Mudar a capital do país para Brasília deu certo? Especialistas respondem
Do UOL Notícias
Em São Paulo
Eixo Monumental de Brasília
Cinquenta anos depois da inauguração, uma Brasília de 2,6 milhões de habitantes tenta se equilibrar sobre as linhas simples e racionais traçadas pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer para aquilo que se tornaria a capital administrativa e política do país. Uma multidão se espalha em eixos, asas, quadras e centenas de anexos construídos fora de contexto para abrigar o excesso de "forasteiros". Para muitos, a cidade tornou-se um antro de escândalos e políticos corruptos. Para outros, ela sempre será lembrada por sua arquitetura revolucionária. Mas, entre perdas e ganhos, é possível dizer que a mudança, em parte, cumpriu o seu papel.
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Área: 5.801,937 km2
População em 2009: 2.606.885
PIB em 2007: R$ 99,945,620
Para especialistas ouvidos pelo UOL Notícias, o plano principal --de tirar a capital do litoral e de, com isso, levar o desenvolvimento para o interior-- funcionou bem. Era preciso pôr fim a uma tradição de fundar capitais na costa, fruto da colonização "de fora para dentro", e fazer nascer um centro administrativo nos moldes de capitais europeias, como Londres, Lisboa, Madri, Roma e Paris, que ficavam na beira de rios.
“A capital no Rio de Janeiro fazia com que o país ficasse muito vulnerável a ataques externos, então, nesse sentido, foi positivo. A construção de Brasília também conseguiu boa parte de seus objetivos: povoou o interior, espraiou a tecnologia e o conhecimento, fundou novos polos de agronegócio e indústria e a economia saiu um pouco do eixo entre Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais”, analisou o professor Roberto Romano, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Um dos principais objetivos da interiorização era trazer o progresso econômico para uma área abandonada, onde “havia meia dúzia de pessoas, carros de boi e fazendas”, conta o cientista político Otaciano Nogueira, da UnB (Universidade de Brasília), antigo morador da cidade.
“Em pouco mais de vinte anos, houve muitas transformações e muito desenvolvimento. A distância que havia com Rio e São Paulo diminuiu, territórios foram subdivididos, surgiu Tocantins e Mato Grosso do Sul, descobriu-se petróleo na Amazônia. Foi um salto enorme na economia”, lembrou ele. “Hoje, acho que a cidade tem uma qualidade de vida muito grande. Eu sou carioca e moro em Brasília desde 1962. Meus filhos também estão aqui, meus netos e até meus bisnetos. Não quero voltar para o Rio de Janeiro. Então, nesse sentido, Brasília deu certo”.
A qualidade de vida vem, em grande parte, da implantação de um grande projeto urbanístico, que, na opinião do geógrafo e professor da UnB Aldo Pavani, também foi um sucesso. “Era um projeto elogiado, tido como representante legítimo da arquitetura brasileira moderna, com influência do [renomado arquiteto franco suíço] Le Corbusier, que resultou em uma cidade setorizada e planejada”, contou ele, que desde a década de 70 estuda a capital e hoje é um cidadão honorário da cidade.
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Segundo Pavani, a transferência dessa capital monumental para o centro do Brasil deu o empurrão que a região precisava para se desenvolver e explorar todo o seu potencial. “É visível a diferença entre a mancha populacional dos anos 40 e a de hoje. A população se deslocou fortemente para o interior. E, como esta é uma zona muito rica, as cidades cresceram muito, e rápido, atraindo rodovias, ferrovias, hotéis, escritórios, hospitais particulares, universidades, agricultura e pecuária”, disse.
Crescimento desordenado
O que ninguém esperava, no entanto, é que a cidade inventada no meio do Planalto Central se transformasse no que é hoje. Planejada para ter 600 mil habitantes dentro de uma década, a capital federal completa meio século com a quarta maior população do país.
“Queriam uma capital, mas talvez não quisessem uma metrópole. E foi isso o que aconteceu. O futuro chegou muito rápido. A cidade não foi planejada para tanta gente”, resumiu Pavani.
Ele destacou que desde o começo da construção de Brasília houve “um certo improviso” com a construção de Taguatinga e das cidades-satélites e a transferência da classe operária para a periferia da cidade. “Hoje, grandes massas ainda precisam se deslocar para o centro, o metrô está saturado, as linhas de ônibus não são suficientes, o trânsito está sobrecarregado. A cidade foi pensada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, sabidamente comunista, para ser igualitária, mas na prática isso não aconteceu”, analisou. “Houve um afluxo muito intenso de imigrantes que tornou o projeto inviável e aconteceu o que sempre acontece nas cidades: o centro é elitizado e as periferias recebem os pobres. É sempre assim. Brasília é uma cidade capitalista e não poderia ser diferente”.
Otaciano Nogueira, que acompanhou tudo desde o começo, lembrou como era viver na nova capital. “Pode não ter dado certo, mas era um projeto muito bem concebido e que podia ser compreendido por qualquer pessoa. Lúcio Costa traçou uma cruz e dividiu a cidade em leste, oeste, norte e sul. Tudo fazia sentido. Havia oito blocos iguais de apartamentos, onde as pessoas foram distribuídas sem levar em consideração a hierarquia. Um deputado morava no mesmo bloco de um subalterno. Eu morava em um deles.”
Para ele, o projeto inicial foi deturpado pelo crescimento desordenado e pela própria realidade da sociedade brasileira, que, fatalmente, distingue as pessoas pelo poder aquisitivo. “Eram poucos prédios, insuficientes para a quantidade de pessoas que chegavam à cidade, e não dava para construir mais apartamentos com a velocidade necessária. No período da ditadura, quando os militares começaram a agitar a capital para poder governar, os prédios foram se valorizando e acabaram vendidos por um preço muito alto, enquanto as pessoas deixavam o centro para morar fora, em lugares mais simples. Foi quando o centro foi invadido pelo luxo, a grandiosidade, a ostentação, o latifúndio. Chegaram os novos ricos. Começaram os prédios monumentais. Brasília se tornou uma cidade planejada que não tinha nada disso planejado”, contou.
“Havia uma percepção monumental da cidade, que no fundo não tinha nem um plano de habitação para a população comum. Não se previu que a cidade era habitável, acharam que seria puramente administrativa. As superquadras, esses imensos caixotes, eram bonitas por fora e completamente inadequadas por dentro. A cidade inteira repete o que acontece dentro dos prédios da Câmara e do Senado: milhares de anexos que são verdadeiros chiqueirinhos, que não correspondem à idealização artística proposta por Niemeyer e Lúcio Costa. É a contradição entre o à primeira vista e a realidade”, completou o professor Romano.
Corruptos de todos os cantos
A mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília também significou, para Otaciano Nogueira, “um grande retrocesso cultural”. “A distância dos grandes centros aumentou a alienação da população, que até hoje só se informa pela televisão. Naquela época não havia satélites, não havia notícias do Planalto, não havia comunicação. A capital só foi funcionar realmente a partir do regime militar. Demorou dez anos para eliminar as distâncias e realmente tornar o país muito mais unificado”, disse.
De acordo com ele, quando a capital ainda era no Rio, as pessoas se informavam mais e eram mais envolvidas nas questões políticas. “Eu lembro que naquela época as pessoas participavam pessoalmente dos debates. Hoje, quem vai ao Congresso? Quem é que aguenta as sessões plenárias transmitidas pela TV Senado? Hoje, você vota e três semanas depois não lembra mais em quem votou. Se a capital tivesse continuado no Rio, poderia ser diferente. Seria mais paroquial, mas também seria mais culto, engajado e politizado também”.
Já para Roberto Romano a mudança para o interior afastou os Três Poderes do convívio com as grandes massas. “No Rio, você tinha uma fiscalização da cidadania sobre Executivo, Legislativo e Judiciário, as lideranças populares atuavam. Do ponto de vista institucional, o resultado não foi positivo”, explicou.
Aldo Pavani, no entanto, discorda. Ele defende que a ida para Brasília não isolou o poder e que se a capital tivesse continuado no Rio o cenário político seria o mesmo. “O poder pode até se isolar no palácio, mas a população está viva. Todo dia tem greve, tem protesto. Brasília é uma cidade de protestos, e não é de agora”, disse.
Para o geógrafo, o Brasil é feito de grandes centros, que têm vida própria. “Por exemplo, veja o Maranhão, com José Sarney. Esses centros é que fazem o governo girar. E, claro, os corruptos de Brasília vieram de outros lugares, o que mostra que a capital não se fecha, nem a isso. O que existe aqui é um resumo do que existe Brasil afora”.