sábado, 9 de maio de 2009

Carta Capital, via Congresso em Foco. E depois, dizem que existe uma "conspiração" contra esta estranha ex-querda...

CartaCapital

A operação abafa do PT

Por nove votos a cinco, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados rejeitou, na quarta-feira 6, a realização de uma audiência pública para apurar as denúncias de tortura, no Rio Grande do Sul, contra a empregada doméstica Ivone da Cruz, em 2001, durante interrogatório comandado pelo delegado Luiz Fernando Corrêa, atual diretor-geral da Polícia Federal. O requerimento havia sido feito pelo deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) com base em reportagem publicada na edição de 25 de março de CartaCapital. Ivone acusa Corrêa de tê-la torturado, com a ajuda de outros agentes da PF gaúcha para que confessasse a participação em um assalto na casa da avó da mulher do delegado federal. Por causa das supostas sevícias, Ivone ficou cega. Na Câmara, a empregada tem a companhia de outro denunciante, a ser convocado pela CDH, o deputado José Edmar (PR-DF). Há seis anos, o parlamentar acusa Corrêa de, também, tê-lo torturado.

Comandada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, a base governista da comissão montou uma operação de guerra para evitar a aprovação do requerimento de Chico Alencar. Até o líder do PT na Câmara, deputado Cândido Vacarezza (SP), foi chamado por Tarso para evitar a convocação – na verdade, um convite – do delegado Luiz Fernando Corrêa. Aos petistas e aliados da base governista, Vacarezza reverberou a tese da defesa de Corrêa, baseada em pedido de arquivamento da denúncia feito pelo Ministério Público Federal, em 2007. “Como de costume, o Legislativo foi a reboque, submisso a outras instâncias”, lamentou Alencar. “Ivone vai seguir carregando sua cruz, o diretor-geral da PF perde a chance de jogar luz sobre este nebuloso episódio e a Câmara se apequena”, resume.

Todos os deputados do PT presentes à sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara seguiram a orientação do líder Vacarezza. Entre eles, Iriny Lopes (ES), Pedro Wilson (GO) e Domingos Dutra (MA), todos com histórico de defesa na área de direitos humanos. O deputado Luiz Couto (PT-PB), presidente da comissão, foi um dos primeiros parlamentares a pedir providências para uma apuração parlamentar sobre as denúncias feitas pela empregada Ivone da Cruz. Na sessão de quarta-feira, contudo, se absteve de votar. Dos que ajudaram o PT a engavetar o pedido de audiência pública o maior destaque foi o deputado Edmar Moreira (sem partido-MG), acusado de usar verbas da Câmara para construir um castelo na cidade mineira de São João do Nepomuceno. Indicado pelo DEM, Moreira nunca havia comparecido antes a uma sessão da comissão.

Sem o apoio da Câmara dos Deputados, a única chance de Ivone da Cruz, agora, é conseguir levar o caso adiante na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. A julgar pela ação do PT, na quarta-feira passada, em Brasília, as chances da empregada, em Porto Alegre, deverão ser menores ainda. Lá, Tarso Genro se articula ostensivamente para sair candidato do partido ao governo do estado, em 2010. Uma ação dos deputados estaduais contra o delegado Luiz Fernando Corrêa, homem de confiança do ministro da Justiça no comando da PF, está, portanto, fora dos planos do PT gaúcho, também detentor da maioria na comissão de direitos humanos da Assembléia.

A reportagem de CartaCapital demonstrou que o delegado Corrêa comandou uma operação ilegal para interrogar a empregada Ivone da Cruz, em 2001, e depois forjou uma versão para justificar o fato de ter atropelado a competência da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Ouvido pela sindicância interna da PF, em 2005, o delegado civil Fernando Rosa Pontes, responsável pela investigação do assalto à casa da avó da mulher de Corrêa, negou ter solicitado ajuda do colega da PF – justamente a viga mestra da defesa do diretor-geral. Em 29 de janeiro passado, o corregedor-geral da PF, Valdinho Caetano, nomeado por Corrêa pouco mais de um mês antes, arquivou o processo.

Chama a atenção, nesse processo, duas circunstâncias distintas, mas convergentes. A primeira, diz respeito à posição do ministro Tarso Genro e, por extensão, do secretário especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi. Ambos defendem a punição dos torturadores que operaram nos porões da ditadura militar (1964-1985). Para tal, contam, basicamente, com os depoimentos dos torturados, exatamente como no caso de Ivone da Cruz. Mas a semelhança do caso não para por aí. Assim como ocorreu com a empregada, as vítimas da ditadura também foram neutralizadas por processos legais. Talvez, no entanto, não tenham passado pelo vexame de, como Ivone, já totalmente cega, serem chamadas para fazer o reconhecimento visual dos possíveis algozes.

A segunda circunstância diz respeito à gritante diferença na utilização de pesos e medidas, dentro da Câmara dos Deputados, para levar investigações adiante. Na quinta-feira 7, a malfadada CPI das Escutas Clandestinas, conhecida como CPI dos Grampos, teve um fim melancólico depois de ter sido criada e mantida artificialmente. Nelson Pelegrino (PT-BA), relator da comissão, abandonou o posto para assumir um cargo no governo da Bahia. Foi substituído pela colega Iriny Lopes (PT-ES), que assumiu a inglória tarefa de encerrar um trabalho totalmente inócuo.

A Câmara dos Deputados perdeu, ainda, a chance de esclarecer a razão de, na tarde de 18 de setembro de 2008, o deputado José Edmar (PR-DF), com as narinas tapadas por chumaços de algodão, ter invadido uma sessão da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional. Na ocasião, o parlamentar virou-se para o presidente da comissão, senador Heráclito Fortes (DEM-PI) e anunciou: “Luiz Fernando é um torturador”. Ao lado do deputado, sentado à mesa de autoridades, o diretor-geral da Polícia Federal não sabia onde meter as mãos. “E reafirmo, e tenho como provar”, reforçou Edmar.