terça-feira, 20 de abril de 2010

Correio Popular de Campinas

(Jornal Correio Popular, 19 de abril de 2010)
Cidades
Apenas 6,8% das propostas de vereadores são projetos
Trabalho do Legislativo campineiro é pautado, principalmente, pela mediação das demandas da população junto a órgãos do Executivo
Milene Moreto
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
milene@rac.com.br

De cada cem propostas apresentadas pelos vereadores de Campinas ao longo de seus mandatos, menos de sete foram projetos de lei. A grande maioria da produção dos 33 parlamentares diz respeito a indicações de serviços públicos à Prefeitura, como pedidos de instalação de iluminação pública, pavimentação, paisagismo em praça, limpeza de bueiro e tapa-buracos. Um levantamento realizado nas duas últimas semanas pela Agência Anhanguera de Notícias (AAN) mostra que, do total de 92.684 propostas, 61.977 (67%) se referem a essas indicações, enquanto apenas 3.814 (6,8%) são projetos de lei, muitos deles autorizativos, copiados de outras câmaras e com vícios de iniciativa.

Dentro das 92.684 mil proposituras, estão as indicações, moções, projeto de decreto legislativo, projeto de lei complementar, projeto de lei ordinária, projeto de resolução, proposta de emenda à Lei Orgânica, protocolos e requerimentos. O levantamento feito pela AAN considerou a produção de todos os mandatos dos atuais vereadores em número absoluto.

Na análise do professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, o que ocorre hoje é que a sociedade brasileira adota a política da troca de favores. “É assim sobretudo com os vereadores, que estão em contato direto com a população, visitando os bairros e ouvindo as reclamações. O vereador é procurado para resolver essas demandas em troca do voto que recebeu”, afirmou.

Em contrapartida, Romano disse que o parlamentar quer mostrar obras e acha inútil fazer leis, por isso, a produção de projetos ainda é muito mais baixa. “Então, para agradar, os vereadores passam a criar o Dia do Judô, do Samurai, do Comerciante. A intenção é satisfazer a necessidade física e simbólica da população. Isso gera a simpatia do povo e a grande chance do político se reeleger.”

O professor ainda considera que, no Brasil, todas as questões são tratadas pelo Executivo e os cargos na Administração pública têm-se mostrado o objeto de desejo dos que hoje trabalham no Judiciário e Legislativo. “Não existe um vereador que não deite em seu travesseiro à noite e não sonhe em ser prefeito. Os políticos usam essas duas esferas do poder público como trampolim até chegar a ocupar um cargo no Executivo, que é onde as coisas acontecem”, afirmou Romano.

Linha direta

Os parlamentares atribuem o número elevado de indicações à demanda dos serviços públicos nos bairros. A dona de casa Isabel Cristina Dias dos Santos, de 44 anos, é um dos exemplos de moradores que se dizem cansados da morosidade dos órgãos da Prefeitura. Moradora da região do São Fernando e Itatiaia, ela pediu a interferência da Câmara para resolver um problema de sinalização de trânsito. “Eu pedi na Emdec, mas não obtive retorno. Depois, tentei diretamente com o vereador. Uma nova sinalização já foi feita e, mesmo assim, não é suficiente”, afirmou. Isabel disse que recorreu novamente à ajuda do Legislativo e que uma nova resposta já foi encaminhada a ela.

Para o presidente da Câmara, Aurélio José Cláudio (PDT), o grande volume de solicitações se deve à carência em infraestrutura e é parte integrante do trabalho de um vereador. “Todo vereador, quando é eleito, sabe que terá de conseguir determinadas benfeitorias para uma região e, isso, amparado pelo que rege a Constituição. O alto volume das indicações eu vejo também como uma questão cultural. A população tem o hábito de procurar aquele vereador eleito para apontar a deficiência do bairro”, disse Aurélio, que. apresentou 6.308 indicações em quatro mandatos e é autor de 135 projetos de lei.

A baixa produção de leis na Câmara de Campinas ainda é acompanhada por problemas recorrentes, como propostas autorizativas, que não têm força de lei e podem ser acatadas ou não pelo Executivo, e também com vícios de iniciativa, quando os vereadores querem criar legislações, por exemplo, que regulem a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) que não são de sua competência. No ano passado, foram 57 projetos de lei autorizativos. Aurélio acredita que mesmo as propostas autorizativas e com “um certo vício” acabam sendo benéficas para a sociedade. “De qualquer forma, esses projetos vão levantar um assunto e causar a discussão.”

Essa também é a opinião do vereador Biléo Soares (PSDB). “Não estou preocupado com a paternidade dos projetos, desde que eles levantem uma discussão e promovam um diálogo que traga bons resultados para os campineiros”, afirmou.

Biléo é responsável por 1.688 indicações e 145 projetos de lei. O tucano considera que é um instrumento de assessoria para o Executivo. “Mas eu prefiro fazer projetos de lei. No entanto, o vício de iniciativa é ruim porque o projeto pode até ir para frente e causar impactos negativos se chegar a ser sancionado.” O vereador disse ainda que está inovando nas indicações. “Eu agora coloco fotos dos locais que precisam de manutenção anexados. É uma forma de chamar mais atenção para o problema.”

As visitas constantes dos vereadores, sobretudo nas regiões periféricas de Campinas, é um dos fatores que faz com que eles absorvam as reclamações. Para Angelo Barreto (PT), o parlamentar é visto como aquele que cumpre a voz do povo no Executivo. “Para mim é uma missão. E é claro que eu divulgo esse trabalho na prestação de contas do meu mandato para mostrar que continuo merecendo a confiança da população. Não devemos ser hipócritas. O vereador é um servidor público que deve dedicar todo o seu tempo, inclusive sábados e domingos, para ouvir a população e é deste trabalho que as reclamações surgem.”

No entanto, a função do parlamentar, para Barreto, não é fazer a obra. “Se alguém disser que constrói calçada, precisa mostrar com que dinheiro está fazendo isso”, disse. O petista atacou os projetos de lei inócuos e inconstitucionais, mas que passam a imagem de que o vereador está atendendo a uma solicitação. Depois que a proposta não é aprovada, os parlamentares jogam a responsabilidade sobre o prefeito.

Em seu quinto mandato, Dário Saadi (DEM), responsável por 8.390 indicações e 371 projetos de lei, acredita que o parlamentar precisa de um trabalho que atinja a população e isso é feito tanto nas indicações como nas propostas de lei. “Não há como desvincular uma coisa da outra. Boa parte da sociedade conhece hoje as funções de um vereador. É claro que o volume de projeto de lei será menor. É mais complexo fazer essas propostas”, afirmou.

Leis aprovadas passam por filtro jurídico

A Prefeitura de Campinas possui, dentro da Secretaria de Assuntos Jurídicos, uma coordenação técnica que avalia as leis propostas pela Câmara. O secretário Antonio Caria Neto afirmou que é grande o número de projetos que são devolvidos com orientações jurídicas por não se adequarem ao que rege a Constituição. “Muitas vezes, na tentativa de atender a uma reclamação da população, os vereadores querem legislar no que não é de sua competência”, disse.

O chamado vício de iniciativa, para o secretário, é hoje um dos problemas mais graves. “A orientação que temos do prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT) é vetar esses projetos”, disse.

Um exemplo do tipo de problema que um projeto com vício de iniciativa pode trazer ao município é retratado na aprovação de uma lei, em 2003, durante o mandato da então prefeita Izalene Tiene (PT). A Lei 11.764, que alterou o zoneamento de Campinas, atingiu cerca de 3 mil proprietário de imóveis que passaram a ser considerados irregulares depois de uma Ação de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo Ministério Público (MP). O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou a lei inconstitucional. As alterações no zoneamento foram propostas pela Câmara e atingiram 33 regiões espalhadas pela cidade, 26 prédios já construídos e cinco obras em andamento num investimento que ultrapassou R$ 1 bilhão.

A representação foi feita na Procuradoria Geral de Justiça em São Paulo e pelo promotor do MP, em Campinas, Valcir Paulo Kobori, que pediu a anulação da legislação por vício de iniciativa — as alterações foram propostas pelo Legislativo, que não tem poder para alterar zoneamento —, por ferir o princípio de isonomia (tratar de forma diferente uma mesma região) e contrariar o Plano Diretor, aprovado em 2006. (MM/AAN)