CPI do Cachoeira é 'trampolim político' para eleições municipais
22 de maio de 2012
A comissão investiga as relações do contraventor Carlinhos
Cachoeira com agentes públicos e privados em um esquema voltado não só a
jogos ilegais, mas também a corrupção e tráfico de influência
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Os interesses em ganhos políticos oriundos de uma boa atuação na
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista do Cachoeira vão
influenciar as eleições municipais de outubro deste ano, conforme
analistas ouvidos pelo Terra, que afirmaram que a comissão
serve como "trampolim político" e é "referência em palanques
eleitorais". Por outro lado, alguns integrantes da CPI discordam e
entendem que o pleito majoritário passa à margem dos desdobramentos no
Congresso. A comissão investiga as relações do contraventor Carlinhos
Cachoeira com agentes públicos e privados em um esquema voltado não só a
jogos ilegais, mas também a corrupção e tráfico de influência.
"A intenção de todos na CPI é aumentar o capital político. Caso
contrário, eles não entrariam. O problema é que a comissão é uma espécie
de trampolim político, que pode quebrar e se transformar num desastre,
conforme a atuação da pessoa. Se ela for séria, agressiva, transparente e
respeitosa, pode contar muito para o eleitorado. Mas se faz papel de
vingador, é um tiro que sai pela culatra", afirmou Roberto Romano,
professor de Ética e cientista político da Unicamp.
Para o cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Marcus Ianoni, é legítimo que as siglas busquem se fortalecer com a CPI
do Cachoeira. "Uma boa forma do partido fazer um trabalho eleitoral
positivo é ir bem na CPI, pois ela será uma referência no palanque. É
legítimo que todo parlamentar busque trabalhar bem e tenha seu nome em
evidência, recebendo o benefício nas urnas".
Lucros partidários
O professor de Ciências Políticas da Unicamp Valeriano Costa salienta que os eleitores costumam votar nos candidatos, e não nas legendas. Por isso, ele acha que postulantes a prefeito e vereador podem se vincular durante a campanha a membros destacados da CPI para obter lucros. "Principalmente os de Brasília e Goiás, devido ao envolvimento de políticos locais com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. A identificação com nomes serve para o bem e para o mal", ressaltou.
"Do ponto de vista do interesse e da importância nas eleições, é
evidente que a CPI terá grande relevância na decisão dos eleitores. Os
partidos sabem disso, sobretudo os hegemônicos da aliança governista,
caso do PT e PMDB, e os da oposição, especialmente o PSDB", completou
Roberto Romano.
Influência zero
Os integrantes da CPI discordam das opiniões dos analistas e argumentam que as eleições passam longe do trabalho da comissão. "Influência zero. A CPI não tem relação com as eleições municipais, pois elas mexem com o cotidiano das pessoas, a vida nas cidades. A CPI é uma questão nacional", afirmou o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Segundo ele, nenhum político vai se beneficiar com a investigação. "Só acredita nisso quem nunca disputou eleição municipal. O cidadão quer saber da vida dele e não está nem aí para o resto. Ele quer falar do posto de saúde, da passagem de ônibus, da sua rua", completou.
O deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ), que participa da CPI na
condição de líder, lembra que em outras campanhas municipais já
ocorreram situações semelhantes e ressalta que um possível julgamento do
mensalão poderia ter um papel mais determinante na eleição. "Como os
principais suspeitos não são candidatos, acho que não chega a contaminar
as siglas nesse sentido. O mensalão, por exemplo, influencia mais",
disse.
Para o ex-líder do PT na Câmara Cândido Vaccarezza (PT-SP), o que
está em jogo nesta CPI "são as pessoas, e não os partidos". "Eu não
acredito que algum partido sairá manchado, e sim os indivíduos. Nós não
queremos fazer espetáculo, mas uma investigação séria. O Brasil está
cansado de ver espetáculos, todos vão se beneficiar com essa CPI",
argumentou.
Carlinhos Cachoeira
Acusado de comandar a exploração do jogo ilegal em Goiás, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, foi preso na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, em 29 de fevereiro de 2012, oito anos após a divulgação de um vídeo em que Waldomiro Diniz, assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, lhe pedia propina. O escândalo culminou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos e na revelação do suposto esquema de pagamento de parlamentares que ficou conhecido como mensalão.
Escutas telefônicas realizadas durante a investigação da PF apontaram
contatos entre Cachoeira e o senador democrata Demóstenes Torres (GO).
Ele reagiu dizendo que a violação do seu sigilo telefônico não havia
obedecido a critérios legais.
Nos dias seguintes, reportagens dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo afirmaram, respectivamente, que o grupo de Cachoeira forneceu telefones antigrampos para políticos, entre eles Demóstenes, e que o senador pediu ao empresário que lhe emprestasse R$ 3 mil em despesas com táxi-aéreo. Na conversa, o democrata ainda vazou informações sobre reuniões reservadas que manteve com representantes dos três Poderes.
Pressionado, Demóstenes pediu afastamento da liderança do DEM no Senado em 27 de março. No dia seguinte, o Psol representou contra o parlamentar no Conselho de Ética e, um dia depois, em 29 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski autorizou a quebra de seu sigilo bancário.
O presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), anunciou em 2 de abril que o partido havia decidido abrir um processo que poderia resultar na expulsão de Demóstenes, que, no dia seguinte, pediu a desfiliação da legenda, encerrando a investigação interna. Mas as denúncias só aumentaram e começaram a atingir ouros políticos, agentes públicos e empresas.
Após a publicação de suspeitas de que a construtora Delta, maior recebedora de recursos do governo federal nos últimos três anos, faça parte do esquema de Cachoeira, a empresa anunciou a demissão de um funcionário e uma auditoria. O vazamento das conversas apontam encontros de Cachoeira também com os governadores Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal, e Marconi Perillo (PSDB), de Goiás. Em 19 de abril, o Congresso criou a CPI mista do Cachoeira.