carta aberta na qual expressa o repúdio ao passado do estabelecimento e sobre a “perversidade” de Schaefer e sua intenção de inserir-se na sociedade chilena.
Atualmente, Vila Baviera vive do turismo, dos trekkings, e mantém um dos melhores restaurantes da região, especializado em gastronomia alemã.