Os rumos do capitalismo
André Lara Resende
André Lara Resende
Valor, 01/09/2012
O
mundo moderno é muito complexo para ser reduzido a uma fórmula, uma
condenação ou uma solução. Deve ser observado sem arroubos de entusiasmo
ou de indignação“ - Raymond Aron
É
pouco provável que antes da crise financeira de 2008 a proposta de
analisar os novos rumos do capitalismo fosse capaz de atrair público.
Desde o fim dos anos 1980, depois da queda do Muro de Berlim, o sucesso
da economia capitalista globalizada, com a incorporação da China
transformada em nova locomotiva, não deixava dúvida: as modernas
economias de mercado eram incomparáveis na sua capacidade de criar
riqueza, estimular o progresso tecnológico e garantir o crescimento.
Onde há consenso, o debate, a análise, não desperta interesse. Toda
unanimidade é burra, costumava repetir Nelson Rodrigues. Mas não só as
economias, também as convicções são cíclicas.
O
termo “capitalismo” data do fim do século XIX. A expressão “o
capitalista”, como referência ao dono do capital, aparece antes, já no
início do século XIX, utilizada por autores como David Ricardo e outros,
mas “o capitalismo”, como um sistema de organização social e econômica,
foi cunhado por seus críticos – o mais famoso deles, evidentemente,
sendo Karl Marx, em “O Capital”, de 1867. Muitos outros, anarquistas e
socialistas, como Pierre-Joseph Proudhon e Werner Sombart, utilizaram o
termo para definir uma forma de organização econômica e social, em que a
produção e a distribuição de bens e serviços são de propriedade privada
e têm fins lucrativos, ou seja, visam a acumulação de capital.
O
capitalismo, em várias vertentes, é dominante no mundo ocidental, desde
o fim do feudalismo medieval. Inicialmente, sua versão primitiva,
mercantilista, baseada no comércio, foi estimulada pelas oportunidades
que se abriram com o avanço da navegação e as descobertas do Novo Mundo.
Só com a Revolução Industrial do século XIX, quando surge o mercado de
trabalho assalariado, o capitalismo adquire as características que seus
críticos do fim daquele século – Marx, sobretudo – lhe atribuem. O fato
de o termo ter sido cunhado por seus críticos lhe confere uma conotação
negativa, atenuada ao longo do tempo, mas que ainda hoje não deixa de
suscitar polêmica.
O
sistema de preços determinados nos mercados, pela interação da oferta e
da demanda, é um dos elementos do capitalismo moderno, mas o
capitalismo, nas suas várias formas, não se confunde com o mercado
competitivo, que é uma abstração conceitual, um idealtipo. As economias
capitalistas observadas na prática, desde o século XIX até hoje, não são
homogêneas. Formas muito distintas de organização econômica, tanto em
termos de distanciamento do idealtipo competitivo, quanto em relação à
propriedade exclusivamente privada do capital, são qualificadas como
capitalistas. Daí os inúmeros apostos qualificativos – como mercantil,
industrial, monopolista, de Estado, financeiro, corporativo – comumente
encontrados quando se fala em capitalismo.
Desde
sua introdução com Marx, no fim do século XIX, até o último quarto do
século XX, e a derrocada do comunismo soviético, o termo capitalismo
esteve sempre associado a uma conotação crítica. Durante quase todo o
século XX, a visão progressista dominante sustentou que o capitalismo,
embora criador de riquezas, era intrinsecamente injusto, estimulador das
desigualdades e desagregador. Por estar baseado na exploração do
trabalho, transformado em mercadoria, conduzia à luta de classes, à
deterioração da vida comunitária e do espírito público. Mas essa nem
sempre foi a visão intelectualmente dominante. A partir do fim do século
XVI, durante todo o século XVII e parte do século XVIII, a atividade
mercantil – na época ainda não chamada de capitalismo – foi vista como
um fator altamente positivo e civilizatório.
Como
sustenta Albert Hirschman em “Rival Views of Market Society”, de 1986, a
ideia de que o interesse individual, em contraposição às paixões, é
socialmente positivo, aparece no fim do século XVI. O duque de Rohan, em
“On the Interest of Princes and States”, defende a tese de que o
interesse econômico do príncipe, perseguido de forma racional, com
prudência e moderação, serve melhor ao interesse comum, ao bem de todos,
do que a sociedade deixada ao sabor das paixões, da busca da glória
pessoal, de acordo com o ideal heróico medieval. A busca, metódica e
ordenada, do interesse econômico individual passou a ser vista como
amplamente preferível às ações dirigidas pelas paixões, violentas,
desordenadas e imprevisíveis.
Na
época, a tese progressista era de que o comércio, conduzido pelos
interesses individuais, em busca de ganhos materiais, serviria de freio
mais eficiente ao comportamento passional, do que o tradicional apelo à
religião, ao dever e à moral. O comércio era visto como elemento
civilizador, tanto para os senhores, como para seus súditos. “Le doux
commerce”, percebido como indutor do contato entre estrangeiros,
estimulador da moderação e da probidade, entre outras virtudes.
A
valorização do interesse econômico, em contraponto à paixão, ajudou a
legitimar a atividade comercial. Levou à valorização da vida privada,
que, desde o mundo clássico até a Renascença, sempre esteve relegada ao
nível mais baixo da hierarquia das atividades humanas. A valorização da
vida privada, por sua vez, permitiu o aumento do consumo pessoal, que se
transformou em elemento-chave do dinamismo capitalista da modernidade.
A
valorização intelectual da busca do interesse econômico individual
atingiu seu ápice com o Iluminismo escocês, ainda no século XVIII. O
fascínio pela a ideia da busca dos interesses indiviuais como elemento
de civilização e progresso, levou à formulação da tese da “mão
invisível” de Adam Smith. Perseguir interesses individuais seria não
apenas racional, como também a melhor forma de atender ao interesse
público. O bem-estar de todos estará mais bem atendido se perseguido de
forma indireta. Em paralelo, surge a valorização do homem médio, do
“middle rank”, do pequeno comerciante, do pequeno empresário, que na
segunda metade do século XIX, quando os ventos intelectuais já tinham
mudado, são pejorativamente designados de “os burgueses” por Marx.
Os
primeiros sinais da mudança dos ventos das ideias aparecem no início do
século XIX. Com a Revolução Industrial, os interesses econômicos se
tormam dominantes. Surge então o lamento nostálgico pelo “mundo que
perdemos”, bem expresso por Edmund Burke: “The age of chivalry is gone,
that of sophisters, economists and calculators has succeeded, and the
glory of Europe is gone forever”. Numa reversão surprendente, a
sociedade feudal, que era vista como “rude e bárbara”, sempre ameaçada
pelas paixões de tiranos violentos, passou a ser vista com nostalgia,
baseada em valores como a honra, o respeito, a confiança e a lealdade.
Valores sem os quais a sociedade movida pelos interesses individuais não
poderia funcionar, mas que haviam sido erodidos por ela.
A
nostalgia do mundo perdido abre caminho para os novos críticos, mais
duros, da sociedade capitalista. A crítica deixa de ser cultural,
nostálgica. Passa a denunciar a capacidade destrutiva, desagregadora,
das novas forças liberadas numa sociedade integralmente movida pelos
interesses materiais. Assim como a valorização dos interesses
individuais e do comércio atingiu seu ápice com David Hume e Adam Smith,
a mudança de rumo dos ventos intelectuais, a partir do fim do século
XVIII, culminou com Karl Marx, na segunda metade do século XIX.
Do
fim do século XIX até o último quarto do século XX, a crítica marxista
foi intelectualmente predominante. A alternativa marxista ao capitalismo
– a revolução proletária e a socialização dos meios de produção – pode
ter permanecido sempre polêmica, mas a crítica marxista influenciou de
forma decisiva os rumos do capitalismo no século XX.
De forma esquemática, a crítica marxista ao capitalismo tem quatro vertentes:
1.
A econômica, segundo a qual o sistema seria instável, sujeito a crises
recorrentes, até a crise final, que abriria espaço para a alternativa
socialista.
2.
A social, segundo a qual o sistema seria injusto, baseado na exploração
do trabalho assalariado, levaria à concentração da renda e seria
incapaz de erradicar a pobreza, pois ela exerce o papel funcional de
“exército industrial de reserva”.
3.
A política, segundo a qual a democracia capitalista é uma impostura. A
alienação cultural impediria os trabalhadores de comprender que não há
interesses comuns, mas sim interesses de classes, que não podem ser
reconciliados na democracia representativa capitalista.
4.
A cultural, segundo a qual o sistema levaria à alienação dos
trabalhadores em relação aos seus verdadeiros objetivos. No capitalismo,
a sociedade é consumista, egoísta e alienada.
Ao longo do século XX, a crítica marxista, sempre como referência, foi sendo gradualmente enfraquecida.
A
crítica econômica foi desacreditada pela receita de John Maynard
Keynes, na “Teoria Geral da Renda e do Emprego”, de 1936. Formulada
depois da Grande Crise dos anos 1930, foi refinada durante os anos 50 e
60, até culminar com a chamada “síntese macroeconômica” dos anos 80. A
fórmula para evitar as grandes flutuações macroeconômicas das economias
capitalistas havia sido encontrada. A receita era ter a dívida pública
sob controle, uma política fiscal contracíclica, uma política monetária
pautada por metas inflacionárias e a taxa de cambio flutuante. Nas
últimas décadas do século XX, consolidou-se a impressão de que os ciclos
macroeconômicos haviam sido finalmente eliminados. Uma nova era, “A
Grande Moderação”, havia chegado, com a descoberta do remédio para a
instabilidade crônica da economia capitalista.
A
crítica social foi aplacada pelas reformas tributárias, trabalhistas e
sociais do pós-Segunda Guerra. Em todo o mundo ocidental, principalmente
na Europa, foi criada uma rede de proteção trabalhista e de assistência
social, através do significativo aumento da participação do Estado na
economia. A economia capitalista do “Welfare State” parecia ter
respondido à crítica social do capitalismo, sem necessidade de
suprimi-lo.
A
crítica política à democracia representativa capitalista foi
desmoralizada pelo autoritarismo, pela violência oficial e pela falta de
liberdades cívicas dos regimes comunistas. A começar pelo soviético,
mas também pelo dos seus satélites no Leste Europeu, assim como em Cuba,
na China e em toda parte onde o comunismo de inspiração marxista foi
instaurado.
A
crítica cultural, primeiro rompeu com a ortodoxia marxista, através da
chamada Escola de Frankfurt, do Institute for Social Research, fundado
na década de XX, por onde passaram pensadores como Max Hockheimer,
Theodor Adorno, Erich From, Herbert Marcuse e, mais recentemente, Jürgen
Habermas. Depois se distancia definitivamente do marxismo e se confunde
com a crítica da modernidade, como é o caso do filósofo polonês Lesleck
Kolakowski, com “Modernity on Endless Trial” (1990), do historiador
americano Daniel J. Boorstin, com o brilhante e pioneiro “The Image: A
Guide to Pseudo-events in America” (1961), cuja temática é retomada
pelos franceses Guy Debord, em “La Société du Spetacle” (1967) e Jean
Baudrillard, em La Société de Consommation” (1970) e “Simulacres et
Simulation” (1981).
De
forma progressiva, tanto intelectualmente quanto na prática, a crítica
marxista foi perdendo força, até ser completamente marginalizada com a
derrocada da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e a adesão da
China ao capitalismo mundial. Nas duas décadas, desde o final dos anos
1980 até a crise de 2008, o sucesso da economia globalizada parecia ter
enterrado definitivamente a crítica marxista. Todo um conjunto de
ideias, que serviu de pano de fundo para o grande debate intelectual e
para a revisão do capitalismo do século XX, parecia ter sido relegado à
história do pensamento. Uma nova visão hegemônica teria se consolidado: o
que se pode chamar de o otimismo do capitalismo tecnológico. Os
extraordinários avanços da tecnologia, estimulados pela competição
capitalista de um mundo globalizado, abririam novas e inimagináveis
possibilidades.
O
quadro mudou com a crise de 2008. A “Grande Moderação”, conquistada com
a aplicação da “Síntese Macroeconômica”, revelou-se um equívoco. A
sofisticação dos mercados financeiros, com o desenvolvimento dos
mercados virtuais, dos chamados “derivativos”, que em tese deveria ter
sido capaz de reduzir ou dispersar riscos, mostrou-se apenas mais uma
forma de exponenciar o endividamento e a alavancagem. Uma alavancagem
impermeável aos olhos, não apenas das autoridades reguladoras, mas
também aos olhos dos próprios dirigentes das instituições que a
utilizavam.
Quando
a crise eclodiu, a escala das instituições financeiras globalizadas
obrigou os governos nacionais a socorrê-las. Evitou-se um grande
colapso, mas à custa de um aumento expressivo da dívida pública e do
passivo dos bancos centrais. Em alguns casos, como na Islândia e na
Grécia, o endividamento público superou o limite tolerável e levou à
quebra do Estado. Na Europa, a crise bancária está temporariamente
reprimida pelo financiamento do Banco Central Europeu de Mario Draghi
aos bancos centrais nacionais. Mas ainda ameaça o euro e a própria União
Europeia.
Os
Estados Unidos, favorecidos pela condição de emissores da moeda reserva
mundial, foram capazes de reagir de forma mais radical em relação à
atuação do seu banco central. Desde 2008, o Fed expandiu de forma
agressiva seu passivo e monetizou grande parte do aumento do
endividamento público decorrente do socorro ao setor financeiro. A lição
aprendida com a crise dos anos 1930 permitiu que uma nova Grande
Depressão fosse evitada. Em contrapartida, a economia americana continua
excessivamente endividada. Parte do excesso de dívida privada foi
transferido para o setor público, mas o endividamento total, público e
privado, continua excessivo.
A
depressão tem custos intoleráveis, mas, com a quebra generalizada,
elimina-se o excesso de endividamento e abre-se a porta para um novo
ciclo de expansão. Ao evitar-se a quebra, impede-se a redução,
catastrófica, mas natural, do excesso de dívidas que precisam ser
digeridas, antes que o consumo e o investimento possam retomar fôlego.
Troca-se um fim horroroso por um horror sem fim.
Diante
desse impasse, o autor a ser reestudado é com certeza Joseph
Schumpeter. Economista austro-húngaro, com longa carreira na academia e
no setor público, primeiro na Europa e depois na academia americana,
Schumpeter é o grande teórico dos ciclos econômicos. Já nos anos 1930,
era crítico em relação à excessiva formalização matemática da teoria
econômica. Segundo ele, a tentativa de mimetizar as ciências naturais,
em nome do rigor metodológico, resultava na incapacidade de compreender a
economia como um fenômeno social. Defensor entusiasmado do capitalismo e
da fecundidade do espírito empresarial – do “entrepreneur” – enfatizou a
importância da “destruição criativa” do capitalismo como mola
propulsora dos avanços em todas as esferas da sociedade. É provável que,
ao se domesticar o capitalismo, ao controlar artificialmente suas
forças cíclicas naturais, pode-se ter esclerosado grande parte de suas
virtudes, de sua força criativa e renovadora.
A
economia americana continua estagnada. Assim como o Japão está
estagnado há mais de 15 anos, depois do fim de uma bolha imobiliária, os
Estados Unidos também deverão ficar estagnados até que o excesso de
dívida seja digerido. A China foi capaz de sustentar altíssimas taxas de
crescimento, mesmo depois da crise de 2008. Serviu de locomotiva,
principalmente para os países exportadores de matérias-primas, como o
Brasil, e impediu que a economia mundial como um todo estagnasse, mas já
há sinais de que economia chinesa está em processo de desaceleração.
Quatro
anos depois do inicio da crise, ainda não há solução à vista. Não há
nem mesmo consenso sobre como proceder. O debate, hoje, tanto na Europa
quanto nos Estados Unidos, parece estar polarizado entre o imperativo
contraditório de manter o endividamento público sob controle e relançar o
crescimento, através do estímulo keynesiano de mais gastos públicos. A
ortodoxia fiscal é defendida primordialmente pelos republicanos nos
Estados Unidos e pela Alemanha na Europa. A política fiscal anticíclica
keynesiana é defendida pelos democratas nos Estados Unidos e pela França
de François Hollande.
À
primeira vista, crescer parece ser a solução. O crescimento reduz o
valor relativo das dívidas. Sem crescimento, ao contrário, as dívidas
nunca serão digeridas. A lógica sugere que não se deve tentar controlar a
dívida pública enquanto a economia está estagnada, pois o resultado é
uma política fiscal pró-cíclica, que pode levar à queda da renda e ao
agravamento da relação entre a dívida pública e o produto.
Ocorre
que a terapia keynesiana foi concebida para a economia que passou pela
depressão e eliminou o excesso de dívidas, para a economia que está
paralisada, mas pronta para reagir ao estímulo dos gastos
governamentais. Os gastos públicos funcionam então como um motor de
arranque, capaz de relançar o consumo e o investimento, numa economia
devastada pelas quebras generalizadas. O aumento dos gastos públicos é
questionável numa economia ainda com excesso de dívidas públicas e
privadas. Consumidores sobre-endividados poupam toda renda adicional
para reduzir suas dívidas. Governos sobre-endividados, que gastam mais
do que arrecadam, correm o risco de perder a credibilidade e não serem
mais capazes de refinanciar suas dívidas. Uma verdadeira sinuca de bico.
A
aplicação do remédio keynesiano é hoje questionável. A possibilidade de
que estejamos próximos de duas restrições, que eram ainda distantes nos
anos 1930, exige, efetivamente, repensar os rumos do capitalismo. A
primeira é o limite do tolerável – no sentido de não vir a se tornar
disfuncional – da participação do Estado na economia. Em toda parte, até
mesmo onde o capitalismo nunca foi seriamente questionado, como nos
Estados Unidos, houve, ao longo de todo o século XX, sistemático aumento
da carga fiscal e da participação do Estado na renda nacional. As
respostas, tanto para a crítica econômica – da instabilidade intrínseca –
quanto para a critica social – da desigualdade crônica – ao
capitalismo, levaram ao aumento da participação do Estado na economia.
A
segunda nova restrição é a proximidade dos limites físicos do planeta. É
evidente que não será possível continuar indefinidamente com a série de
ciclos de expansão do consumo material, alimentado pela turbina do
crédito, até uma nova crise, que só se resolve com mais crescimento. A
menos que haja uma radical mudança tecnológica, será preciso encontrar a
fórmula do aumento do bem-estar numa economia estacionária. A mudança
tecnológica não parece provável, pois a questão do ambiente é um caso
clássico de bens públicos, que o mercado não precifica de forma correta.
Pode-se dizer que os problemas do capitalismo são decorrentes do seu
sucesso. As respostas desenvolvidas para aplacar as críticas, quanto à
instabilidade intrínseca e à injustiça social, levaram a um
extraordinário aumento do consumo material e da participação do Estado
na renda.
Duas
críticas, uma à direita e outra à esquerda, depois de um longo período
em que ficaram abafadas pelo sucesso do capitalismo de massas, merecem
ser reavaliadas. A primeira, à direita, a da chamada Escola Austríaca, é
quanto ao risco do aumento crônico da intermediação do Estado na
economia. Um de seus expoentes, Hayek, tem sido recentemente contraposto
a Keynes na questão das políticas anticíclicas, mas esta não me parece
sua contribuição relevante. É no seu papel de defensor do mercado, como
insuperável transmissor de informação e estimulador da criatividade, que
se pode encontrar a mais coerente e fundamentada análise dos riscos
econômicos e sociais do aumento do papel do Estado.
A
crítica à esquerda é quanto ao risco do consumismo. A tese da alienação
consumista permeia a crítica cultural do capitalismo de massas, desde a
Escola de Frankfurt, até os novos teóricos da sociedade do espetáculo.
Já
há, neste curto período desde a crise de 2008, sinais de que a crítica
cultural ao capitalismo será retomada. Dois livros recém-lançados
questionam o capitalismo como uma troca faustiana – “How Much is
Enough”, de Robert e Edward Skidelsky, e “What Money Can’t Buy”, de
Michael Sandel. Ao transformar todas as esferas da vida numa questão de
cálculo financeiro, ganhamos capacidade de criar riqueza, mas, em
contrapartida, nos tornamos insaciáveis. A busca desenfreada por
crescimento econômico, por mais consumo material, nos levou a esquecer
de por que queremos mais. Mais consumo material tornou-se um objetivo em
si mesmo. Sandel sustenta que a comercialização de algumas esferas da
vida corrompe seu significado. Ecos da crítica marxista à
“commoditização” e à alienação capitalista. Robert e Edwar Skidelsky
sustentam que o capitalismo moderno levou ao esquecimento do que o mundo
clássico definiu como “The Good Life”.
Será
preciso superar o fosso profundo do preconceito ideológico – enraizado
por um século de debate rancoroso – para encontrar a síntese dessas duas
vertentes críticas e encontrar respostas para o que me parecem as duas
grandes questões de nosso tempo. Primeiro, como reduzir a disparidade
dos padrões de vida, sem continuar a aumentar a intermediação do Estado e
restringir as liberdades individuais. Segundo, como reverter o
consumismo, a insaciabilidade material, sem reduzir a percepção de
bem-estar. São grandes desafios, sem dúvida. A competição capitalista
parece-me imprescindível para que seja possível encontrar as respostas
aos problemas criados pelo seu sucesso. Só a
pluralidade das ideias, que foi capaz de desmistificar todo tipo de
autoritarismo, seja o religioso, o fundamentalista ou o ideológico, e
criar a cultura da automomia do indivíduo, será capaz de fazer a revisão
cultural que as circunstâncias exigem, sem sacrificar as conquistas do
Iluminismo.