quarta-feira, 6 de maio de 2009

O Estado de São Paulo 6 de maio de 2009

Segue abaixo a "velha notícia" abaixo, no jornal O Estado de São Paulo. É comum os donos das oligarquias usarem bens materiais (verbas, etc.) em proveito do seu cofre pessoal, ladroagem pura e simples. Mas existe outro furto, talvez base para o anterior: a subtração de símbolos culturais e o selo infamante de seus nomes familiares às praças, ruas, etc. Quem anda em Salvador sabe que, desde o Aeroporto 2 de julho (hoje Magalhães) até avenidas, praças, monumentos, escolas, tudo canta as glórias eleitorais da família oligárquica. Hoje a referida glória está um tanto enternecida, com a morte do patriarca. Mas quando ele mandava pessoalmente, muita gente que agora se proclama de esquerda (é fácil, dado que o governo federal, nominalmente, é de ex-querda) adulava o baronete "para o bem da Bahia". Alguns chegavam a pregar a subida do político ao trono de Brasilia. Nada que não seja descrito, com maestria, no tratado de Plutarco "Sobre a Adulação". O professor José Arapiraca,digno integrante da Universidade Federal da Bahia, publicou um pequeno livro sobre Marketing político, com o uso da imposição de nomes de governantes aos prédios públicos. Mostrou que na Bahia os nomes de Rui Barbosa, Padre Vieira e outros vultos relevantes tinham poucas escolas sob o seu patrocínio. Já ACM...

O costume está espalhado em todo o país, não importa a Constituição. Donos do Legislativo, os oligarcas exigem mais esta regalia: propaganda eleitoral gratuita de seus nomes (o que lhes assegura a eleição de filhos, netos, etc) em lugares públicos. Quando verberei tal costume na Globo News, o proprietário na época da Bahia me enviou uma carta, aparentemente conciliatória, mas ameaçadora. Detalhe: a carta foi remetida diretamente à Reitoria da Universidade, para que chegasse até mim " por cima". É assim que funciona no Brasil: quem está "em baixo" deve obedecer e calar. Nada mais simples e translúcido. O leitor pode comparar, agora, a " velha notícia" do jornal O Estado de São Paulo e a troca de correspondência entre o poderoso e o mero professor.

RR


Senadores vivos 'ganham' ruas e avenidas em reduto eleitoral

Placas, praças e até cidades pelo País levam nomes de políticos que exercem atualmente mandato no Congresso

Andréia Sadi - do estadao.com.br


SÃO PAULO - Não é só na tribuna do Senado Federal que os parlamentares ocupam espaço para discursar. Placas de ruas e avenidas, prédios públicos e até cidades pelo País se encarregam de dar "voz" a senadores vivos. Só no Maranhão, por exemplo, existem duas cidades que homenageiam políticos em atividade: Presidente Sarney, atual chefe do Senado, e Governador Edison Lobão, este último licenciado da Casa para assumir o ministério de Minas e Energia.De acordo com levantamento feito pelo estadao.com.br, a maioria das homenagens se dirigem a parlamentares que já ocuparam o governo de seus Estados ou a políticos que tem forte liderança em seus redutos eleitorais. Entre os ex-governadores homenageados estão os hoje senadores Antonio Carlos Valadares (SE), Mão Santa (PI), Jayme Campos (MT), João Durval Carneiro e César Borges (BA), Eduardo Azeredo (MG), Gerson Camata (ES) e Epitácio Cafeteira (MA).

Para o cientista político e consultor do Movimento Voto Consciente, Humberto Dantas, as homenagens são absurdas. "É obsceno, absurdo. Se não for pelo aspecto legal é pelo moral.Colocar nome de pessoas vivas em placas de ruas permite a perpetuação daquele nome. Como no Tribunal de Contas, no Maranhão, que leva o nome de Roseana Sarney. Se acontecer um dia de ela ser julgada e cassada, o nome dela estará para sempre perpetuado na obra. É uma questão de reavaliar a lei". Pela lei 6.454 de 1977, fica proibido, em todo território nacional, dar nome de pessoas vivas a prédios ou outros bens públicos que pertençam a União, o que exclui Estados e municípios. Ruas, praças e avenidas são de competência dos vereadores nas Câmaras. Prédios públicos, estradas e escolas estaduais são de domínio das Assembleias Legislativas. Além disso, prefeitos também podem dar nomes a placas por meio de decretos.

No entanto, as ações populares que tentam barrar essa prática, de homenagem a políticos vivos, se baseiam na lei 6.454, por extensão, e também no artigo 37 da Constituição. De acordo com esse artigo, a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade e de impessoalidade, para que ninguém seja beneficiado nem atue de acordo com interesses particulares.

A vice-coordenadora geral do Voto Consciente, Rosângela Giembinsky, concorda com Dantas e defende uma mobilização da população para mudar o cenário, por meio de ações civis. "A lei precisaria ser reeditada. As leis precisam ser regulamentadas pelos municípios. O problema é que a lei não especifica - não diz que não pode nem que pode - como no caso das passagens. Mas é uma questão, na verdade, de bom senso, que deveria dar conta".A farra das passagens foi o escândalo que ficou conhecido após denúncias de que parlamentares da Câmara doavam cotas de suas passagens para parentes e amigos. Após pressão, a Casa modificou a lei que não especificava o uso e vetou passagens para qualquer pessoa que não fosse o político.

O Maranhão é um dos Estados com mais homenagens. A "Sarneylândia" é o caso mais conhecido e engloba desde a cidade Presidente José Sarney até ruas e vilas. Alguns exemplos são o fórum trabalhista José Sarney, Ponte José Sarney, Vila Roseana Sarney, Tribunal de Contas Palácio Roseana Sarney, além das maternidades e escolas que cultuam familiares falecidos do clã.Há também o reduto dos Cafeteiras. Embora seja paraibano, o senador Epitácio Cafeteira tem base eleitoral no Maranhão e conta com uma série de endereços em seu nome: avenida Epitácio Cafeteira, ruas Isabel Cafeteira, sua mulher, e Janaina Cafeteira, sua filha. Também há o bairro Vila Janaina Cafeteira, onde se localiza a rua do patriarca da família. Ainda no Maranhão, a pesquisa indicou a existência da Vila Lobão.

Em Sergipe, Valadares dá nome a rua onde fica o Clube Desportivo Canindé do São Francisco e até ao Fórum Distrital de Siriri. Jayme Campos e Durval Carneiro são avenidas nos municípios de Barra do Garças e Feira de Santana, respectivamente. O senador Eduardo Azeredo é nome de avenida na cidade de Santa Vitória.Arthur Virgílio Neto é rua em Manaus , no bairro de Coroado. Em Alagoas, o ex-presidente do Senado Renan Calheiros, que renunciou ao cargo após denúncias, virou nome de praça.Mão Santa, que é conhecido por não dispensar um discurso no Senado, é nome de parque em Teresina, no Piauí. Gerson Camata é placa de rua no município de Cariacica


ACM escreve, Roberto Romano responde


Professor da Unicamp rebate posição do parlamentar baiano e prova que ética e política podem caminhar juntas

(texto publicado no informativo da Andes nº 105, em http://www.andes.org.br)


A carta

Brasília, 16 de abril de 2001

Senhor Professor Roberto Romano

Assisti as manifestações de Vossa Senhoria em programa televisivo da GloboNews sobre corrupção, levado ao ar no último final de semana. Embora respeite os seus pontos de vista, incumbe-me dizer-lhe que, quanto a mim, está completamente enganado. De logo registro que a comparação com o Senador Jader Barbalho é injusta e despropositada. Entendo o que o teria levado a isso. O senhor fala por ouvir dizer, mas não com conhecimento de causa.


A minha liderança na Bahia, perdoe-me a modéstia, está sempre retratada pelas pesquisas de opinião, inclusive a mais recente, em Salvador, realizada no mês passado, me dá mais de 80% da aprovação dos baianos. Além de basear-se nas pesquisas, sugeriria que Vossa Senhoria também, na feitura de uma análise sobre determinada pessoa, como professor diligente, ouvisse os escritores da terra. No meu caso, nomes como Jorge Amado e João Ubaldo; ou os compositores da terra, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jerônimo, Vevé Calazans e dezenas de outros; ou os artistas plásticos, todos eles. E, em se tratando de um professor, valeria a pena consultar, ainda, a população de 16 a 24 anos. Sob esse aspecto, devo dizer também que, na sua própria universidade, alunos têm feito teses as mais variadas sobre o meu comportamento político e, em sua maioria, apresentando resultados positivos.


Se um dia Vossa Senhoria for à Bahia, ouvir o povo, andar pelas ruas, será lisonjeiro para mim acompanhá-lo. Aí sim, o professor de Política e Ética fará uma observação correta.


Na minha idade, as injustiças, por mais que sejam repetidas, não mudam a rota de atuação. Continuarei trabalhando pela Bahia e, a ser verdadeira sua afirmação de que 400 escolas têm o meu nome, o que não creio, terá sido porque, indistintamente, nos nossos 417 municípios existe a minha presença através do trabalho e de obras pelo engrandecimento do Estado. Seja como for, achei o número exagerado e procurarei averiguar sua observação.


Vê Vossa Senhoria que a minha discordância é salutar, pois tem o objetivo de bem informá-lo a meu respeito, especialmente porque acredito na sua sinceridade de propósitos e dedicação ao conhecimento histórico sobre a política e os políticos de nosso país.

Atenciosamente, Senador Antonio Carlos Magalhães


A resposta

São Paulo, 2 de maio de 2001

Ao Senador da República, Antonio Carlos Magalhães

Quando ocorreu o golpe de Estado, em 1964, eu tinha 19 anos. Em amargos anos aprendi, na universidade, a disciplina e o rigor da pesquisa. O livro que publiquei em 1979, fruto de um doutorado (Brasil, Igreja contra Estado, SP, Kayrós Ed.), sintetiza milhares de documentos recolhidos num processo lento e longo de investigação no qual as informações foram analisadas, confrontadas entre si e com os dados estatísticos, históricos, sociais, econômicos.


Todos os elementos do trabalho vieram de fontes sociais, arquivos, bibliotecas especializadas, laboratórios. Aprendi, portanto, a só apresentar um juízo após minuciosa observação de comportamentos, fatos, dados. Nunca escrevi um só livro ou artigo "por ouvir dizer".Essa frase, cujo conteúdo é a mim atribuído pelo senhor, foi extraída, como deve ter ouvido dizer Vossa Excelência., de Spinoza. No Tratado sobre a Reforma do Intelecto, aquele é o modo mais baixo na hierarquia dos saberes. Vossa Excelência, afeito à produção de dossiês, com base em recortes de jornais (e nossa imprensa, infelizmente, não se notabiliza pela investigação isenta e cautelosa) confunde o vosso modus operandi com o comportamento científico habitual.


Não foi este modo opinativo que me levou aos considerandos sobre o comportamento público de senadores, na atual quadra da vida brasileira, que faz enrubescer até as pedras.


Voltando à minha pequena história, mencionada acima: durante a ditadura eu lutei pela democracia e pelo Estado de Direito. Fui preso político por bom tempo. Sofri, como os brasileiros em geral, o peso dos censores, dos atentados cometidos contra os que não tinham o comando de batalhões. Verifiquei toda a arrogância dos políticos que se fortaleceram à sombra da exceção. Não foi "por ouvir dizer" que formei uma idéia bastante negativa dos que apoiaram a tirania.


E foi como cidadão que segui o procedimento de Vossa Excelência., que sempre apoiou os mais lamentáveis atentados à democracia, como o fechamento do Congresso, as pressões contra o Judiciário, a intimidação sobre a sociedade civil por meio dos Atos Institucionais, os decretos secretos etc. Testemunhei tudo isto de um lugar privilegiado, a cidadania violentada, pagando caro os desmandos do regime do qual Vossa Excelência foi campeão.


Quanto à presença de vosso nome em escolas, minhas afirmações também não se originaram "no ouvir dizer". Elas se baseiam em pesquisas cuidadosas como a publicada pelo saudoso baiano, Dr. José de Oliveira Arapiraca (nome de uma só escola no seu Estado). Tive a honra de homenagear aquele grande homem na Câmara dos Vereadores de Salvador, discursando como convidado da Casa, no momento certo. O Dr. Arapiraca, após levantamento feito na Bahia, chegou aos números alarmantes a que me referi na GloboNews, no relativo aos estabelecimentos públicos de ensino. O nome de Vossa Excelência ultrapassa numericamente, em muito, o de vultos pátrios como Rui Barbosa, Padre Vieira, Tiradentes etc. O dito livro pode ser encontrado com facilidade nas boas bibliotecas universitárias baianas. Não é preciso um levantamento especial para identificar esse desvio.


Trata-se, como enuncia o autor, de uso político, para fins de marketing, da coisa pública. Esse abuso, no plano espiritual, é tão grave quanto a subtração de bens materiais. Dominar a alma de um povo é um dos piores atentados à democracia.


Finalmente, fico surpreso com o rol dos artistas e intelectuais apresentado por Vossa Excelência em sua missiva. São os mesmos nomes inscritos no manifesto em vossa defesa, lançado nestes dias. A coincidência indica um fato: existem pessoas, no âmbito da cultura, dispostas às zumbaias e aos rapapés. É triste, mas normal num país ainda não afeito à liberdade. Sua lista e manifesto trouxeram a lembrança do célebre escrito de Julien Benda sobre a traição dos intelectuais.


Desconheço os trabalhos universitários favoráveis à Vossa Excelência feitos na Universidade de Campinas. Acho bizarra essa vossa afirmação, porque pesquisas sérias não são ideadas para definir juízos de partidos e de seus líderes. O rigor e a análise isenta constituem o único fundamento da ciência. E a Unicamp é uma pequena universidade que prima por esses prismas do rigor e da cautela, longe das seitas e das preferências ideológicas. É isso o que lhe dá credibilidade ética e científica, justamente porque nela não se confia o destino da sociedade e dos indivíduos ao "ouvir dizer" ou aos recortes de jornais, mas na lenta e dura pesquisa.


Grato pela sua missiva, digo a Vossa Excelência que tenho pela Bahia e pelo seu povo o maior respeito e admiração. Justo por isso, não tomo uma parcela, por mais expressiva que ela seja, pelo todo.

Atenciosamente, Roberto Romano