sexta-feira, 15 de junho de 2012
Longe da burrice brasileira
Enviado pelo amigo virtual Grozny Arruda
Grata!
Elitista? E por
que não? Sem elites exigentes, severas, não se processam renovações. Quando a
exigência é espirituosa, engraçada, sarcástica, é duplamente bem-vinda. Ivan
Lessa era irresistível, sobretudo quando resmungava tentando ser mal-humorado.Não deixou uma
obra extensa, mas distribuiu generosamente o seu engenho, suas percepções e seu
carinho a algumas gerações de jornalistas-escritores como ele. Não se
considerava jornalista, era mais do que isso: crítico intransigente, cultor do
esmero, carrasco do descaso e da ignorância. Alma-gêmea de Paulo Francis – se
imitavam mutuamente, até mesmo no timbre de voz abaritonada, quase de baixo,
musical.
Estava longe, mas
não ausente. Mario Sergio Conti, então diretor da revista piauí, conseguiu
trazê-lo ao Brasil há alguns anos para uma breve temporada; voltou correndo,
mais decepcionado com o que viu do que intuía. Sofreu muito, no
último ano foi obrigado a passar 15 horas diárias numa campana para respirar.
Emagreceu, não sentia mais sabores. O pior: percebia que estava sendo
esquecido, isso incomoda mais do que a falta de ar.
O exilado,
forçado ou voluntário, espera sempre uma retribuição. Oxalá saibam trazê-lo de
volta. Vai adorar.
Grata!
O texto do Alberto Dines é sublime. Fez-me lembrar a defesa que
uma dirigente administrativa da Universidade em que trabalho fez da
Reforma da Previdência da Dilma argumentando que essa reforma (sic)
aumentará a contratação de funcionários na Universidade. Ai. Para mim
essa reforma será o fim do funcionalismo público. Quem quererá morrer de
fome depois de se aposentar? Falta inteligência no Brasil.
O exilado: Ivan Lessa (1935-2012)
por Alberto Dines – 12.6.12
Acostumados pela
praga das ditaduras a considerar todos os desterrados como refugiados
políticos, eliminamos uma categoria inteira, especialíssima, dos autobanidos,
exilados voluntários. Tropa de elite sofrida, exigente, inconformada,
inovadora. Ivan Lessa foi um
deles. E está em excelente companhia: Ovídio, Sêneca, Dante, Camões, Rousseau,
Heine, Victor Hugo, Joyce, Nabokov [com os agradecimentos a Maria José Queiroz
pelo seu belo Os Males da Ausência, ou a Literatura do Exílio (Topbooks,
1998)]. Empurrado para
fora do país pela estupidez fardada, não se animou a retornar depois da
redemocratização simplesmente porque para ele a tal abertura não eliminou a
poderosa, arraigada, descomunal burrice entrementes institucionalizada – o
“bananão”. Foi um nostálgico
à sua maneira: queria de volta o magnífico Rio de Janeiro dos anos 1950 e 60.
Intacto e inteiro.
Colecionava
informações, vivências, mapas, filmografias, bibliografias, iconografias,
músicas, jingles, times de futebol, pessoas, rostos, parentescos, alcunhas,
dados históricos, atmosferas, modismos, passadismos. Sabia de cor o itinerário
de todas as linhas de ônibus e bondes de Copacabana para o centro – mesmo duas
décadas depois de deixar o país.Mas o que
perseguia com empenho, incansável, era a inteligência, a verve, o talento. Não
conseguiu recuperá-los nem reencontrá-los. Dizia que o tempo tem sido
implacável com o Brasil, as novas gerações canibalizam, sequer ruminam, não
devolvem. Em Londres, ao menos desfrutava das benesses da cultura cosmopolita,
sempre oxigenada.