domingo, 24 de junho de 2012

Marta Bellini.

domingo, 24 de junho de 2012

Mortes na Grécia


Gravura: Antoine Josse
·                   A morte de uma vítima do capitalismo

do site DIRETO DA REDAÇÃO

Meu nome era Antonios Perris, eu tinha 60 anos e era um músico grego. Durante duas décadas cuidei de minha mãe. Há três ou quatro anos ela sofre de Alzheimer e recentemente foi diagnosticada com esquizofrenia e outros problemas de saúde..  

Os asilos para idosos não aceitaram uma anciã com tantos problemas. Quando explodiu a crise, eu não estava preparado para enfrentá-la. Vendi todas as propriedades que tinha mas acabei sem nada para comer. Ontem, minha mãe e eu nos atiramos do terraço do quinto andar.

Antes de fazer isso, deixei no meu blog uma última pergunta a meus amigos poetas e músicos: Alguém conhece alguma solução? Se lhes escrevo agora já não é por mim nem por minha mãe, pois nós encontramos o descanso. Se lhes escrevo agora é por milhares de pessoas em seu país que estão passando por algo parecido ao que nós, gregos, estamos passando. Há uma solução para elas. E essa solução depende de vocês. Vocês podem e devem fazer isso. Para evitar que outros filhos e outras mães se atirem no espaço como minha mãe e eu fizemos. Já estão fazendo em seu país, mas as mortes não saem nos telejornais. Mas há vítimas. E uma outra maioria de vítimas segue viva e resistindo. Por elas e pela humanidade, senhor presidente, senhores ministros, deputados, façam alguma coisa urgentemente..

Não estou pedindo com a raiva ou o rancor que sentia por vocês ontem, pois a morte me liberou também disso. Se lhes peço, por favor, por dignidade, por respeito e porque é seu dever e podem fazê-lo. Sim, vocês podem. É muito simples. Há 350.000 famílias que foram despejadas em seu país desde que a crise começou a nos atormentar. Há milhares que estão sendo despejadas todo mês pelos mesmos bancos que vocês estão salvando com o dinheiro desses pobres que foram sacrificados durante anos e pagaram seu impostos. Agora essas pessoas nem isso podem fazer. São famílias sem trabalho, com crianças, com idosos, com enfermos. Façam por um momento esse esforço de imaginação, que sempre evitam, e pensem no que estão passando essas pessoas. Imaginem o que é ficar sem casa, ter medo e dormir sobresaltado por cada ruído que podem anunciar o despejo, a vergonha de que seus filhos vejam a polícia arrastando você para fora da sua casa, a vergonha de pedir asilo na casa de um amigo ou parente,  que podem estar  talvez  tão sufocados como você e os seus, e o que é pior, a humilhação de dormir na rua ou em um albergue...Não é preciso muito esforço para sentir-se mal só de pensar.

Pois façam com eles o mesmo que fizeram com os bancos. Obriguem os bancos a suspenderem os despejos. Obriguem os bancos a perdoar as dívidas hipotecárias e devolverem as casas que tomaram. E obriguem os bancos a alojar milhares de famílias que necessitam em casas que estão vazias à espera de negócios. Estabeleçam um aluguel razoável, estudem cada caso mas arranjem uma moradia para todos. Momentos de exceção como estes, exigem medidas de exceção como as que foram tomadas para resgatar os bancos. Resgatem as pessoas. Podem fazer isso porque o fizeram com os bancos.  Foram salvos sem que lhes tenham imposto condições. Nacionalizaram a entidade que executa 80% das hipotecas, estão dispostos a dar-lhes o que necessitem e dizem que necessitam de 15 bilhões. Este banco é nosso, criem vocês suas próprias normas,  salvem aos que necessitam. E façam isso logo. A vida de outros depende hoje de vocês.

Minha mãe já não era capaz de saber o que estava acontecendo. Mas vocês não têm Alzheimer, embora pareça algumas vezes que você  esqueceram onde deixaram sua conciência. Em meu leito de descanso, cheguei a crer por um momento que a têm. Por isso me atrevi a escrever estas linhas que podem parecer ingênuas, porque estamos construindo um mundo em que defender a justiça parece coisa de inocentes. Deixem-me este último sonho antes de pegar no sono eterno. Estendam as mãos aos que estão a ponto de lançar-se ao espaço. Façam alguma coisa.

Nota do editor.  Antonios Perris e a mãe dele morreram no último dia 24 de maio no bairro de Metaxourgeio, em Atenas. A notícia e seu bilhete de morte não foram divulgados pela mídia brasileira.