Blog do Pannunzio
Política, economia, cultura segundo o jornalista Fábio Pannunzio
A foto que pode custar a derrota de Haddad
A foto acima bem poderia servir como o epitáfio da política
brasileira. Nem tanto por Haddad, um jovem cheio de qualidades e ainda
idealista que apenas agora se apresenta ao eleitorado. Na cena, ele
ocupa uma posição secundária. Análoga, aliás, à sua condição na campanha
que se inicia. Os dois protagonistas são mesmo Lula e Maluf.
“Donde qualquer coisa se espera, daí é que sai tudo mesmo!”, teria
dito o Barão de Itararé. A despeito da incredulidade dos que, até a
semana passada, juravam que Lula e Maluf eram como água e óleo.
Pois Lula conseguiu o prodígio de unir-se ao seu anverso, tangido
pela conveniência de consolidar a candidatura da qual é padrinho,
artífice e tutor. Era só o que faltava.
Ontem, no Band Eleições, Haddad estava com o semblante carregado, não
sorria como sorri sempre. E tinha motivos para estar alegre: finalmente
sua curva de popularidade fletiu, saiu do traço para iniciar uma
previsível ascensão, catapultando sua candidatura para um lugar onde se
espera que ela esteja. Mas não: havia mais motivos para preocupação do
que para qualquer tipo de comemoração.
No estúdio ele nos contou que o mote da campanha vai ser construído
em cima da palavra “novo”, um bordão que se encaixa bem com sua figura.
Mas o que dizer do “novo”que é avalizado por Paulo Maluf ? Que novidade é
essa ?
A novidade, ontem, era a sapituca de Luiza Erundina, que de “novo”
também não tem nada — além do fato de ter aceitado reconciliar-se com o
partido que a expulsou quando ela decidiu apoiar Itamar Franco. Depois
de declarar ao jornal O Globo que não aceitaria ser vice de uma chapa
apoiada por Maluf, Erundina desligou o telefone e desapareceu. Até o fim
da gravação do programa da Band, Haddad ainda não havia conseguido
falar com sua vice.
“Não se pode fulanizar essa questão”, disse o candidato do PT durante
a entrevista. Para ser lembrado em seguida por Fernando Mitre de que
quem fulanizou o problema foi Luiza Erundina. Para o candidato do PT à
prefeitura paulistana, a companhia indigesta de Maluf se justifica pela
necessidade de ampliar o arco de alianças que irá sustentar a
candidatura do PT. Mas ele repetia isso como quem pede desculpa, não com
a ênfase de quem ganhou um aliado importante.
Esta é a primeira eleição que o ex-ministro da Educação disputa.
Inexperiente, tem sido guindado a uma série intermivável de erros por
seu padrinho. É de Lula, e não de Haddad, que a militância crédula
precisa cobrar coerência. É a Lula que devem ser debitados todos os
problemas da estratégia petista, uma vez que ele se arroga maior que o
o partido e decidiu tomar as rédeas do processo.
Pode-se afirmar sem medo de errar que a própria candidatura Haddad é
produto da onipotência de Lula. O candidato natural, Marta Suplicy,
ficou na estrada quando ele interveio na disputa interna e sacou da
cartola o ex-ministro, repetindo a estratégia que adotara para inventar
Dilma Rousseff. Ao criar a “novidade”, o ex-presidente enfiou a
ex-prefeita no saco das velharias das quais convém dispor em nome de uma
suspeita renovação.
O que aconteceu a partir de então ? Marta Suplicy não aceitou o
desaforo. Desapareceu dos compromissos públicos de uma campanha que
deveria ser sua. Humilhada, não permitiu até hoje um registro como a
foto estampada no alto deste post.
Lula não esteve no ato em que foi selada a aliança com o PSB, mas fez
questão de ir à casa de Maluf para marcar a entrada do PP na Arca de
Noé petista. A ausência, confrontada com o entusiasmo evidente ao final
da conversa com o ex-prefeito e ex-governador paulista, ajuda a criar um
conjunto de símbolos muito representativo da decadência do PT como
partido ideológico.
Se já não há mais um ideal a defender, restou aos petistas como
alento um projeto de poder. Isso fica evidente nos últimos movimentos de
seu líder máximo. Para defendê-lo, Lula tem feito ginásticas
inimagináveis para um político experiente. A julgar pelas críticas que
vem recebendo da própria militância, pode-se bem traduzir esses
malabarismos por bobagens inexplicáveis.
As manobras de Lula têm funcionado como um forte elemento de
dispersão dentro e fora de seu partido. São desagregadoras, uma vez que
tiveram o condão de afastar uma militante da importância de Marta
Suplicy e uma aliada de última hora do quilate de Luiza Erundina. Ou
seja: provocaram perdas muito maiores do que o ganhou residual, que se
reduz a um tempo maior de exposição de seu candidato no horário
eleitoral.
Se vai dar certo ou não, o tempo e os eleitores dirão. A julgar pelos
humores do próprio Haddad e de seus assessores na noite de ontem, tudo
indica que o prejuízo é enorme. E significativo a ponto de impedir que a
primeira boa notícia da temporada — a saída do fosso das pesquisas
eleitorais — fosse abafada pela repercussão negativa do encontro
Lula-Maluf.Por enquanto, a cada movimento estabanado do ex-presidente
cria-se uma frustração entre próprios petistas. Só quem teve algo a
comemorar até agora foram seus adversários.
Pelo que se viu até aqui, teria sido melhor se Lula se conformasse
com seu papel de ex-presidente. Pelo menos estaria a salvo da chacota e
das críticas suscitadas pela evidente falta de racionalidade e limites. E
da responsabilidade de ter que explicar, no futuro, por que decidiu tão
enfaticamente sepultar as chances de vitória do candidato que ele mesmo
inventou.