terça-feira, 15 de maio de 2012

Hiro Kumasaka, sobre o post anterior (Direito Constitucional).

Prezado Dr. Romano,

É mais do que bem vindo o seu texto "O fator universal: meditação sobre a sociedade brasileira"' , apresentado, pelo que vemos em seu blog, no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional. É de leitura imperativa por quem defende uma administração pública sob o signo do Estado de Direito insculpido na Constituição Federal. 

Permita-me uma observação, claro, pelo que se verá, não um reparo. Trata-se da menção, na nota 24, aos cargos de direção e assessoramento superiores. Na condição de servidor efetivo, da carreira dos especialistas em políticas públicas e gestão governamental, tive a oportunidade de apesentar ao Ministro da Administração da época, Prof. Bresser Pereira, essa mesma observação. Sua excelência também sustentava que o crescente percentual de ocupação desses cargos por efetivos constituir-se-ia em evidência da crescente profissionalização do serviço público. 
 
Sou de opinião que, antes de indicar profissionalização, no sentido de prestação universal e impessoal, esse índice presta-se a escamotear e daí reforçar o fenômeno do patrimonialismo. Em outras palavras, desmoraliza a administração, porque a subordina, no pior e não-republicano sentido da palavra, ao favor. Assim, inexiste, fora da diplomacia e das forças armadas, carreira propriamente dita. Todo e qualquer cargo de chefia, os que possibilitam direcionar no sentido técnico a prestação, é nomeado por livre provimento. Não há definição das competências para o exercício desses cargos. Antes a exigência fosse apenas a de respirar. O concursado é lançado, então, à busca do DAS. Repare que não me refiro ao caráter do servidor, mas se ele quiser realizar um bom trabalho tem de submetê-lo aos compromissos do favor. Qualquer esquema partidário é capaz de ocupar a máquina por essa via. Daí que não acuse a este ou aquele partido hegemônico na coalizão governamental. Assim foi com o PSDB, assim é com o PT e assim será com que partido for até que se altere o regime de provimento e se instituam carreiras na administração. 
 
De que adianta investir em formação técnica? Qual a estrutura de incentivos à prestação de qualidade? Um recém concursado pode perfeitamente ocupar qualquer um desses cargos, independente da sua experiência ou capacidade, igualzinho aos não concursados. No caso, a diferença é que passou pelo "batismo burocrático do saber" (o concurso público). Pode lançar mão do estatuto que lhe é conferido, não para o exercício do juízo técnico (necessariamente autônomo), mas para eximir-se das responsabilidades de sua condição. A pertinência a instituições estranhas à administração passa a ser mais importante do que a fidelidade aos princípios republicanos. Acontece que se um governo quiser mesmo realizar um plano de ação efetiva tem de contar com uma administração. Até esse dia, o que se tem é uma máquina dócil mas ineficaz. Encerrando, desculpe-me dizê-lo, mas, em minha opinião, se for para ser assim, melhor que o recrutamento se dê integralmente entre os não efetivos: 0%, portanto. 

Respeitosamente, como sempre,

Hiro Kumasaka

PS: Ah!, sim, a Constituição Federal, invocada no início deste e-mail, é a mesma que consagrou, ao lado dos princípios republicanos referidos, os nefastos princípios do patrimonialismo, pois manteve o livre provimento em larguíssima escala.