sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Entrevista "antiga"para o Jornal do Commercio de Recife. A corrupção é mais antiga....

Jornal do Commercio/Recife
Matéria integrante da série Os Caminhos da Corrupção, publicada entre 07 e 11 de agosto de 2005 pelo Jornal do Commercio de Recife. Os assinantes UOL podem ter acesso à versão eletrônica dos textos, no site do jornal.










Favor: uma licença à corrupção
Publicado em 11.08.2005


ANA LÚCIA ANDRADE E CIARA CARVALHO No último dia da série sobre corrupção, o JC aponta as causas e os caminhos para o enfrentamento do problema. O professor de ética da Unicamp, Roberto Romano, atribui à cultura do favor a fonte estrutural da corrupção. Já o ex-chefe do Ministério Público Federal Cláudio Fonteles defende a idéia de que os crimes de improbidade administrativa sejam imprescritíveis e cobra uma postura menos conservadora do Judiciário.

Favor, verbete que se traduz em falta de isenção no julgar. Parcialidade. Cuidado que se toma na fortuna ou nos interesses de alguém. Essa licença, em que se apóia a estrutura da sociedade brasileira, segundo os estudos do filósofo e professor de ética e filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, veste-se rapidamente de autorização, também, para reger as relações político-administrativas. Estamos diante de um dos fatores mais profundos da corrupção no País.

Para o professor, o Brasil é uma federação muito centralizada, o que demanda à União o controle de praticamente todas as políticas do Estado brasileiro e a premia com a centralização dos impostos. Diante de um Brasil composto de diferentes brasis, distantes em sua grande maioria do poder central, acirram-se a lentidão e a desigualdade no retorno dos benefícios. A soma dessa matemática não poderia produzir outro resultado, se não o de municípios empobrecidos, presas fáceis para a criação e o fortalecimento de grupos na direção dos negócios públicos. As chamadas oligarquias, que entram em cena e se apresentam como a garantia de uma assistência mínima.

“Temos aí a formação da representação política. O deputado e o senador considerados bons pelos eleitores são aqueles que trazem recursos. O eleitor não se pergunta qual é o preço disso, mas é justamente vender o voto para o Executivo. Essa é uma fonte estrutural de corrupção constante”, conclui Romano.

Esse defeito estrutural da sociedade brasileira pouco a pouco vai construindo uma dependência, afirmando as relações do toma-lá-dá-cá, como se a restituição ao povo não fosse um dever, mas uma mercadoria que se “deve” a quem “comprou”. Nessa troca, o sentimento que dignifica, segundo o professor, é o da retribuição a quem prestou o favor. “Com isso, esquece-se de que existe Estado, de que existem leis. A sociedade brasileira ainda não distinguiu o que é favor do ponto de vista pessoal do que é favor em termos de honra e ética. Tem-se aí o campo para a corrupção. As pessoas acham que o normal, o ético, é retribuir àquele indivíduo que fez o favor.”

As chances de mudança do elemento cultural do favor residem, para Romano, na redação da Constituição Federal de 1988. Segundo ele, as tentativas para melhorar a redistribuição dos impostos só produziram a chamada guerra fiscal. E a briga de um Estado contra o outro ofusca a discussão essencial, que é a de questionar a capacidade do poder central de arrecadar o máximo de impostos e depois distribuir. “As despesas maiores das políticas públicas estão nos municípios e os nossos prefeitos estão com orçamentos cada vez menores.”

Já o ex-chefe do Ministério Público Federal procurador Cláudio Fonteles – que ficou conhecido como o “desengavetador” de investigações contra autoridades do governo federal ao suceder a Geraldo Brindeiro, que marcou sua passagem por uma prática exatamente inversa – enxerga uma cultura conservadora do Judiciário que dificulta o combate à corrupção.

“Essa postura não se concilia mais. Temos membros do Ministério Público e do Judiciário que se perdem em elucubrações, em vez de tornarem as coisas mais concretas, mais objetivas. Não precisa mudar o código de processo para se mudar uma mentalidade. É perfeitamente possível esse passo adiante, perceber esses anseios sociais com uma visão mais dinâmica”, acredita.

Cláudio Fonteles também inclui como munição no combate à corrupção uma mudança significativa da lei: tornar imprescritíveis os crimes de improbidade administrativa. O ex-chefe do Ministério Público Federal acredita que há espaço para o avanço desse debate, não só porque o tema esquentou a República, mas porque, ao contrário dos tempos pós-ditadura – quando se procurou defender fortemente a pessoa humana, vítima dos horrores da tortura –, “hoje o que o tem que ser defendido, com igual condição, é o conjunto de pessoas”.

“É a sociedade que está indefesa, não só diante da criminalidade urbana como também dos maus administradores que deveriam zelar pela coisa pública, mas eles fazem o contrário. Esses crimes deveriam ser considerados imprescritíveis e não hediondos, porque quem os pratica vai saber que a qualquer momento, enquanto vivo, pode ser processado”, raciocina Fonteles. A idéia do procurador é derrubar dois pilares da impunidade: a lentidão da Justiça e a certeza da prescrição do crime.