quinta-feira, 26 de março de 2009

Sobre a condenação de Tranchesi, proprietária da loja Daslu.

Prenderam a proprietária da boutique de luxo, a famosa Daslu. Recordo bem, na ocasião em que as prostitutas criaram a marca Daspu, muita gente fina protestou contra a "degradação" do logotipo imaculado. Bom humor ou vingança sutil, o ato das senhoras meretrizes (uma profissão digna, em situação melhor do que outras nas quais é possível roubar dinheiro da saúde, da educação, da segurança pública e receber impunidade com privilégios de foro, etc) mostra que a moda é importante na ordem antropológica. Daslu ou Daspu, trata-se de enfeitar o corpo, dissimulando defeitos que afastariam os demais seres humanos. Teríamos aí no máximo um outro capítulo da longa história começada por Torquato Acetto, a crônica della Dissimulazione onesta.

Mas vejamos um outro ângulo: os 94 anos aplicados à Tranchesi refletem uma posição de justiça estrita, ou estreita? Temo bastante pela caída dos operadores do direito na senda da exemplaridade. Uma pena é aplicada para que fique bem claro a "isenção"da justiça, cega como sempre. Este é um resquício da vingança, algo que, sabemos desde os gregos, deve ser arrancada dos atos judiciários. O tribunal nunca deve servir para dar vazão ao ressentimento público, à inveja e demais paixões humanas, demasiado humanas. A pergunta capital do direito se divide em duas : quid facti, quid juri ? Qual fatos, quais leis os sancionam positiva ou negativamente ? É preciso cautela, inteligência, força moral na resposta à dupla interrogação. Sempre, no entanto, que se aplica uma lei, sancionando negativamente um acusado, com o ressentimento no comando do processo, é possível esperar alguma injustiça.

Combati Fernando Collor como presidente, durante todo o período em que ele ocupou o Palácio do Planalto. Quem tiver a coragem a e honra de verificar, basta a consulta aos arquivos da midia no período. Mas fiquei indignado quando a mãe de Collor (Dona Leda) foi internada em estado gravíssimo. A massa dos idiotas de plantão, chamada "militantes", achou meritório ir até as portas do hospital para gritar palavrões e coisas obscenas contra o presidente e sua família. Tenho certeza, porque conheço dentro do PT gente que aprovou a barbárie : aquele vandalismo tinha premissas políticas favoráveis ao PT. Os militantes não se incomodaram com o fato de se tratar de uma pessoa doente. Não se incomodaram com o fato de que no hospital estavam inúmeras outras pessoas adoecidas, sem nexos com os Collor. Não se incomodaram com o respeito aos moradores do bairro. Não se incomodaram com o respeito, para ser breve. Aqueles bichos formavam a massa covarde e ensandecida, nada mais, animalescos seres com aparência humana, que digo, nem a aparência humana tinham, pois suas faces e bocas tortas babavam ódio e ressentimento. E desejos. Escrevi um artigo duro na Folha de São Paulo, que me valeu dores de cabeça. Intelectuais petistas ou não petistas achavam "normal"o estupro do respeito, desde que praticado pela "nossa gente", a esquerda. Hoje Collor está na base aliada do PT. O que provoca vômitos nas pessoas honestas. Mas é indiferente para os líderes que arrotavam ética na política naquele período. As manifestações na porta do hospital eram ressentimento e vinganças puras. Nada mais. O mesmo ocorreu com a turba que apedrejou um Estadista que honra a história dos políticos honestos. O nome dele é Mario Covas. Os animais que o apedrejaram sabiam, e seus líderes mais ainda, que aquela pessoa arrostou a ira dos militares, sempre com dignidade impar. No final da vida, doente, recebeu no corpo as pedradas que jamais foram ou serão dirigidas aos desonestos que infestam o Estado brasileiro. De que existe injustiça, a cometida contra Covas é uma evidência. Novamente, o apedrejamento daquele homem honesto serviu políticamente para os que hoje se aboletam no poder, sem nenhuma preocupação com a ética, alardeada por eles na época. Dá nojo, mas é assim.

Um comércio de luxo, sobretudo em terra onde grassa a impunidade e a corrupção, gera ressentimento. E inveja. A Daslu seria palco de corrupção? Com muita probabilidade. Mas quem pode jogar a primeira pedra, salvo os hipócritas?

Não defendo a impunidade. Mas também não aceito a exemplaridade na aplicação de sentenças judiciais. Se formos por semelhante senda, logo faremos Autos da Fé, com bençãos e fogueiras sacrílegas.

Os 94 anos aplicados à Tranchesi, repito, é meu sentimento, se aproximam perigosamente da exemplaridade. É a lei do Talião, mas não é a justiça. Acabei de ler declarações de promotores segundo as quais para "nobres"também se aplica a lei. Tenho dúvidas, pois os nossos legisladores desobedecem a legislação e criam ordenamentos para benefício próprio. Eles são os "nobres"de nossa ordem política. Dividem este status com bandidos perigosos, também impunes. E não tenho dúvida também que ladrões menores serão presos, torturados, mantidos na cadeia por tempo maior do que o prescrito pela ordem legal. Com eles, as prostitutas e os de cor negra. Nada comove juízes irredutíveis na aplicação da pura lei, desde que os apenados não tenham causídicos competentes e...caros. Enfim, penso que a prudência deveria guiar os passos das autoridades judiciais, nunca a exemplaridade.

Me perdoem os que pensam diferente. Justiça é justiça, exemplaridade conduz ao fascismo.

RR