quinta-feira, 1 de abril de 2010

Nos dias de hoje...

Também na Folha de hoje.

Análise sobre pedofilia, moral, Igreja Católica, celibato e ações humanas

CONTARDO CALLIGARIS

Pedófilos, celibatários e infalíveis
Os padres pedófilos são minoria, mas a igreja como instituição trata
fiéis como crianças


EM 2002, graças a uma série de artigos do "Boston Globe", estourou,
nos EUA, o escândalo dos abusos sexuais de crianças por padres
católicos. Desde então, uma onda de denúncias varre a Igreja Católica
no mundo inteiro.

Última revelação, no "New York Times" da quinta passada: nos anos
1990, quando ele comandava a Congregação da Doutrina e da Fé, o atual
papa, Bento 16, suspendeu o julgamento de um padre americano, acusado
de molestar 200 meninos surdos, de cujos espíritos e almas, em
princípio, ele devia cuidar.

Aos meus olhos, nesta história que não acaba, o escândalo maior talvez
não seja o abuso das crianças, mas o comportamento oficial da igreja:
de maneira consistente e repetida, ela parece colocar seu interesse
institucional acima de qualquer consideração moral. Escândalo, mas sem
surpresa alguma: em geral, o projeto dominante de qualquer instituição
é o de durar para sempre.
Mas trégua: não escrevo esta coluna para me indignar. Prefiro
contribuir ao debate do momento com duas observações, sugeridas pela
psicopatologia e pela clínica.

1) Da conversa de botequim até o pronunciamento de um teólogo que
admiro (Hans Küng, na Folha de 21 de março), os abusos sexuais de
crianças por padres católicos reavivam as críticas contra o celibato
dos padres.

Cuidado, não sou um defensor do celibato dos padres. Ao contrário,
parece-me que a experiência de amar e conviver melhoraria a qualidade
dos ministros da igreja, porque a tarefa de ser consorte ensina uma
humildade que é difícil alcançar na solidão, seja ela orgulhosa e
casta ou, então, envergonhada e masturbatória. No entanto, acho
bizarro que o fim do celibato dos padres seja apresentado como remédio
contra a pedofilia.

Essa ideia surge de uma visão hidráulica do desejo sexual, como se
esse fosse um rio que, se for impedido de correr no seu leito natural,
encontrará todo tipo de caminho torto e desviado. Por essa visão, na
ausência de esposa, a libertinagem, não tendo para onde ir, transborda
e acaba banhando (quem sabe, afogando) as crianças; portanto, os
padres pedófilos não precisariam recorrer a meninos e meninas se
dispusessem de uma mulher com quem saciar seus apetites.

É raro que eu me expresse de maneira tão direta, mas é preciso dizer:
essa ideia é uma estupidez. Fantasias e orientações sexuais nunca são
o efeito de acumulação de energia sexual insatisfeita. Um pedófilo
poderá, eventualmente, desejar uma mulher e casar com ela, mas o fato
de cumprir, mesmo com afinco, o dever conjugal não o livrará das
fantasias pedofílicas. Teremos, simplesmente, pedófilos casados, em
vez de solteiros.

Não vejo o que ganharíamos com isso, mas vejo, isso sim, na própria
proposta, um desprezo inacreditável pelas mulheres que se casariam
para servir de válvulas de escape para a "depravação" dos seus
maridos. Ninguém merece.
A quem propõe o casamento como solução para a pedofilia dos padres,
uma sugestão: proponha um programa compulsório de transa diária com a
boneca inflável do Geraldão. Será tão ineficiente quanto o casamento,
mas, ao menos, as mulheres serão poupadas.
2) Não é exato dizer que pedófilo é quem gosta de "carne" jovem. Pois
o que importa ao pedófilo, o que é crucial na fantasia, é induzir a
vítima a aceitar algo que ela desconhece e não entende. A jovem idade
da vítima é sobretudo garantia de sua inocência e ignorância, ou seja,
do fato de que a vítima não entenderá o que lhe será feito.

Por exemplo, um dos padres denunciados em Boston, em 2002, explicou
que seu prazer consistia não tanto em ser satisfeito oralmente por um
menino quanto em convencer o menino de que essa era uma forma especial
de santa comunhão, que ele, o padre, ensinava e administrava.

Em suma, o pedófilo encontra seu prazer iniciando os ignaros e
exercendo sobre eles um poder pedagógico absoluto. Agora, considere o
jeito como a Igreja Católica tratou seu rebanho, até ser forçada a
reconhecer a culpa de alguns de seus ministros. Considere a prática
recorrente de camuflar decisões administrativas em dogmas divinos,
considere a repressão teológica em lugar do diálogo e ainda considere
a doutrina da pretensa infalibilidade do pontífice. Pois bem,
aparentemente, os padres pedófilos são pequena minoria, mas a igreja
como instituição trata mesmo seus fiéis como criancinhas.