Fábio Pannunzio
TENDÊNCIAS/DEBATES
Contra a avalanche, o jornalista desiste
Em empresas de comunicação, fui processado uma vez em 31 anos. Já na
internet, sozinho, é uma avalanche. Como bancar? Sobra só a blogosfera
'estatal'... Como jornalista a serviço de empresas de comunicação, fui processado só
uma vez em 31 anos de profissão -a despeito de ter trabalhado a maior
parte desse tempo como repórter investigativo e de ter feito dezenas de
denúncias graves. E ganhei. Há menos de quatro anos, criei um blog dedicado à reflexão política e à
denúncia de iniciativas visando sufocar a liberdade de expressão,
promover ou justificar a corrupção.
Ao longo de sua existência, tornei-me alvo de uma avalanche de processos
judiciais. Foram oito ao todo, que me obrigaram a gastar uma fortuna
com a contratação de advogados. Como blogueiro, descobri a condição de
vulnerabilidade em que se encontram dezenas de jornalistas que decidiram
atuar independentemente na internet Jamais fui condenado, mas é fato inquestionável que o exercício das
garantias constitucionais é excessivamente custoso para quem não está
respaldado por uma estrutura empresarial -ou não vendeu a alma ao diabo. Contratar advogados, pagar custas e honorários, invariavelmente
caríssimos, já constitui, em si, uma punição severa, mesmo para quem
fatalmente será absolvido ao final de um processo sofrido e demorado. Foi o que me levou à decisão de parar de publicar no blog.
Os dois primeiros processos vieram do Paraná, de onde uma quadrilha de
estelionatários e traficantes de trabalhadores brasileiros para os EUA
conseguiu censurar o blog durante alguns meses. A prisão dos denunciados
fez com que a censura se extinguisse. Não satisfeitos e embora presos,
passaram a pleitear uma indenização por danos morais. De Mato Grosso chegaram outras quatro ações. O autor é o deputado
estadual José Geraldo Riva, réu em 120 processos por peculato, corrupção
e improbidade administrativa. Seu mandato foi cassado duas vezes por
compra de votos, mas Riva ainda preside a Assembleia Legislativa do
Estado, mesmo proibido de assinar cheques e ordenar despesas.
Boa parte dos textos teve como objeto o repúdio às práticas que o STF
agora condenou como crimes praticados pelos mensaleiros do PT. O foco
era o desvirtuamento ético, e não a questão partidária.
Também critiquei o mata-mata na segurança pública de São Paulo, Estado governado pelo PSDB. Daí brotaram dois outros processos. O primeiro, uma queixa-crime do ex-comandante Paulo Telhada, que acaba
de ser eleito vereador em São Paulo graças à imagem que ele alimenta de
matador implacável. É o mesmo acusado de incitar no Facebook a campanha
que culminou em uma série de ameaças ao repórter André Caramante, desta Folha. O segundo é uma ação por danos morais movida pelo secretário de
Segurança Pública de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, que novamente
pôs o blog sob censura.
Não fui o único blogueiro a ter a sua atividade jornalística impedida
por uma sequência de ações judiciais. Outro caso exemplar é a
mato-grossense Adriana Vandoni, do blog "Prosa & Política". Desde
2009, a publicação está censurada judicialmente pelo mesmo José Geraldo
Riva. Não defendo prerrogativas de qualquer natureza para o jornalismo
irresponsável. O exercício do jornalismo se torna deletério quando há
deslizes éticos, com prejuízos enormes para quem se vê caluniado,
difamado ou injuriado. Também não me insurjo contra o direito dos ofendidos de pleitear
reparação diante de distorções e erros da imprensa. O blog, aliás,
sempre criticou o engajamento do jornalismo a soldo de políticos
suspeitos, que atua como uma máquina de destruir reputações. Tal máquina
ataca inclusive jornalistas, como Heraldo Pereira, da TV Globo, e
Policarpo Júnior, da "Veja", vítimas de uma campanha difamatória
hedionda movida pela blogosfera estatal. Minha página eletrônica nunca aceitou qualquer forma de publicidade. Era
mantida exclusivamente às expensas da minha renda pessoal auferida como
repórter e apresentador da Rede Bandeirantes de Televisão. O exercício
da liberdade de expressão, no ambiente cultural de uma democracia que
ainda não se habituou à crítica (e a confunde com delitos de opinião),
desafortunadamente, se tornou caro demais. Mas sou forçado a concordar com os que entenderam minha atitude como
capitulação. Porque o silêncio compulsório, que é o que desejam os
inimigos da liberdade de expressão, só fará agravar o problema