A decadência da turma do "corrompe, mas faz"
A condenação de Dirceu e Genoino por formação de quadrilha representa a decadência de um tipo político: aquele que invoca um "passado de lutas" como álibi para os crimes do presente
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José Dirceu é um pragmático. Condenado na semana passada por formação de quadrilha
no Supremo Tribunal Federal (STF) – condenação que se soma à sofrida
por corrupção ativa, duas semanas atrás –, o ex-ministro da Casa Civil
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
ligou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Dirceu encara a
prisão como algo inevitável. Queria saber se no presídio onde deverá
ficar, em Tremembé, no interior de São Paulo, existe um parlatório
confortável para receber advogados e espaço para visitas íntimas.
Perguntou também se, em sua cela, haveria espaço para uma TV de tela
plana. De acordo com o criminalista Luiz Flávio Gomes, Dirceu deverá ser
condenado de 10 a 12 anos de prisão, tomando como parâmetro a punição
imposta pelo STF ao ex-publicitário Marcos Valério – 40 anos e um mês.
Se isso se confirmar, Dirceu ficará preso em regime fechado por
aproximadamente dois anos. Gomes diz que o início da execução da pena
ainda é uma incógnita. Antes, é necessária a publicação do acórdão do
julgamento. Depois, os advogados apresentarão os embargos. Só depois de
julgados os embargos, Dirceu – ou qualquer outro réu – poderá ser preso.
Quando o mensalão foi denunciado, em 2005, poucos brasileiros
acreditavam que seus coordenadores iriam para a cadeia. Entre eles
estava Dirceu. Em rodas de amigos, ele comentava que, se algo assim
acontecesse, o povo iria às ruas protestar. Dirceu foi condenado – e
ninguém protestou nas ruas. Pouco antes do início do julgamento, ele
tentou organizar manifestações com militantes políticos do ensino
secundário – na juventude, ele foi líder estudantil. Sua convocação teve
adesão mínima. Depois da condenação da semana passada, Dirceu postou em
seu blog: “Minha geração, que lutou pela democracia e foi vítima dos
tribunais de exceção, especialmente após o Ato Institucional número 5,
sabe o valor da luta travada para erguer os pilares da nossa atual
democracia. Condenar sem provas não cabe em uma democracia soberana”. A
frase tem três imprecisões: 1) dentro da teoria do domínio do fato que
embasou os votos do STF, havia provas abundantes para condenar Dirceu
como coordenador do mensalão; 2) não é possível insinuar que o STF é um
tribunal de exceção (tribunais de exceção, nas palavras do filósofo
Roberto Romano, “operam em segredo”, não em julgamentos exibidos pela
televisão); 3) ao contrário do que diz Dirceu, o julgamento do mensalão
representou um ápice na luta dos brasileiros pela democracia. Afirmou-se
um poder – o Judiciário – essencial ao equilíbrio democrático.