segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Enviado pelo amigo Alvaro Caputo.


 


Os rumos do capitalismo

André Lara Resende
André Lara Resende
André Lara Resende
Valor, 01/09/2012
O mundo moderno é muito complexo para ser reduzido a uma fórmula, uma condenação ou uma solução. Deve ser observado sem arroubos de entusiasmo ou de indignação - Raymond Aron
É pouco provável que antes da crise financeira de 2008 a proposta de analisar os novos rumos do capitalismo fosse capaz de atrair público. Desde o fim dos anos 1980, depois da queda do Muro de Berlim, o sucesso da economia capitalista globalizada, com a incorporação da China transformada em nova locomotiva, não deixava dúvida: as modernas economias de mercado eram incomparáveis na sua capacidade de criar riqueza, estimular o progresso tecnológico e garantir o crescimento. Onde há consenso, o debate, a análise, não desperta interesse. Toda unanimidade é burra, costumava repetir Nelson Rodrigues. Mas não só as economias, também as convicções são cíclicas.
O termo “capitalismo” data do fim do século XIX. A expressão “o capitalista”, como referência ao dono do capital, aparece antes, já no início do século XIX, utilizada por autores como David Ricardo e outros, mas “o capitalismo”, como um sistema de organização social e econômica, foi cunhado por seus críticos – o mais famoso deles, evidentemente, sendo Karl Marx, em “O Capital”, de 1867. Muitos outros, anarquistas e socialistas, como Pierre-Joseph Proudhon e Werner Sombart, utilizaram o termo para definir uma forma de organização econômica e social, em que a produção e a distribuição de bens e serviços são de propriedade privada e têm fins lucrativos, ou seja, visam a acumulação de capital.
O capitalismo, em várias vertentes, é dominante no mundo ocidental, desde o fim do feudalismo medieval. Inicialmente, sua versão primitiva, mercantilista, baseada no comércio, foi estimulada pelas oportunidades que se abriram com o avanço da navegação e as descobertas do Novo Mundo. Só com a Revolução Industrial do século XIX, quando surge o mercado de trabalho assalariado, o capitalismo adquire as características que seus críticos do fim daquele século – Marx, sobretudo – lhe atribuem. O fato de o termo ter sido cunhado por seus críticos lhe confere uma conotação negativa, atenuada ao longo do tempo, mas que ainda hoje não deixa de suscitar polêmica.
O sistema de preços determinados nos mercados, pela interação da oferta e da demanda, é um dos elementos do capitalismo moderno, mas o capitalismo, nas suas várias formas, não se confunde com o mercado competitivo, que é uma abstração conceitual, um idealtipo. As economias capitalistas observadas na prática, desde o século XIX até hoje, não são homogêneas. Formas muito distintas de organização econômica, tanto em termos de distanciamento do idealtipo competitivo, quanto em relação à propriedade exclusivamente privada do capital, são qualificadas como capitalistas. Daí os inúmeros apostos qualificativos – como mercantil, industrial, monopolista, de Estado, financeiro, corporativo – comumente encontrados quando se fala em capitalismo.
Desde sua introdução com Marx, no fim do século XIX, até o último quarto do século XX, e a derrocada do comunismo soviético, o termo capitalismo esteve sempre associado a uma conotação crítica. Durante quase todo o século XX, a visão progressista dominante sustentou que o capitalismo, embora criador de riquezas, era intrinsecamente injusto, estimulador das desigualdades e desagregador. Por estar baseado na exploração do trabalho, transformado em mercadoria, conduzia à luta de classes, à deterioração da vida comunitária e do espírito público. Mas essa nem sempre foi a visão intelectualmente dominante. A partir do fim do século XVI, durante todo o século XVII e parte do século XVIII, a atividade mercantil – na época ainda não chamada de capitalismo – foi vista como um fator altamente positivo e civilizatório.
Como sustenta Albert Hirschman em “Rival Views of Market Society”, de 1986, a ideia de que o interesse individual, em contraposição às paixões, é socialmente positivo, aparece no fim do século XVI. O duque de Rohan, em “On the Interest of Princes and States”, defende a tese de que o interesse econômico do príncipe, perseguido de forma racional, com prudência e moderação, serve melhor ao interesse comum, ao bem de todos, do que a sociedade deixada ao sabor das paixões, da busca da glória pessoal, de acordo com o ideal heróico medieval. A busca, metódica e ordenada, do interesse econômico individual passou a ser vista como amplamente preferível às ações dirigidas pelas paixões, violentas, desordenadas e imprevisíveis.
Na época, a tese progressista era de que o comércio, conduzido pelos interesses individuais, em busca de ganhos materiais, serviria de freio mais eficiente ao comportamento passional, do que o tradicional apelo à religião, ao dever e à moral. O comércio era visto como elemento civilizador, tanto para os senhores, como para seus súditos. “Le doux commerce”, percebido como indutor do contato entre estrangeiros, estimulador da moderação e da probidade, entre outras virtudes.
A valorização do interesse econômico, em contraponto à paixão, ajudou a legitimar a atividade comercial. Levou à valorização da vida privada, que, desde o mundo clássico até a Renascença, sempre esteve relegada ao nível mais baixo da hierarquia das atividades humanas. A valorização da vida privada, por sua vez, permitiu o aumento do consumo pessoal, que se transformou em elemento-chave do dinamismo capitalista da modernidade.
A valorização intelectual da busca do interesse econômico individual atingiu seu ápice com o Iluminismo escocês, ainda no século XVIII. O fascínio pela a ideia da busca dos interesses indiviuais como elemento de civilização e progresso, levou à formulação da tese da “mão invisível” de Adam Smith. Perseguir interesses individuais seria não apenas racional, como também a melhor forma de atender ao interesse público. O bem-estar de todos estará mais bem atendido se perseguido de forma indireta. Em paralelo, surge a valorização do homem médio, do “middle rank”, do pequeno comerciante, do pequeno empresário, que na segunda metade do século XIX, quando os ventos intelectuais já tinham mudado, são pejorativamente designados de “os burgueses” por Marx.
Os primeiros sinais da mudança dos ventos das ideias aparecem no início do século XIX. Com a Revolução Industrial, os interesses econômicos se tormam dominantes. Surge então o lamento nostálgico pelo “mundo que perdemos”, bem expresso por Edmund Burke: “The age of chivalry is gone, that of sophisters, economists and calculators has succeeded, and the glory of Europe is gone forever”. Numa reversão surprendente, a sociedade feudal, que era vista como “rude e bárbara”, sempre ameaçada pelas paixões de tiranos violentos, passou a ser vista com nostalgia, baseada em valores como a honra, o respeito, a confiança e a lealdade. Valores sem os quais a sociedade movida pelos interesses individuais não poderia funcionar, mas que haviam sido erodidos por ela.
A nostalgia do mundo perdido abre caminho para os novos críticos, mais duros, da sociedade capitalista. A crítica deixa de ser cultural, nostálgica. Passa a denunciar a capacidade destrutiva, desagregadora, das novas forças liberadas numa sociedade integralmente movida pelos interesses materiais. Assim como a valorização dos interesses individuais e do comércio atingiu seu ápice com David Hume e Adam Smith, a mudança de rumo dos ventos intelectuais, a partir do fim do século XVIII, culminou com Karl Marx, na segunda metade do século XIX.
Do fim do século XIX até o último quarto do século XX, a crítica marxista foi intelectualmente predominante. A alternativa marxista ao capitalismo – a revolução proletária e a socialização dos meios de produção – pode ter permanecido sempre polêmica, mas a crítica marxista influenciou de forma decisiva os rumos do capitalismo no século XX.
De forma esquemática, a crítica marxista ao capitalismo tem quatro vertentes:
1. A econômica, segundo a qual o sistema seria instável, sujeito a crises recorrentes, até a crise final, que abriria espaço para a alternativa socialista.
2. A social, segundo a qual o sistema seria injusto, baseado na exploração do trabalho assalariado, levaria à concentração da renda e seria incapaz de erradicar a pobreza, pois ela exerce o papel funcional de “exército industrial de reserva”.
3. A política, segundo a qual a democracia capitalista é uma impostura. A alienação cultural impediria os trabalhadores de comprender que não há interesses comuns, mas sim interesses de classes, que não podem ser reconciliados na democracia representativa capitalista.
4. A cultural, segundo a qual o sistema levaria à alienação dos trabalhadores em relação aos seus verdadeiros objetivos. No capitalismo, a sociedade é consumista, egoísta e alienada.
Ao longo do século XX, a crítica marxista, sempre como referência, foi sendo gradualmente enfraquecida.
A crítica econômica foi desacreditada pela receita de John Maynard Keynes, na “Teoria Geral da Renda e do Emprego”, de 1936. Formulada depois da Grande Crise dos anos 1930, foi refinada durante os anos 50 e 60, até culminar com a chamada “síntese macroeconômica” dos anos 80. A fórmula para evitar as grandes flutuações macroeconômicas das economias capitalistas havia sido encontrada. A receita era ter a dívida pública sob controle, uma política fiscal contracíclica, uma política monetária pautada por metas inflacionárias e a taxa de cambio flutuante. Nas últimas décadas do século XX, consolidou-se a impressão de que os ciclos macroeconômicos haviam sido finalmente eliminados. Uma nova era, “A Grande Moderação”, havia chegado, com a descoberta do remédio para a instabilidade crônica da economia capitalista.
A crítica social foi aplacada pelas reformas tributárias, trabalhistas e sociais do pós-Segunda Guerra. Em todo o mundo ocidental, principalmente na Europa, foi criada uma rede de proteção trabalhista e de assistência social, através do significativo aumento da participação do Estado na economia. A economia capitalista do “Welfare State” parecia ter respondido à crítica social do capitalismo, sem necessidade de suprimi-lo.
A crítica política à democracia representativa capitalista foi desmoralizada pelo autoritarismo, pela violência oficial e pela falta de liberdades cívicas dos regimes comunistas. A começar pelo soviético, mas também pelo dos seus satélites no Leste Europeu, assim como em Cuba, na China e em toda parte onde o comunismo de inspiração marxista foi instaurado.
A crítica cultural, primeiro rompeu com a ortodoxia marxista, através da chamada Escola de Frankfurt, do Institute for Social Research, fundado na década de XX, por onde passaram pensadores como Max Hockheimer, Theodor Adorno, Erich From, Herbert Marcuse e, mais recentemente, Jürgen Habermas. Depois se distancia definitivamente do marxismo e se confunde com a crítica da modernidade, como é o caso do filósofo polonês Lesleck Kolakowski, com “Modernity on Endless Trial” (1990), do historiador americano Daniel J. Boorstin, com o brilhante e pioneiro “The Image: A Guide to Pseudo-events in America” (1961), cuja temática é retomada pelos franceses Guy Debord, em “La Société du Spetacle” (1967) e Jean Baudrillard, em La Société de Consommation” (1970) e “Simulacres et Simulation” (1981).
De forma progressiva, tanto intelectualmente quanto na prática, a crítica marxista foi perdendo força, até ser completamente marginalizada com a derrocada da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e a adesão da China ao capitalismo mundial. Nas duas décadas, desde o final dos anos 1980 até a crise de 2008, o sucesso da economia globalizada parecia ter enterrado definitivamente a crítica marxista. Todo um conjunto de ideias, que serviu de pano de fundo para o grande debate intelectual e para a revisão do capitalismo do século XX, parecia ter sido relegado à história do pensamento. Uma nova visão hegemônica teria se consolidado: o que se pode chamar de o otimismo do capitalismo tecnológico. Os extraordinários avanços da tecnologia, estimulados pela competição capitalista de um mundo globalizado, abririam novas e inimagináveis possibilidades.
O quadro mudou com a crise de 2008. A “Grande Moderação”, conquistada com a aplicação da “Síntese Macroeconômica”, revelou-se um equívoco. A sofisticação dos mercados financeiros, com o desenvolvimento dos mercados virtuais, dos chamados “derivativos”, que em tese deveria ter sido capaz de reduzir ou dispersar riscos, mostrou-se apenas mais uma forma de exponenciar o endividamento e a alavancagem. Uma alavancagem impermeável aos olhos, não apenas das autoridades reguladoras, mas também aos olhos dos próprios dirigentes das instituições que a utilizavam.
Quando a crise eclodiu, a escala das instituições financeiras globalizadas obrigou os governos nacionais a socorrê-las. Evitou-se um grande colapso, mas à custa de um aumento expressivo da dívida pública e do passivo dos bancos centrais. Em alguns casos, como na Islândia e na Grécia, o endividamento público superou o limite tolerável e levou à quebra do Estado. Na Europa, a crise bancária está temporariamente reprimida pelo financiamento do Banco Central Europeu de Mario Draghi aos bancos centrais nacionais. Mas ainda ameaça o euro e a própria União Europeia.
Os Estados Unidos, favorecidos pela condição de emissores da moeda reserva mundial, foram capazes de reagir de forma mais radical em relação à atuação do seu banco central. Desde 2008, o Fed expandiu de forma agressiva seu passivo e monetizou grande parte do aumento do endividamento público decorrente do socorro ao setor financeiro. A lição aprendida com a crise dos anos 1930 permitiu que uma nova Grande Depressão fosse evitada. Em contrapartida, a economia americana continua excessivamente endividada. Parte do excesso de dívida privada foi transferido para o setor público, mas o endividamento total, público e privado, continua excessivo.
A depressão tem custos intoleráveis, mas, com a quebra generalizada, elimina-se o excesso de endividamento e abre-se a porta para um novo ciclo de expansão. Ao evitar-se a quebra, impede-se a redução, catastrófica, mas natural, do excesso de dívidas que precisam ser digeridas, antes que o consumo e o investimento possam retomar fôlego. Troca-se um fim horroroso por um horror sem fim.
Diante desse impasse, o autor a ser reestudado é com certeza Joseph Schumpeter. Economista austro-húngaro, com longa carreira na academia e no setor público, primeiro na Europa e depois na academia americana, Schumpeter é o grande teórico dos ciclos econômicos. Já nos anos 1930, era crítico em relação à excessiva formalização matemática da teoria econômica. Segundo ele, a tentativa de mimetizar as ciências naturais, em nome do rigor metodológico, resultava na incapacidade de compreender a economia como um fenômeno social. Defensor entusiasmado do capitalismo e da fecundidade do espírito empresarial – do “entrepreneur” – enfatizou a importância da “destruição criativa” do capitalismo como mola propulsora dos avanços em todas as esferas da sociedade. É provável que, ao se domesticar o capitalismo, ao controlar artificialmente suas forças cíclicas naturais, pode-se ter esclerosado grande parte de suas virtudes, de sua força criativa e renovadora.
A economia americana continua estagnada. Assim como o Japão está estagnado há mais de 15 anos, depois do fim de uma bolha imobiliária, os Estados Unidos também deverão ficar estagnados até que o excesso de dívida seja digerido. A China foi capaz de sustentar altíssimas taxas de crescimento, mesmo depois da crise de 2008. Serviu de locomotiva, principalmente para os países exportadores de matérias-primas, como o Brasil, e impediu que a economia mundial como um todo estagnasse, mas já há sinais de que economia chinesa está em processo de desaceleração.
Quatro anos depois do inicio da crise, ainda não há solução à vista. Não há nem mesmo consenso sobre como proceder. O debate, hoje, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, parece estar polarizado entre o imperativo contraditório de manter o endividamento público sob controle e relançar o crescimento, através do estímulo keynesiano de mais gastos públicos. A ortodoxia fiscal é defendida primordialmente pelos republicanos nos Estados Unidos e pela Alemanha na Europa. A política fiscal anticíclica keynesiana é defendida pelos democratas nos Estados Unidos e pela França de François Hollande.
À primeira vista, crescer parece ser a solução. O crescimento reduz o valor relativo das dívidas. Sem crescimento, ao contrário, as dívidas nunca serão digeridas. A lógica sugere que não se deve tentar controlar a dívida pública enquanto a economia está estagnada, pois o resultado é uma política fiscal pró-cíclica, que pode levar à queda da renda e ao agravamento da relação entre a dívida pública e o produto.
Ocorre que a terapia keynesiana foi concebida para a economia que passou pela depressão e eliminou o excesso de dívidas, para a economia que está paralisada, mas pronta para reagir ao estímulo dos gastos governamentais. Os gastos públicos funcionam então como um motor de arranque, capaz de relançar o consumo e o investimento, numa economia devastada pelas quebras generalizadas. O aumento dos gastos públicos é questionável numa economia ainda com excesso de dívidas públicas e privadas. Consumidores sobre-endividados poupam toda renda adicional para reduzir suas dívidas. Governos sobre-endividados, que gastam mais do que arrecadam, correm o risco de perder a credibilidade e não serem mais capazes de refinanciar suas dívidas. Uma verdadeira sinuca de bico.
A aplicação do remédio keynesiano é hoje questionável. A possibilidade de que estejamos próximos de duas restrições, que eram ainda distantes nos anos 1930, exige, efetivamente, repensar os rumos do capitalismo. A primeira é o limite do tolerável – no sentido de não vir a se tornar disfuncional – da participação do Estado na economia. Em toda parte, até mesmo onde o capitalismo nunca foi seriamente questionado, como nos Estados Unidos, houve, ao longo de todo o século XX, sistemático aumento da carga fiscal e da participação do Estado na renda nacional. As respostas, tanto para a crítica econômica – da instabilidade intrínseca – quanto para a critica social – da desigualdade crônica – ao capitalismo, levaram ao aumento da participação do Estado na economia.
A segunda nova restrição é a proximidade dos limites físicos do planeta. É evidente que não será possível continuar indefinidamente com a série de ciclos de expansão do consumo material, alimentado pela turbina do crédito, até uma nova crise, que só se resolve com mais crescimento. A menos que haja uma radical mudança tecnológica, será preciso encontrar a fórmula do aumento do bem-estar numa economia estacionária. A mudança tecnológica não parece provável, pois a questão do ambiente é um caso clássico de bens públicos, que o mercado não precifica de forma correta. Pode-se dizer que os problemas do capitalismo são decorrentes do seu sucesso. As respostas desenvolvidas para aplacar as críticas, quanto à instabilidade intrínseca e à injustiça social, levaram a um extraordinário aumento do consumo material e da participação do Estado na renda.
Duas críticas, uma à direita e outra à esquerda, depois de um longo período em que ficaram abafadas pelo sucesso do capitalismo de massas, merecem ser reavaliadas. A primeira, à direita, a da chamada Escola Austríaca, é quanto ao risco do aumento crônico da intermediação do Estado na economia. Um de seus expoentes, Hayek, tem sido recentemente contraposto a Keynes na questão das políticas anticíclicas, mas esta não me parece sua contribuição relevante. É no seu papel de defensor do mercado, como insuperável transmissor de informação e estimulador da criatividade, que se pode encontrar a mais coerente e fundamentada análise dos riscos econômicos e sociais do aumento do papel do Estado.
A crítica à esquerda é quanto ao risco do consumismo. A tese da alienação consumista permeia a crítica cultural do capitalismo de massas, desde a Escola de Frankfurt, até os novos teóricos da sociedade do espetáculo.
Já há, neste curto período desde a crise de 2008, sinais de que a crítica cultural ao capitalismo será retomada. Dois livros recém-lançados questionam o capitalismo como uma troca faustiana – “How Much is Enough”, de Robert e Edward Skidelsky, e “What Money Can’t Buy”, de Michael Sandel. Ao transformar todas as esferas da vida numa questão de cálculo financeiro, ganhamos capacidade de criar riqueza, mas, em contrapartida, nos tornamos insaciáveis. A busca desenfreada por crescimento econômico, por mais consumo material, nos levou a esquecer de por que queremos mais. Mais consumo material tornou-se um objetivo em si mesmo. Sandel sustenta que a comercialização de algumas esferas da vida corrompe seu significado. Ecos da crítica marxista à “commoditização” e à alienação capitalista. Robert e Edwar Skidelsky sustentam que o capitalismo moderno levou ao esquecimento do que o mundo clássico definiu como “The Good Life”.
Será preciso superar o fosso profundo do preconceito ideológico – enraizado por um século de debate rancoroso – para encontrar a síntese dessas duas vertentes críticas e encontrar respostas para o que me parecem as duas grandes questões de nosso tempo. Primeiro, como reduzir a disparidade dos padrões de vida, sem continuar a aumentar a intermediação do Estado e restringir as liberdades individuais. Segundo, como reverter o consumismo, a insaciabilidade material, sem reduzir a percepção de bem-estar. São grandes desafios, sem dúvida. A competição capitalista parece-me imprescindível para que seja possível encontrar as respostas aos problemas criados pelo seu sucesso. Só a pluralidade das ideias, que foi capaz de desmistificar todo tipo de autoritarismo, seja o religioso, o fundamentalista ou o ideológico, e criar a cultura da automomia do indivíduo, será capaz de fazer a revisão cultural que as circunstâncias exigem, sem sacrificar as conquistas do Iluminismo.