À prova de impacto
Químico desenvolve menisco artificial a partir da técnica de prototipagem
Pacientes
com problemas de menisco, cartilagem do corpo humano localizada no
joelho, foram alvos de atenção de uma pesquisa de doutorado realizada na
Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). O seu autor, o químico Célio
Hitoshi Wataya, acaba de desenvolver um menisco artificial a partir de
uma adaptação na técnica de prototipagem rápida, a qual permite fabricar
objetos físicos diretamente de fontes de dados gerados por sistemas
auxiliados por computador (CAD). O diferencial do trabalho está na
obtenção de um dispositivo de hidrogel, polímero reticulado capaz de
absorver líquidos sem se dissolver –, a partir de imagens do joelho em
tomografia computadorizada, que podem servir de base à construção de uma
modelagem exata do menisco.
O
resultado foi um produto personalizado e artesanal já testado quanto à
citotoxicidade em modelo animal, visando aplicações na área médica. Ele
não exibiu rejeição local e, nos testes mecânicos, apresentou
comportamento – quanto à tração e à compressão – similar ao suportado
por um menisco submetido à carga. Mostrou ser promissor para essa
aplicação, segundo Célio.
O material
usado na prótese, o polivinil álcool (PVA), é o polímero sintético
solúvel em água mais usado do mundo, estando presente em itens como
cosméticos, produtos farmacêuticos e roupas de queimados. É encontrado
comercialmente na forma de pó ou de grânulos e tem sido bastante
estudado no momento, embora o seu conhecimento já remonte à década de
1920, por suas propriedades medicinais.
Importância
De
acordo com Célio, dois detalhes foram fundamentais para chegar ao
produto final. O primeiro foi o tratamento computacional dado à imagem
da tomografia do joelho com o Invesalius e o Rhinoceros, dois softwares
livres.
O segundo foi o uso do
dimetilssulfóxido (DMSO), um agente de reticulação empregado num arsenal
de medicamentos, sob as formas de gel e de solução, indicados como
anti-inflamatório e analgésico de uso tópico nos traumatismos, hematomas
e edemas.
Célio conta que pensou em
produzir um menisco artificial pelo grande impacto social que teria para
a vida dos pacientes, já que, após lesionado, o menisco ‘original’ não
se regenera. A área de contato do joelho fica reduzida algo em torno de
50%, submetendo a cartilagem articular a um maior risco de lesões.
Conforme
o autor da tese, a regeneração é complicada porque o menisco é pobre em
vasos sanguíneos e, consequentemente, com irrigação mínima.
Quando
a regeneração ocorre, o resultado é um tecido com baixa propriedade
mecânica que, ao ser submetido a esforços, pode se romper com
facilidade, o que comprometeria o seu funcionamento, uma vez que o
menisco atua como um amortecedor, impedindo o atrito entre órgãos
próximos, como a tíbia e o fêmur. A sua principal função, inclusive, é
absorver cerca de 50% da carga compressiva na articulação do joelho em
extensão e 85% da carga em flexão.
No
caso da existência de lesões, o procedimento de escolha em geral é a
extirpação do menisco, a meniscectomia, sobretudo com vistas a eliminar a
dor, que é relatada como intensa pelos pacientes. Isso porque a lesão
continua se propagando e chega a um ponto que a cirurgia torna-se
inevitável.
As maiores vítimas de
rompimento do menisco são os desportistas, as vítimas de acidentes
automobilísticos e os idosos que sofreram quedas.
Testes
Um
estudo de Kobayashi, feito no Japão, já tinha usado o PVA agregado ao
DMSO no joelho de coelhos, relata Célio. A parte da fixação da prótese
foi testada pelo autor com fios de nylon e, as perfurações na tíbia,
feitas com brocas.
Houve ainda
avaliação da reação dos animais, notando-se, após o período de dois
anos, que o órgão não tinha provocado irritação local. Estava
praticamente intacto. A resposta foi favorável, conta o químico,
sinalizando a sua viabilidade de uso.
Com
base nessa mesma investigação, Célio estudou como introduzir o menisco
em seres humanos. Ao conversar com especialistas do Centro de Tecnologia
da Informação “Renato Archer” (CTI), ele constatou a alternativa de
personalizar o PVA a partir de uma sequência de tomografia
computadorizada.
O pesquisador
avaliou as imagens tridimensionais do joelho, que o ajudaram a
reproduzir um molde do menisco para ser envasado com PVA. Esse menisco,
moldado de PVA e DMSO, passou por congelamento e irradiação de raios
gama, por meio de irradiador multipropósito do Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares (Ipen) da USP, até chegar ao menisco artificial.
Amostra desse material irradiado foi introduzida na calota craniana de animais de laboratório, a fim de verificar a sua biocompatibilidade. Semelhantemente aos resultados de Kobayashi, além de não se observar rejeição do material, não houve hemorragia no local após 12 dias.
Amostra desse material irradiado foi introduzida na calota craniana de animais de laboratório, a fim de verificar a sua biocompatibilidade. Semelhantemente aos resultados de Kobayashi, além de não se observar rejeição do material, não houve hemorragia no local após 12 dias.
Também
foi avaliada a reação no organismo dos ratos. “Pela lâmina, percebeu-se
que não houve irritação. Pelo contrário, houve a formação protetora de
uma cápsula de tecido conjuntivo envolvendo esse material, conforme se
esperava”, relata o doutorando.
Os
testes de material in vitro foram efetuados no Núcleo de Medicina
Experimental da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e in vivo no
Instituto de Cirurgia Plástica Craniofacial (Sobrapar). Outros
laboratórios envolvidos no trabalho foram os da Faculdade de Engenharia
Mecânica (FEM), da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) e do CTI.
Processo
Normalmente
o PVA reticulado atua como uma esponja hábil em absorver os líquidos,
inclusive o sinovial, que é uma mistura de água e de sais minerais,
esclarece Célio. Depois que ele intumesce, torna-se mais flexível, sendo
capaz de amortecer as pressões feitas pelos membros.
As
imagens virtuais do menisco passam por um equipamento de prototipagem
rápida, que possui funções semelhantes às de uma impressora. Só que, ao
invés dessa impressora ter um tubo de tinta, no seu lugar acomoda outros
materiais, que podem ser metais, polímeros e outros.
No
caso deste trabalho, a tecnologia foi adotada para a obtenção do molde
do menisco, e a prótese foi confeccionada a partir do envase do polímero
não reticulado. “Na tomografia foi possível visibilizar várias fatias
de imagens, com dimensões que iam de 1 a 4 mm. Quanto mais fina a
camada, mais preciso foi o produto final”, expõe Célio.
Em
cada processo, revela ele, se faz um único menisco, que demora por
volta de duas a três horas para ser finalizado. De acordo com o
pesquisador, ainda não existem equipamentos próprios para esse polímero.
Ele tentou empregar raios ultravioletas e infravermelhos, porém sem
lograr êxito.
A saída foi partir para
a moldagem e o envasamento, com posterior reticulação, ou seja,
formação de ligações químicas que impedem a dissolução do polímero em
presença do líquido sinovial. “Um equipamento de prototipagem rápida que
puder produzir o menisco diretamente tornará o processo mais ágil”,
garante o doutorando.
O menisco
artificial não é algo novo, comenta o químico. Kobayashi, por exemplo,
produziu um menisco artificial a partir de uma barra de PVA, cortando-a
em fatias redondas e adaptando-a manualmente. Já o mérito do trabalho de
Célio, orientado pela docente Cecília Zavaglia da FEM e co-orientado
por Vanessa Petrilli Bavaresco, do Departamento de Plásticos do Colégio
Técnico de Campinas (Cotuca), foi ter alcançado a personalização da
prótese.
O novo processo de obtenção
de menisco já foi apresentado em seis congressos internacionais,
despertando grande interesse da comunidade científica. No último evento,
na Alemanha, que ocorreu no mês de abril, especialistas belgas
manifestaram a intenção de conhecer os detalhes do processo.
O
próximo passo, afirma Célio, seria entrar com pedido de patente,
iniciativa que ele não pretende tomar. “A minha expectativa é
disponibilizar a descoberta para o setor industrial para que um dia o
acesso nas redes públicas de saúde seja viável”, ressalva. “Terá sido um
grande avanço.”
■ Publicação
Tese: “Desenvolvimento de menisco personalizado de polivinil álcool (PVA) via prototipagem rápida (PR)”
Autor: Célio Hitoshi Wataya
Orientadora: Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia
Coorientadora: Vanessa Petrilli Bavaresco
Unidades: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e Colégio Técnico de Campinas (Cotuca)
Financiamento: Capes
Autor: Célio Hitoshi Wataya
Orientadora: Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia
Coorientadora: Vanessa Petrilli Bavaresco
Unidades: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e Colégio Técnico de Campinas (Cotuca)
Financiamento: Capes