quarta-feira, 27 de junho de 2012

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de junho de 2012 a 01 de julho de 2012 – ANO 2012 – Nº 531

Organismos aquáticos
são usados na detecção de
contaminação por corantes

Pesquisadores da FT avaliam compostos
despejados por indústrias em rios e córregos

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Pesquisadores do Laboratório de Ecotoxicologia e Microbiologia Ambiental Prof. Dr. Abílio Lopes (LEAL), da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, instalada em Limeira, estão utilizando organismos aquáticos para identificar os impactos provocados pela presença de corantes em rios e córregos do Estado de São Paulo. Classificados como contaminantes emergentes, esses compostos trazem danos para a biota e representam um risco iminente para a saúde humana. “Mesmo em pequenas concentrações, esses corantes, muito utilizados pelas indústrias têxteis e de alimentos, entre outras, já causam efeitos adversos, como a morte e o atraso na regeneração de organismos aquáticos”, afirma a coordenadora do LEAL, professora Gisela de Aragão Umbuzeiro.
A linha de pesquisa, que conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi implantada há três anos, com a chegada da docente à Unicamp. “Eu trabalhei durante 22 anos na Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo]. Quando ainda estava lá, nós já identificávamos a presença de corantes em mananciais, mas até aquele momento ainda não havíamos associado esses compostos a efeitos adversos à biota. Somente após minha vinda para a Universidade, foi que pude dar prosseguimento às pesquisas iniciadas no pós-doutorado realizado nos Estados Unidos”, relata a professora Gisela.
De acordo com ela, os testes ecotoxicológicos realizados no laboratório têm demonstrado que alguns corantes são bastante tóxicos, pois causam efeitos deletérios, ainda que em pequenas concentrações. “Cerca de 100 microgramas de corante por litro de água já são suficientes para provocar, por exemplo, a morte de organismos como a pulga d’água, um microcrustáceo, e inibir o crescimento de algas de água doce, ambos de elevada importância dentro da cadeia trófica”, afirma a pesquisadora. Até aqui, o manancial mais trabalhado pela equipe do LEAL foi o Ribeirão dos Cristais, situado em Cajamar, cidade da Região Metropolitana de São Paulo.
Naquele local, conforme a professora Gisela, o problema relativo à saúde humana foi resolvido. “Assim que nós detectamos o lançamento de efluentes contaminados por corantes no manancial, a indústria foi notificada. Agora, a empresa de saneamento coleta os efluentes e os lança depois da estação de tratamento de água. Foi uma medida paliativa, visto que a questão ainda não está totalmente resolvida, pois o impacto ao ambiente persiste. Nós continuamos coletando amostras de água do ribeirão e observamos que os corantes seguem presentes”, diz. Recentemente, prossegue a pesquisadora, o mesmo trabalho foi iniciado na região de Americana, onde existe uma grande concentração de indústrias têxteis. “Estamos coletando amostras do Ribeirão Quilombo e do Rio Piracicaba. Preliminarmente, já constatamos a presença de corantes em alguns pontos. O próximo passo será identificá-los e quantificá-los”.
Além de formar recursos humanos qualificados, o grande objetivo do LEAL, conforme a sua coordenadora, é, a partir das avaliações de riscos, estabelecer valores seguros que possam preservar a biota e, consequentemente, a saúde da população. “Nós queremos dizer para a sociedade o seguinte: tais concentrações são aceitáveis, pois não representam risco para o ambiente ou o homem. Com isso, nossas autoridades também terão elementos para criar regulamentações que permitam estabelecer maior controle em torno desses contaminantes emergentes”, detalha a professora Gisela. Essa questão é importante, de acordo com ela, pois não é possível ao Brasil tomar por base leis de países desenvolvidos para adaptá-las à nossa realidade.
A pesquisadora destaca que o problema da contaminação da água por corantes ocorre principalmente em nações emergentes como Brasil, Índia e China, onde os tecidos são tingidos. “Os países ricos compram o tecido pronto. É aqui, onde a produção está concentrada, que parte das substâncias utilizadas para dar cor às roupas vai para os rios e córregos. Estou falando da indústria têxtil, por causa do grande volume de água utilizado pelo setor na fase de produção. Entretanto, outros segmentos, como o alimentício e o de cosmético, também fazem uso de corantes”, pontua a coordenadora do LEAL. A professora Gisela assinala que todo esse trabalho não seria possível sem a colaboração de outras instituições, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp-Araraquara e Botucatu) e a Universidade de São Paulo (USP). “Além disso, temos mantido parcerias com universidades do exterior, para onde enviamos nossos alunos para que ampliem a sua experiência e adquiram novos conhecimentos”, completa a coordenadora do LEAL.
Na opinião da pesquisadora, o melhor modo de enfrentar o problema da contaminação da água por corantes é agir no processo de tratamento de efluentes das indústrias. Os sistemas utilizados atualmente, segundo a professora Gisela, não foram desenhados para remover esses compostos. Normalmente, o que se faz é filtrar e/ou tratar os efluentes biologicamente e finalmente adicionar cloro para então lançá-los nos mananciais. “Isso não é suficiente. Ainda que, em alguns casos, a cloração faça com que a cor desapareça parcialmente da água, os contaminantes persistem. Ademais, tal procedimento pode gerar outros tipos de compostos ainda mais tóxicos do que os presentes originalmente nos efluentes”, alerta.
Justamente por causa dessa deficiência no tratamento dos efluentes, destaca a pesquisadora, é que o projeto desenvolvido pela sua equipe contempla também estudos sobre diferentes formas de remoção de contaminantes da água empregada no processo de produção industrial. “Estamos avaliando vários tratamentos, inclusive os oxidativos avançados, realizados por pesquisadores da Unesp de Araraquara. Nosso objetivo é verificar, através de ensaios, se a qualidade da água é pior com ou sem a cor. Vamos seguir nesse trabalho até que consigamos reduzir tanto a cor, quanto a toxicidade e a mutagenicidade. Em outras palavras, queremos chegar a um tratamento que seja eficaz. Dessa forma, estaremos contribuindo para proteger o ambiente e, consequentemente, a população”, reforça a docente da FT.
Mais recentemente, continua a professora Gisela, o LEAL introduziu na linha de pesquisa alguns organismos marinhos. A intenção dos pesquisadores é utilizá-los para avaliar a qualidade da água do mar e de estuários. A decisão decorre do fato de a costa brasileira ter uma importância muito grande em termos econômicos e sociais. “Esse trabalho, porém, é mais difícil de ser feito. É que os organismos marinhos vivem em um meio que contém sal, substância que interfere nas análises químicas e na solubilidade dos corantes. Trata-se de um grande desafio, que pretendemos superar com a qualificação da nossa equipe. Vários de nossos pós-graduandos estão realizando estágios em outras instituições, tanto dentro quando fora do Brasil, para que possamos aprender mais sobre estudos nessa área”.
Qualidade
Paralelamente a todo esse trabalho, o LEAL também está se preparando para adotar um sistema de qualidade que lhe permita receber um certificado de acreditação de acordo com a norma ISO/IEC17025. Ao atingir essa condição, o laboratório poderá prover dados inclusive para instituições estrangeiras interessadas em contratar testes ecotoxicológicos. “Na Europa, existe uma demanda grande por análises com organismos aquáticos”, informa a professora Gisela. Ademais, diz a pesquisadora, pesquisas realizadas a partir de ensaios feitos em laboratório acreditado ganham em credibilidade. “Nesse caso, os procedimentos dificultam condutas inadequadas ou fraudes, pois o controle é muito grande. Vale observar, porém, que o objetivo desse controle não é inibir a criatividade ou a iniciativa do pesquisador. Tudo pode ser feito, até protocolos podem ser mudados, desde obviamente que cada passo seja registrado”.
Tão importante quanto tornar o LEAL um laboratório acreditado, no entender da professora Gisela, é formar recursos humanos dentro de uma cultura de qualidade. “Penso que já alcançamos 40% do processo. Já criamos o arcabouço: providenciamos boa parte da documentação necessária e estabelecemos regras. O que nos falta, ainda, é implementar a garantia da qualidade, que vem por meio, por exemplo, da calibração de equipamentos e utilização de materiais de referência. Nesse esforço, estamos tendo completo apoio por parte da alta administração da Faculdade. Posteriormente, nossa intenção é levar essa experiência para os demais laboratórios da FT. Trata-se de um projeto audacioso, mas que pode ser plenamente alcançado. Para atingir essa meta, vamos precisar da colaboração da Universidade, visto que são processos que exigem investimentos significativos”, considera.

Publicações
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