Não sou adepto de jogar no lixo todos os
elementos de qualquer filosofia. No caso da tradição hegeliano-marxista,
um termo interessante já tinha sido posto fora pelos próprios marxistas
na década de 60, do século 20. Aquele termo foi considerado "não
científico" pelos seguidores de Louis Althusser. Ele seria o fruto da
fase "liberal e humanista" do jovem Marx, com os defeitos todos que, na
mente dos estalinistas de então, os nomes de liberal e humanista
evocavam. Além, claro, de "cosmopolita" (o ódio contra este último
reinou a partir do instante em que foi proclamado o "socialismo num só
país").
O termo tem origem nos textos da "burguesia" filosófica,
forjado desde o século 16 e com plena vigência nas teorias do contrato
social, no século 18. Ele tenta descrever a propriedade de si mesmo e
das coisas, pelo sujeito humano. A consciência humana pode estar
presente a si mesma (em sua casa, para usar a metáfora mais antiga da
filosofia grega) ou estar ausente de si mesma, perdida em outro (o
senhor feudal, a Igreja, Deus ou diabo). Daí, a doutrina de Rousseau
sobre a não entrega da consciência aos donos do mundo e a instauração do
contrato social, sem que o indivíduo perdesse sua liberdade.
Qual o termo? Alienação.
Na lingua dos alemães, em especial na de Hegel e de Marx, ele se traduz
por três vocábulos diversos, com sentidos distintos. Existe alienação
como Entäusserung
, que aponta para a saída de si do sujeito, sem conotação negativa ou
positiva, como no ato de respirar. Quando respiramos, saímos de nós
mesmos, mergulhamos no ar circundante, voltamos para nós. Alienação,
neste plano, não ostenta nenhuma perda, mas define uma permanência no
Ser dos entes vivos.
Outra palavra para alienação é Veräusserung.
Aqui, temos um movimento voluntário de exteriorização do ser humano. O
trabalho, as técnicas, etc. exigem que "saiamos de nós mesmos", e nos
coloquemos no interior da natureza e da cultura, forjando instrumentos
apropriados às coisas que desejamos formar. O aspecto dessa alienação é
volitivo, com maior grau de ação do sujeito, mas não é necessáriamente
negativo. O trabalho não é sempre perda da liberdade.
A terceira palavra é Entfremdung,
o estranhamento, quando o sujeito perde a presença a si mesmo, não é
mais senhor de si. No trabalho alienado, ocorre esta perda de si mesmo,
em proveito alheio. É como se fossemos estranhos em nossa própria morada
(como ao acordar, notamos que nosso corpo não é mais humano, mas tem a
forma de uma barata). Quando estamos neste estado de alienação,
ignoramos as nossas relações normais, desconhecemos limites entre o que é
certo e o que é errado, o moral e o imoral. Podemos fazer ou suportar
coisas insuportáveis em condições adequadas de vida.
O Congresso Nacional, por culpa própria, sem
intervenção alheia, chega ao mais baixo nível de credibilidade pública, imerso na lamentável Entfremdung. Seus integrantes não sabem o que fazem ou o que fizeram os seus pares. Não é mesmo, Sr. Vacarezza ?
Triste assim.
RR