Marco Antonio Villa
Supremo Tribunal, supremos problemas
Antes da posse, o ministro vai ao Senado. Só elogios. Une-se aí ao
empreguista STF, com 235 recepcionistas, vira celebridade. E "lê"
milhares de casos ao ano
Ao longo da história republicana, a atuação do Supremo Tribunal Federal
esteve, quase sempre, em desacordo com valores democráticos.
Em um país como o nosso, de uma enraizada cultura autoritária, a omissão
do STF foi perversa. Basta recordar o silêncio cúmplice com relação às
graves violações dos direitos humanos durante o Estado Novo e durante a
ditadura militar.
Em vez de o STF ser uma espécie de tribunal da cidadania, ele foi, neste
mais de um século de vida, um instrumento de desprezo da ordem
democrática. Fui também um elemento de reforço da impunidade, doença
maligna que permeia o cotidiano brasileiro.
A Constituição de 1988 atribuiu ao STF um conjunto de competências. Ele
foi transformado, na prática, em um tribunal de última instância, quando
a sua função deveria ser estritamente interpretar o texto
constitucional.
Assim, só em 2011 a Corte teve 102 mil decisões, das quais 89 mil foram
monocráticas, ou seja, tomadas por apenas um ministro. Dentre essas,
36.754 foram exclusivamente do presidente do STF.
Mesmo com a existência da súmula vinculante, causa estranheza que um só ministro tenha proferido tantas decisões.
Imagine o leitor que se um processo tenha, em média, cem folhas -algo
que, para os nossos padrões, caracterizado pela prolixidade, é
considerado curto- e que o presidente tenha julgado originalmente
somente um terço dos processos, cerca de dez mil, para facilitar as
contas. Ele teria de ler 1 milhão de folhas. Será que leu?
O STF tem muitos outros problemas. Um deles é a escolha dos ministros,
uma prerrogativa constitucional do presidente da República.
Cabe ao Senado aprová-la. As sabatinas exemplificam muito bem o descaso
com a nomeação. Todos são aprovados sem que se conheça o que pensam. São
elogiados de tal forma pelos senadores que fica a impressão que estão,
com antecedência, desejando obter a simpatia dos futuros ministros
frente a um eventual processo. Em síntese: as sabatinas são uma farsa e
desmoralizam tanto o Senado como o STF.
No Brasil, estranhamente, os ministros acabaram virando celebridades. Dão entrevistas a toda hora e sobre qualquer assunto.
Um deles chegou a "abrir sua casa" para uma reportagem e tirou uma foto
deitado na cama ao lado da sua esposa! Tem ministro poeta, outro é
empresário de ensino, tem ministro que foi reprovado em concurso para
juiz -duas vezes, e mesmo assim foi alçado ao posto maior da carreira,
mas sem concurso, claro-, tem ministro que chegou lá devido à sorte de
quem era vizinho da sua mãe. Pior ainda são aqueles que ficam alguns
anos como ministros e retornam à advocacia, usando como grife a passagem
pelo Supremo.
O STF padece também de um velha doença nacional: o empreguismo. São
quase 3.000 funcionários, entre efetivos e terceirizados. Não é
improvável que, se todos comparecerem no mesmo dia ao trabalho, as
instalações da Corte não sejam suficientes para abrigá-los.
Como são 11 ministros, a média é de 272 funcionários para cada um. E o
mais estranho são funcionários que não estão diretamente vinculados à
função precípua de julgar, como as 235 recepcionistas e os 403
seguranças -deve ser a Corte mais segura do mundo.
Essa estrutura custa para a União uma bagatela da ordem de R$ 500 milhões ao ano.
Um bom momento para o STF reencontrar a cidadania é o julgamento do
mensalão. Poderemos assistir como cada um dos 11 ministros vai agir.
Pode ser que, finalmente, a Corte rompa com seu triste passado de
conluio com o Executivo e seja um instrumento de defesa dos valores
democráticos.
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