Prezado Dr. Romano,
É
 mais do que bem vindo o seu texto "O fator universal: meditação sobre a
 sociedade brasileira"' , apresentado, pelo que vemos em seu blog, no 
XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional. É de leitura 
imperativa por quem defende uma administração pública sob o signo do 
Estado de Direito insculpido na Constituição Federal. 
Permita-me
 uma observação, claro, pelo que se verá, não um reparo. Trata-se da 
menção, na nota 24, aos cargos de direção e assessoramento superiores. 
Na condição de servidor efetivo, da carreira dos especialistas em 
políticas públicas e gestão governamental, tive a oportunidade de 
apesentar ao Ministro da Administração da época, Prof. Bresser Pereira, 
essa mesma observação. Sua excelência também sustentava que o crescente 
percentual de ocupação desses cargos por efetivos constituir-se-ia em 
evidência da crescente profissionalização do serviço público. 
Sou de 
opinião que, antes de indicar profissionalização, no sentido de 
prestação universal e impessoal, esse índice presta-se a escamotear e 
daí reforçar o fenômeno do patrimonialismo. Em outras palavras, 
desmoraliza a administração, porque a subordina, no pior e 
não-republicano sentido da palavra, ao favor. Assim, inexiste, fora da 
diplomacia e das forças armadas, carreira propriamente dita. Todo e 
qualquer cargo de chefia, os que possibilitam direcionar no sentido 
técnico a prestação, é nomeado por livre provimento. Não há definição 
das competências para o exercício desses cargos. Antes a exigência fosse
 apenas a de respirar. O concursado é lançado, então, à busca do DAS. 
Repare que não me refiro ao caráter do servidor, mas se ele quiser 
realizar um bom trabalho tem de submetê-lo aos compromissos do favor. 
Qualquer esquema partidário é capaz de ocupar a máquina por essa via. 
Daí que não acuse a este ou aquele partido hegemônico na coalizão 
governamental. Assim foi com o PSDB, assim é com o PT e assim será com 
que partido for até que se altere o regime de provimento e se instituam 
carreiras na administração. 
De que adianta investir em formação técnica?
 Qual a estrutura de incentivos à prestação de qualidade? Um recém 
concursado pode perfeitamente ocupar qualquer um desses cargos, 
independente da sua experiência ou capacidade, igualzinho aos não 
concursados. No caso, a diferença é que passou pelo "batismo burocrático
 do saber" (o concurso público). Pode lançar mão do estatuto que lhe é 
conferido, não para o exercício do juízo técnico (necessariamente 
autônomo), mas para eximir-se das responsabilidades de sua condição. A 
pertinência a instituições estranhas à administração passa a ser mais 
importante do que a fidelidade aos princípios republicanos. Acontece que
 se um governo quiser mesmo realizar um plano de ação efetiva tem de 
contar com uma administração. Até esse dia, o que se tem é uma máquina 
dócil mas ineficaz. Encerrando, desculpe-me dizê-lo, mas, em minha 
opinião, se for para ser assim, melhor que o recrutamento se dê 
integralmente entre os não efetivos: 0%, portanto. 
Respeitosamente, como sempre,
Hiro Kumasaka
PS:
 Ah!, sim, a Constituição Federal, invocada no início deste e-mail, é a 
mesma que consagrou, ao lado dos princípios republicanos referidos, os 
nefastos princípios do patrimonialismo, pois manteve o livre provimento 
em larguíssima escala.