domingo, 19 de abril de 2009

Uma tresleitura magnífica!

Por interesse pelo assunto, e por anteriores manifestações do autor, criticadas por mim de modo duro, dada a gravidade dos temas avançados por ele, li hoje na Folha o texto do Reitor da UFBa. Ao passar pela acusação de "grosseria", reconheci de imediato um post que publiquei aqui, ao lado de artigo que julgo populista do mesmo autor. Reproduzo o post integralmente, abaixo, para juízo dos leitores. Mas um trecho do post e outro do artigo de hoje, do Magnífico Reitor, mostram bem a distância entre a leitura e a reprodução. Eu falo no post em "lip service" (, segundo os dicionários, "an expression of agreement that is not supported by real conviction" ou "insincere promises, expression, devotion, etc. The Penguin English Dictionary, 1965, p. 433) dos reitores, ao governo Lula. O reitor (ou seu funcionário de reitoria, encarregado pelas leituras e vigia das críticas) leu "lip suckers". Se todos os textos que passam pela Reitoria da UFBa forem lidos de modo igual, "Aqui d´El Rey" ! A distância é enorme, tanto do lado de sua Magnificência, quanto do meu lado. Como o reitor domina muito bem o idioma inglês, ele sabe a diferença entre os vois vocábulos. Se a leitura foi devida ao funcionário, o reitor precisa instruir o subordinado para que efetive duas coisas : a) aprenda a lingua de Shakespeare e b) respeite as palavras, tal como foram escritas, não as deturpe para agradar superiores, ou seja, para prestar um "lip service" aos donos do poder. Roberto Romano


"O populismo vulgar que exala do artigo é o "lip service" pago pelo autor ao ex-querdismo que sobrou do suposto governo federal, na verdade um condomínio de seitas e de interesses oligárquicos rançosos e prejudiciais a qualquer pesquisa".

Alguns membros do Judiciário defenderam total submissão das universidades aos órgãos de controle. Encontrei também comentários grosseiros. Em seu blog, um intelectual paulista denunciou meu texto como oportunista, usando uma expressão de baixo calão em inglês ("lip suckers") para designar reitores de federais. Apesar do pedante disfarce linguístico, que apenas realça um pensamento preconceituoso e revanchista, prefiro avançar o debate, e não a polêmica, sobre autonomia universitária.

Segue o post na íntegra:

Domingo, 11 de Janeiro de 2009

O sinal maior da perversão universitária não é mencionado pelo articulista: as fotos dos reitores agachados diante do candidato Lula à re-eleição. Os magníficos esqueceram qualquer prudência, qualquer decoro, para lamber as botas do proprietário do poder. E eles não querem autonomia nenhuma, porque isto os afastaria dos corredores do "puder", onde fazem suas alianças com os donos do orçamento e das normas federais. O populismo vulgar que exala do artigo é o "lip service"pago pelo autor ao ex-querdismo que sobrou do suposto governo federal, na verdade um condomínio de seitas e de interesses oligárquicos rançosos e prejudiciais a qualquer pesquisa. O cadáver do bom Kant deve ter tremido no túmulo, ao saber que uso se faz das suas visões sobre a universidade.
Roberto Romano





São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009



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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Universidade: perversões da autonomia

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Defendo o conceito de autonomia como ousadia histórica; nunca para manter a velha universidade elitista, alienada e anacrônica

A RIGOR , o termo autonomia significa capacidade de definir as próprias normas. Em uso corrente, inclui o sentido de autarquia ou capacidade de autogoverno.
Para avaliar objetivamente a questão da autonomia universitária, consideremos dois planos articulados: administrativo e acadêmico.
No plano administrativo, as universidades federais encontram-se travadas por aparato normativo que compromete tanto a missão acadêmica de formar com qualidade quanto o dever de buscar eficiência e economicidade como instituição pública.
Rápidos exemplos triviais. Para atividades de ensino e pesquisa, precisamos de bens de melhor qualidade e serviços mais criativos, pertinentes e competentes, quase nunca baratos.
Porém, segundo a lei de licitações, somos obrigados a contratar pelo menor preço.
Na UFBA (Universidade Federal da Bahia), seis meses de conta de água bastariam para substituir todo o obsoleto sistema hidráulico dos campi, reduzindo o consumo em até 40%.
Não obstante, é proibido mudar rubricas de custeio porque o Orçamento da União é prefixado.
Em qualquer caso, inútil economizar, porque todo o montante poupado tem de ser, ao final do exercício, recolhido ao Tesouro Nacional.
Diligentemente, órgãos de controle externo nos têm auditado. O TCU (Tribunal de Contas da União), aplicando a lei, tem punido dirigentes universitários por irregularidades supostas em procedimentos que, o mais das vezes, visam a viabilizar a gestão universitária.
No plano acadêmico, a universidade se engana, e aparentemente gosta, ao pretender-se autônoma. De fato, longe estamos da mítica autonomia universitária.
Submetidos à crescente judicialização da sociedade, concursos docentes, processos seletivos, transferências e matrículas obedecem a leis e regras mais cartoriais que acadêmicas.
Projetos pedagógicos seguem, na minúcia, diretrizes curriculares estabelecidas por órgãos externos de regulação, influenciados por interesses corporativos e mercadológicos.
Linhas de pesquisa contemplam prioridades definidas por agências de fomento; programas de extensão respondem a demandas ou determinações de organismos governamentais, não-governamentais e empresariais.
A autonomia universitária nos é garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal. Então, por que não recebemos orçamento global, definido por metas e planos?
Por que nosso quadro docente e de servidores obedece a regras do serviço público, quiçá adequadas a repartições burocráticas, porém flagrantemente contraditórias com o mandato da inovação acadêmica?
Por que nossos conselhos de gestão não têm autonomia para gerir patrimônio, custeio e receita?
Por que nossos conselhos acadêmicos têm que seguir diretrizes e regulamentos de corporações e conselhos?
Por que nossos conselhos curadores, reforçados com representação da sociedade, não poderiam fiscalizar operação, orçamentos e prestações de contas?
Por que povo e governo não nos cobram transparência, competência, desempenho e qualidade em vez de mera capacidade de seguir regras de controle e normas burocráticas?
O conceito de autonomia da universidade articula meios e fins. Como sua missão é socialmente referenciada, penso que a autonomia dos fins deve ser relativa, com participação e controle social na definição de metas e finalidades. Porém, para cumprir de modo competente seu mandato histórico, a universidade precisa gerir processos institucionais com autonomia plena dos meios.
A universidade brasileira perverte o conceito de autonomia. Onde precisa, não exerce autonomia, pois, em seu cotidiano, a gestão dos meios segue pautas extrainstitucionais e obedece a marcos heterônomos.
Entretanto, docentes e dirigentes reivindicam autonomia dos fins. Tal posição tem justificado, por exemplo, rechaçar políticas de ações afirmativas e inclusão social, o que pouco contribui para tornar mais justa a sociedade que abriga, sustenta e legitima a universidade.
Na atual conjuntura nacional, rica em oportunidades e desafios, pode a defesa da autonomia justificar conservadorismo social, imobilismo institucional e ranço acadêmico? Penso que não.
Immanuel Kant, propondo destradicionalizar a universidade mediante experimentação de novas formas de pensar e agir, propôs a audácia como consigna da autonomia universitária.
Seguindo o grande filósofo, defendo o conceito de autonomia somente como ousadia histórica, jamais para manter a velha universidade elitista, alienada e anacrônica, sempre para transformar e reinventar a vida.

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, 56, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia




São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009



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TENDÊNCIAS/DEBATES

Universidade: obediência versus excelência

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Às vezes haverá contradição entre o espírito burocrático do serviço público e o "ethos" da universidade. Essa discussão não é trivial

O RECENTE debate sobre o fim do vestibular não deve nos desviar da questão da autonomia das universidades.
Artigo que publiquei ("Tendências/Debates", 11/1) propondo que as universidades precisam de autonomia para cumprir sua missão social foi alvo de críticas.
Alguns membros do Judiciário defenderam total submissão das universidades aos órgãos de controle. Encontrei também comentários grosseiros. Em seu blog, um intelectual paulista denunciou meu texto como oportunista, usando uma expressão de baixo calão em inglês ("lip suckers") para designar reitores de federais. Apesar do pedante disfarce linguístico, que apenas realça um pensamento preconceituoso e revanchista, prefiro avançar o debate, e não a polêmica, sobre autonomia universitária.
Penso que a questão central é de princípios. A gestão pública rege-se pelos princípios constitucionais de probidade, legalidade, economicidade, impessoalidade e eficiência.
Em todo o mundo, o princípio da probidade assume um valor ainda mais profundo na universidade, com demandas firmes por integridade científica, estética e pedagógica. As comunidades acadêmicas desenvolvem e operam formas rigorosas de autoavaliação mediante redes de pesquisadores e criadores que convalidam métodos, objetos e produtos. Os outros princípios constitucionais são pertinentes em geral, mas inadequados ou insuficientes para dar conta das especificidades da universidade.
Excelência, cientificidade, criatividade e pluralidade são princípios estruturantes dessa peculiar instituição que tem a missão histórica de produção de conhecimento/criação, respeito à diversidade e crítica da sociedade. Em certos momentos, haverá contradição entre o espírito burocrático do serviço público e o "ethos" da universidade: impessoalidade pode rejeitar talento e pluralidade; legalidade pode reprimir criatividade; economicidade pode comprometer estética e cientificidade; eficiência pode prejudicar excelência.

Essa discussão não é trivial.

A lei 8.666/93 obriga a adquirir serviços e produtos pelo menor preço, pois, para o regime licitatório, estética, pedagogia, cientificidade e avanço tecnológico são critérios subjetivos. Mas a universidade tem o dever de atuar na vanguarda científica e cultural de um dado campo de formação.
Na pesquisa, compramos um equipamento de última geração com a mesma função de outro dez vezes mais barato. Na produção artística, escolhemos um objeto de maior valor estético 20 vezes mais caro que seu similar funcional. Na pós-graduação, organizamos programas com professores e orientadores credenciados, sem edital ou concorrência pública, por sua reconhecida competência científica, artística e pedagógica.
Funcionários das universidades federais são regidos pela lei 8.112/90. Submetemo-nos ao mesmo regime de todo servidor, do ascensorista do Senado à secretária do Planalto ou ao analista do Supremo.
Digamos que Edgar Morin, Slavoj Zizek, Boaventura de Sousa Santos, Danielle Mitterrand, Nancy Scheper-Hughes e Antonio Negri se tenham encantado com o novo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Milton Santos e gostariam de passar cinco anos na UFBA. Vocês acham que eles entrariam impunemente numa universidade federal sem concurso público? E que o Congresso aprovaria rapidamente vagas extravagantes?
Nosso orçamento é anualmente fixado em lei federal. Digamos que Emílio Odebrecht e George Soros queiram doar à UFBA US$ 20 milhões para criar um novo centro de estudos avançados. Infelizmente, vamos recusar essa oferta porque não estamos autorizados a alterar rubricas e tetos orçamentários.
O triste é que tais exemplos não são absurdos ou distantes. Todos esses ilustres nomes realmente demonstram interesse em ajudar a universidade brasileira a superar patamares acadêmicos medíocres. E as interdições burocráticas citadas são a crua realidade atual.
A universidade federal brasileira foi constitucionalmente definida como autarquia com autonomia. Portanto, muito mais independente do que a burocracia tem permitido. Precisamos fazer valer a Constituição. Receios de que autonomia resulte em gestão corrupta ou irresponsável não se justificam, pois a governança institucional universitária é estruturalmente democrática. Na democracia, não há controle social mais eficiente que o autocontrole institucional.
Nesse cenário, o TCU (órgão do Estado), o MEC e a CGU (órgãos do governo) e os conselhos sociais (interface sociedade-universidade) serão necessários para nos avaliar não como instituição obediente, mas como universidade excelente.

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, 56, doutor em epidemiologia, pesquisador I-A do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).