quarta-feira, 25 de março de 2009

Correio Popular de Campinas, 25 de março, 2009

Publicada em 25/3/2009


Tirania à brasileira

Roberto Romano

Os escândalos que jogaram a pá de cal no prestígio do Senado foram seguidos de novo pacto entre lideranças várias e o partido do “é dando que se recebe”. O silêncio obsequioso, próprio à omertà fora da lei, não abafa o brado de alarme ouvido do Oiapoque ao Chuí. O berro surge do peito cidadão, enojado pelo cinismo dos supostos legisladores, protegidos pelo foro privilegiado. É como se cada um dos senadores reunisse todas as qualidades negativas da tirania. Este regime odiado pelos povos livres, a exemplo da Grécia democrática, normalmente era exercido por um só indivíduo. Mas em certas ocasiões ele chegou a ser partilhado por trinta pessoas em Atenas.

No Brasil, além dos tiranetes que infestam os três poderes, assistimos o espetáculo degradante oferecido por 81 senadores. E não venham com a velha sofística que divide os “bons” dos “péssimos” parlamentares. No caso das diretorias de mentirinha, todos os integrantes do Senado estavam mais do que fartos de saber e, portanto, de aprovar aqueles cabides de emprego para apaniguados. A coisa fica mais nauseante, quando são veiculadas notícias sobre a possível chantagem exercida pelos “diretores” e demais auxiliares administrativos da casa: se as sanções contra eles forem radicais, abrem o bico para a imprensa, relatam as traquinadas ocultas de suas Excelências. O espetáculo oferecido pelo Senado não pode ser dito circense, porque o circo é instituição correta que diverte, consola, ajuda a seguir neste vale de lágrimas. Os “nossos” representantes aumentam as gotas amargas que tombam dos olhos de quem nasceu no Brasil.

Não é de hoje a prática dos políticos brasileiros de usar recursos públicos sem prestar contas. Os senadores agem como lobos famintos, seguros de não serem jamais condenados por juiz de primeira ou última instância. O STF aceita a teratologia do privilégio de foro, mas poderia acabar com a farra. Para tal fim deveria ser acionado pela sociedade civil ou por alguém que tenha o direito de arguir a constitucionalidade daquele desaforo perene. Vale a pena meditar sobre algumas falas de Platão e de Aristóteles, diante do descalabro vivido em Brasília. Os filósofos mostram como nasce a tirania. E sua descrição vale para o nosso caso.

“Não tem o povo o hábito invariável de pôr à sua testa um homem cujo poder ele nutre e torna maior? É de seu hábito, concordou. É portanto evidente que, onde quer que o tirano medre, é na raiz deste protetor e não alhures que ele se entronca. É absolutamente evidente. Mas onde começa a transformação do protetor em tirano? Não é, evidentemente, quando se põe a fazer o que é relatado na fábula do templo de Zeus Liceu, na Arcádia? O que diz a fábula? indagou. Que aquele que provou entranhas humanas, cortadas em postas junto com as de outras vítimas, é inevitavelmente transmudado em lobo. Não ouviste contá-la? Sim. Do mesmo modo, quando o chefe do povo, seguro da obediência absoluta da multidão, não sabe abster-se do sangue dos homens de sua própria tribo, mas, acusando-os injustamente, conforme o processo favorito dos de sua igualha, e arrastando-os perante os tribunais, se mancha de crimes mandando tirar-lhes a vida, quando, com língua e boca ímpias, prova o sangue de sua raça, exila e mata acenando com a supressão das dívidas e uma nova partilha das terras, então, não deverá um tal homem necessariamente, e como que por uma lei do destino, perecer pela mão de seus inimigos, ou tornar-se tirano, e de homem transformar-se em lobo?” (República, 565 c - 566 a).

Aristóteles: “A tirania é monarquia absoluta que, sem responsabilidade e só no interesse do tirano, governa homens que valem tanto ou mais do que ele (...) nunca se ocupa com os interesses particulares dos governados. Assim, ela existe apesar deles, pois não existe um só homem livre que suporte voluntariamente tal poder”. (Política, 6, 3 e 6, 2).

Os senadores, com suas “diretorias” e quejandos, cuidam dos seus interesses, praticam favores com o nosso imposto, não prestam contas a ninguém. Eles não integram um circo. Pertencem ao seleto e odiado clube dos tiranos, origem de nossas tristezas.

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São Paulo, quarta-feira, 25 de março de 2009



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Senado agora diz que só tem 38 diretores

Número anterior era 181; Casa diz que questão de nomenclatura causou o novo erro e promete reduzir as diretorias a 20

Mesa não divulga quantas diretorias foram criadas por cada presidente; análise da Folha encontrou 58 atos de Sarney criando cargos

Antonio Cruz/ABr

OS CORTES VÊM AÍ
Michel Temer, presidente da Câmara, em reunião do PPS, à frente do slogan "Sem mudança não há esperança'; ontem os ministros Paulo Bernardo e José Múcio anunciaram aos líderes governistas o contingenciamento de 61% do valor das emendas ao Orçamento

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pela terceira vez em uma semana, e fazendo um malabarismo semântico, o Senado reviu o número de diretores que mantém na Casa -disse agora que são apenas 38, e não 181, e que vai reduzir esse número para 20. Ao todo, prometeu acabar com 68 cargos de comando que dão direito a adicionais ao salário que variam de R$ 2.064,01 a R$ 2.229,13. O presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), havia prometido que cortaria a metade das diretorias.
O diretor-geral do Senado, Alexandre Gazineo, disse que a Casa errou ao informar inicialmente que possuía 181 diretores. Segundo ele, havia cargos que tinham a denominação de "diretor", mas na verdade se caracterizam como postos de "assessoramento superior".
Na sexta-feira passada, o Senado divulgou uma lista com 50 nomes, desses 181, que perderiam o adicional. O primeiro-secretário, senador Heráclito Fortes (DEM-PI) afirmou ontem que poderá até rever alguns nomes. "Não vamos baixar esse número de 50. Mas pode haver substituições", disse.
Agora, apenas 20 servidores da Casa receberão adicional ao salário bruto que pode chegar a até R$ 2.229,13 como diretores. A direção do Senado ainda não deixou claro o total de servidores que irá perder o adicional de diretorias de segunda escalão. "Vão restar poucos servidores", disse Gazineo.
O primeiro-secretário afirmou que a redução terá como referencial a estrutura que a Casa detinha oito anos atrás. Foi em 2001 que as secretarias começaram a ter status de diretoria, com a criação do cargo de diretor de Recursos Humanos.
Um levantamento parcial feito pela Folha durante uma semana encontrou 58 atos da gestão José Sarney (PMDB-AP) criando diretorias. Em apenas um deles há 16. Edison Lobão (PMDB-MA) criou cinco, Ramez Tebet (PMDB-MS, dois e Renan Calheiros (PMDB-AL), 14 pelo menos.
O Senado não divulga a quantidade de diretorias criadas por cada um dos senadores. Há uma semana, a Folha questiona quem foram os responsáveis pela criação de diretorias. A diretoria geral defende que só é possível saber isso fazendo uma pesquisa nos atos administrativos na Mesa Diretora.
Apesar de estar disponível na rede interna de internet da Casa, os atos não deixam claro o número de diretorias, isso porque um mesmo documento traz a divisão de secretarias e subsecretarias.

Histórico
Desde o início do mês, uma série de denúncias fez o Senado cair numa crise administrativa, a começar pelas demissões dos diretores Agaciel Maia (Diretoria-Geral) e João Carlos Zoghbi (Recursos Humanos) -ambos estavam em seus cargos há pelo menos 14 anos. Em seguida, Sarney pediu que "todos diretores da Casa" colocassem seus postos à disposição. A decisão trouxe à tona a informação de que o Senado abrigava mais de um centena de diretores.
Na sexta-feira passada, Heráclito havia dito que 50 diretores perderiam seus cargos. Até agora, porém, as exonerações não foram publicadas no boletim de pessoal da Casa.
Há casos de diretores de si próprio, já que não possuem subordinados. É o caso do diretor de Relações Internacionais. Existem ainda funções sobrepostas como o diretor de jornalismo eletrônico e o da agência Senado. Há ainda o diretor do jornal do Senado, que circula uma vez por semana. Ou as diretorias de Relações Públicas e de Coordenação de Eventos.
Segundo Heráclito, o Senado está trabalhando "com a tentativa de reduzir esse número [20] para 14 ou 16". "Estamos colocando esse número aqui para ter um pouco de segurança", completou o primeiro-secretário, que reconheceu estar tomando medidas sob pressão.



Sarney, ACM e Renan criaram 4.000 vagas

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nos últimos 14 anos, atos assinados por três senadores ajudaram a inchar o Senado, que hoje tem cerca de 10 mil servidores para atender a apenas 81 congressistas. Deste total, cerca de 4.000 vagas foram criadas a partir de 1995 e são preenchidas por indicação política, os chamados comissionados.
Nem todas as vagas são preenchidas. Mesmo assim, o número atual de comissionados (3.000) e terceirizados (3.500) é 116% maior do que os 3.500 concursados.
A multiplicação dos cargos de livre nomeação no Senado começou a partir do primeiro mandato de José Sarney (PMDB-AP), e continuou nas gestões de Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA) e Renan Calheiros (PMDB-AL). Por atos administrativos, criaram cargos e permitiram aos senadores dividirem as novas vagas.
A divisão possibilitou que com o salário de um cargo (o maior valor é de R$ 10.869,34), os senadores pudessem contratar até oito pessoas com salários menores. O pagamento de hora extra cheia (R$ 2.650) para servidores do Senado é uma forma de aumentar os salários, que ficam menores com a divisão dos cargos. Os pagamentos de hora extra e outros adicionais não são registrados nem nos contracheques para evitar a divulgação do subterfúgio.
Sarney inaugurou a prática da multiplicação dos cargos no seu mandato de 1995 a 1997, repetida por outras gestões.
Por isso atualmente cada gabinete pode contar com até 53 servidores nomeados, além de até nove efetivos, o que corresponde a números de uma pequena empresa, segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Na Mesa Diretora, que reúne sete senadores, com essa regra, cargos comissionados podem chegar a 692. A média salarial destes servidores sem concurso é de R$ 8.000.
Até 1995, os gabinetes funcionavam com um assessor e três secretários parlamentares, estrutura que perdurava havia 20 anos. Sarney criou dois cargos e permitiu a divisão de um deles em quatro. Com isso, o número de vagas comissionadas passou de 400 para 900.
Sucessor de Sarney, ACM, morto em 2007, que presidiu de 1997 a 2001, ampliou o poder de indicação dos senadores. Criou dois cargos e permitiu que um deles fosse dividido em até oito e o outro em até quatro, o que provocou nova explosão de comissionados -mais 1.200 cargos. Também foi ACM quem permitiu aos senadores lotar servidores não concursados em qualquer local do país. Sarney, em nova gestão, de 2003 a 2005, criou mais um cargo multiplicado em oito.
Renan presidiu a Casa de 2005 a 2007, quando criou três cargos comissionados para atender a presidentes de comissão. Foi na gestão de Renan que os suplentes com cargo na Mesa (quatro, no total), também ganharam metade da estrutura dos membros titulares.
O desdobramento dos cargos fica a critério dos senadores. Eduardo Suplicy (PT-SP), por exemplo, tem 12 comissionados. O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), que apresentou projeto cortando esses cargos em 50%, tem 30.

"Trem da alegria"
Entre os servidores efetivos, nem todos são concursados. Estes somam cerca de 1.200.
Entre 1971 e 1984, os senadores aproveitaram para efetivar servidores por meio de atos administrativos, embora isso fosse vedado pela Constituição. A atual líder do governo no Senado, Roseana Sarney (PMDB-MA), é servidora do Senado graças a um "trem da alegria" de 1982 assinado pelo então senador Jarbas Passarinho. O último foi pilotado por Moacyr Dalla, em 1985, e colocou 500 pessoas na Casa.
O Senado também tem 3.500 servidores terceirizados. Na sua primeira gestão, Sarney permitiu a contratação de empresas para fornecer mão de obra à estrutura de comunicação da Casa. A Constituição, porém, permite apenas a terceirização no caso de função atípica ao serviço público.
Em 2008, o Senado gastou R$ 128 milhões com empresas de terceirização. Vinte e nove empresas têm contratos com a Casa desde 2006.
Os gastos com servidores no Senado no ano passado foram de R$ 2,3 bilhões, contra R$ 2,6 bilhões da Câmara que tem 513 deputados e cerca de 15 mil funcionários. (AM e AC)