quinta-feira, 26 de março de 2009

BINGO, NORBERTO BOBBIO!

"A corrupção política é devida em grande parte ao financiamento dos partidos (...) São duas as situações nas quais observamos habitualmente as relações de corrupção: a que implica o sujeito político que age para conquistar ou conservar ou não perder o poder, e a outra, na qual, uma vez conquistado o mando, que é mantido bem firme nas próprias mãos, ele serve para para trazer vantagens privadas. Inútil dizer que as duas situações são estreitamente ligadas porque no mercado político democrático o poder se conquista com votos: um dos modos de conquistar o poder é comprá-lo e um dos modos de se liberar das despesas é servir-se do poder conquistado ou adquirido para obter benefícios mesmo pecuniários dos que podem usar o poder para proporcionar vantagens. O poder custa, mas rende. Se custa, deve render. O jogo é arriscado: às vezes custa mais do que rende, quando o candidato não se elege; mas mesmo assim ele rende mais do que custa. (...) Considerada a arena política como forma de mercado, onde tudo é mercadoria, ou seja, coisa que se vende e se compra, o político se apresenta, num primeiro instante como comprador (do voto), num segundo como vendedor (dos recursos públicos graças aos quais o voto se tornou dispensador potencial)(...) A constatação que na sua forma própria a corrupção só pode se desenvolver no segredo, mostra, mais do que toda outra consideração, a sua total estranheza à ética da democracia, ou seja, aquela forma de governo que exige a publicidade dos atos do governo, na medida em que se garante pela regra fundamental do controle a todo instante da pessoa que exercita o poder não em nome próprio mas em nome de todos, e que acabou ( a democracia, RR) para sempre com a política dos arcana imperii (segredos de Estado, RR) própria dos Estados autoritários do passado e dos que ainda existem. Num Estado democrático a moralidade pública não é só uma obrigação moral e jurídica, mas é mesmo uma obrigação política por excelência imposta pelo princípio que regula a vida do governo democrático, e que o distingue de todas as outras formas de governo até hoje existentes, o princípio do 'poder em público'". Lúcido, como sempre, texto de Norberto Bobbio, no artigo "Quale il rimédio?" sobre a corrupção política italiana e mundial. O artigo está publicado na coletânea do mesmo Bobbio intitulada L 'Utopia Capovolta (Torino, La Stampa, 1990), pp. 32 e ss. Vale a pena também ler o artigo anterior do grande jurista "Eleitos e Corruptos", no qual ele mostra a colaboração dos eleitores, essencial na escolha de políticos corruptos.

Bobbio é um grande pensador e um grande homem, sobretudo porque soube analisar situações desesperadoras, como a corrupção italiana ou mundial, sem jamais se permitir ataques de racismo contra povos e coletivos menores. Ele descreve os males, sem dar o passo, muito comum em fascistas, de apontar defeitos irreparáveis em populações governadas. Ele fez o exato contrário de muitos que por aqui se imaginam maravilhosos quando se esmeram em caluniar o povo, com indisfarçável enfase racista. Erros políticos, sociais, econômicos, etc. são mais ou menos graves, de acordo com o tempo transcorrido entre seus inícios e sua vigência. A ética de um povo recolhe a história de sua experiência pregressa. Ela pode ser detestável, como a conivência de boa parte do povo italiano com o fascismo, a mafia, e outras formas de poder assassino. Mas não passa pela cabeça não racista apontar "o povo"italiano como degenerado, e outro mimos prodigalizados ao povo brasileiro por analistas que, por ignorância inclusive, pensam usar conceitos científicos quando suas observações não ultrapassam os limites de Nina Rodrigues. Sim, a ética da vida social, econômica e política no Brasil é detestável. Isto já basta para lutar contra ela, o que seria impossível se ela fosse devida a taras genéticas ou quejandos. Mas desconfio que é isto mesmo o que desejam os racistas que se julgam superiores à população "comum" alheia aos campi: eles, no fundo, aspiram por uma "solução final", que resolveria o problema de vez.

Asco é o que sentimos diante de situações como a noticiada. Mas recordemos (se ainda tivermos bom senso) que situações iguais se repetem a todo instante, no mundo inteiro. Se quiserem condenar a humanidade, como Santo Agostinho e seus seguidores (Jansenius, Pascal, Calvino e outros menores) estejam à vontade. Só pratiquem a justiça e não escolham este ou aquele povo. Digam com clareza que o ser humano não presta. Aí, talvez, possam aprender algo com Hobbes e com Maquiavel.
RR



São Paulo, quinta-feira, 26 de março de 2009



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Empresa doou R$ 30 mi a partidos desde 2002

Repasses foram feitos indiretamente a candidatos e comitês; PSDB, DEM e PT receberam mais verba

DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Camargo Corrêa é uma das grandes doadoras legais de partidos, políticos e comitês eleitorais, especialmente de PSDB, DEM e PT. Desde 2002, foram ao menos R$ 30 milhões.
Nas eleições municipais de 2008, as empresas do grupo doaram R$ 5,96 milhões. O campeão foi o comitê financeiro municipal único do DEM de São Paulo, que tinha o prefeito Gilberto Kassab concorrendo à reeleição. Foram R$ 3 milhões.
No caso de doações diretas para os candidatos, os que mais receberam foram o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), com R$ 300 mil; sua adversária na campanha do ano passado, Gleisi Hoffmann (PT), mulher do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com R$ 500 mil; e o também petista João da Costa (PE), com R$ 200 mil.
A Camargo Corrêa já havia sido a maior doadora individual da campanha à Prefeitura de São Paulo de José Serra (PSDB) em 2004, com R$ 1,016 milhão. Kassab era o vice de Serra.
Levantamento do site Às Claras mostra que a Camargo Corrêa doou, ao todo, R$ 4,18 milhões em 2004. Dos 10 candidatos que mais receberam, 5 eram do PT, 3, do PSDB e 1, do então PFL (hoje DEM).
Os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que, na corrida presidencial de 2006, empresas do grupo doaram R$ 3,54 milhões para o comitê de reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Geraldo Alckmin (PSDB) recebeu R$ 400 mil. Em 2006, foram mais de R$ 13 milhões doados. O senador Garibaldi Alves (PMDB) recebeu R$ 400 mil, o governador Aécio Neves (PSDB-MG) e a senadora Roseana Sarney (PMDB), R$ 300 mil, cada um. O senador Aloizio Mercadante (PT), R$ 200 mil, assim como o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT).

Doações ocultas
Além de doações eleitorais, a Camargo Corrêa utilizou o expediente da "contribuição oculta" no pleito de 2006. Foram R$ 6,35 milhões a PT, PSDB e DEM. Trata-se de um drible na lei eleitoral: a doação é feita aos partidos, que distribuem o recurso aos candidatos. Assim, perde-se o vínculo direto entre doador e beneficiário.
Além disso, as empresas podem doar quanto quiserem. Se doarem aos candidatos, o limite legal é de 2% do faturamento bruto no ano anterior à eleição.
Em 2006, a empreiteira doou R$ 2,85 milhões ao Diretório Nacional do PSDB, o que fez dela a segunda maior contribuinte do partido no ano.
O PT veio em segundo lugar, recebendo R$ 2 milhões, sua quarta maior empresa doadora. O DEM foi o destinatário de mais R$ 1,5 milhão.
(FERNANDO BARROS DE MELLO E FABIO ZANINI)