quarta-feira, 21 de abril de 2010

IHU-Unisinos.

21/4/2010
Belo Monte. 'Alguém mentiu muito nessa história'

"Disparidade entre críticas do mercado e preço baixo do leilão é um espanto; alguém mentiu muito nessa história", escreve Vinicius Torres Freire, jornalista, no artigo "Belo Monte de estatais e surpresas", publicado no jornal Folha de S. Paulo, 21-04-2010.

Eis o artigo.

Como tem ocorrido nos leilões de concessões durante o governo Lula, a disputa da hidrelétrica de Belo Monte se encerra com as seguintes perguntas:

1) Quem mentiu a respeito dos preços, que não seriam convidativos para empresas privadas? Mentiu descaradamente, ressalte-se;

2) Se ninguém do mercado mentiu, há o risco de o consórcio vencedor pedir água e favores oficiais para terminar de construir a usina?;

3) Se as hipóteses anteriores forem rejeitadas, o que o governo ainda terá de oferecer ao consórcio vencedor de modo a garantir a construção da hidrelétrica?

O consórcio vencedor, o Norte Energia, foi aparentemente formado semanas antes do leilão. É composto de empresas com menos conhecimento e capital que o da concorrência, que contava com Vale, Andrade Gutierrez, Furnas e Eletrosul, faz anos envolvidos no projeto de Belo Monte e com interesses econômicos pesados na região.

O Norte Energia é liderado pela estatal Chesf, pelo Bertin e pela construtora Queiroz Galvão.

Mas a Queiroz Galvão pode sair do grupo. Podem entrar siderúrgicas.

Pode entrar a Braskem, de Odebrecht e Petrobras. A Odebrecht pode entrar como construtora. Os acertos a respeito da composição de fato do consórcio vencedor ainda eram discutidos na noite de ontem.

O Norte Energia venceu propondo tarifa de R$ 78 o megawatt-hora, quase o mesmo preço da energia das usinas do rio Madeira, leiloadas em 2007 e em 2008, menos complicadas em termos de logística, construção, problemas ambientais, sociais e outros. Odebrecht e Camargo Corrêa, megaempreiteiras que não rasgam dinheiro e experientes em usinas, acharam que a obra de Belo Monte era arriscada demais.

O preço máximo da energia, estipulado para o leilão era de R$ 83 o megawatt-hora. Tal preço já causava choro e ranger de dentes no mercado, para quem o preço deveria ser 50% maior. Além de vencer com deságio, o Norte Energia diz que fará a usina por menos do que o preço orçado, de uns R$ 19 bilhões. O mercado avaliava a obra em R$ 30 bilhões.

É verdade que Belo Monte é, desde o início, uma usina 50% estatal. O Norte Energia dizia já ontem à tarde que ainda vai propor sociedade a fundos de pensão de funcionários de estatais, comandados pelo governo.

Na verdade, o governo propôs tal coisa faz semanas, a fim de tornar viável um consórcio concorrente. Em suma, a usina vai ser paraestatal.

Além do mais, é provável que o BNDES entre com mais financiamento do que ofereceu às usinas do Madeira. Talvez com prazos maiores. Com juros menores, decerto.

Ainda assim, mesmo sendo uma usina paraestatal, com financiamento de pai para filho etc., o chororô do mercado ainda teria sido grande demais. Como o foi no caso das usinas do Madeira (Jirau e Santo Antônio).

Apenas vai se saber se o consórcio vencedor pode naufragar na construção de Belo Monte daqui a dois ou três anos. Ou perto de 2015, quando a parte da usina deveria entrar em operação. Até lá, vão permanecer as dúvidas sobre o motivo de tamanha disparidade entre o chororô do mercado sobre os preços estipulados pelo governo e o resultado espantoso do leilão.