Ustra é condenado por tortura e morte de jornalista na ditadura
O ex-chefe do DOI-Codi deverá pagar uma indenização de R$ 50 mil à família de Luiz Eduardo da Rocha Merlino
26 de junho de 2012 | 18h 03
Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O coronel reformado do Exército Carlos
Alberto Brilhante Ustra foi condenado pela Justiça de São Paulo a pagar
uma indenização de R$ 100 mil à família do jornalista Luiz Eduardo da
Rocha Merlino, morto sob tortura em 19 de julho de 1971 nas dependências
do DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações - Centro de
Operações de Defesa Interna), núcleo de repressão do regime militar
então sob comando do acusado.
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Fabio Motta/AE
'A condenação desrespeita a Lei de Anistia', disse o advogado de Ustra
A sentença é da juíza Claudia de Lima Menge, da 20ª Vara Cível da Capital. Cabe recurso.
É o primeiro revés do coronel Ustra no âmbito judicial. O Ministério
Público Federal, frequentemente, fustiga o militar, a ele atribuindo
torturas e mortes nos porões.
Ustra terá que pagar R$ 50 mil a Regina Maria Merlino Dias de
Almeida, irmã da vítima, e a Angela Maria Mendes de Almeida, sua
companheira.
"Evidentes os excessos cometidos pelo requerido (Ustra), diante dos
depoimentos no sentido de que, na maior parte das vezes, o requerido
participava das sessões de tortura e, inclusive, dirigia e calibrava
intensidade e duração dos golpes e as várias opções de instrumentos
utilizados", asssinala a juíza Claudia Menge. "Mesmo que assim não
fosse, na qualidade de comandante daquela unidade militar, não é
minimamente crível que o requerido não conhecesse a dinâmica do trabalho
e a brutalidade do tratamento dispensado aos presos políticos. É o
quanto basta para reconhecer a culpa do requerido pelos sofrimentos
infligidos a Luiz Eduardo e pela morte dele que se seguiu, segundo
consta, por opção do próprio demandado, fatos em razão dos quais, por
via reflexa, experimentaram as autoras expressivos danos morais."
Segundo Claudia de Lima Menge, o processo não guarda relação com a
Lei de Anistia, de 1979, por esta ser "de âmbito exclusivamente penal".
"Não é de olvidar, porém, que até mesmo a anistia assim referendada
pela Corte Suprema não está infensa a discussões, tendo em conta
subsequente julgamento proferido pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que o Brasil foi
condenado pelo desaparecimento de militantes na guerrilha do Araguaia,
enquadrados os fatos como crimes contra a humanidade e declarados
imprescritíveis", destaca a juíza.
Militantes do Partido Operário Comunista (POC), Merlino e Angela
Mendes de Almeida estavam na clandestinidade desde 1968. Em 1971, após
um período na França, o jornalista voltou ao Brasil. Em 15 de julho,
quando visitava a família em Santos, litoral paulista, foi levado preso
por agentes do DOI-Codi.
Segundo relatos de testemunhas, nas dependências do órgão Merlino
passou por severas sessões de tortura, que acarretaram sua morte quatro
dias depois. Companheiros de prisão, entre eles o ex-ministro da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República,
Paulo Vanucchi, que depôs perante a 20.ª Vara Cível de São Paulo,
afirmam tê-lo visto com evidentes sintomas de falta de circulação nas
pernas, consequência das horas no pau de arara.
A versão oficial para a morte de Merlino foi suicídio - ele teria se
jogado na frente de um carro quando era transportado ao Rio Grande do
Sul para reconhecer colegas militantes.
O advogado Paulo Alves Esteves, que defende o coronel Ustra, disse
que vai recorrer da sentença ao Tribunal de Justiça do Estado. "A
condenação desrespeita a Lei de Anistia", observou Esteves.