Formação e deformação |
Escrito por Gilvan Rocha |
Quarta, 10 de Outubro de 2012 |
“Precisamos, urgentemente, fazer formação”. Isto é o que se ouve com
certa freqüência. Entretanto, é necessário dizer qual formação
pretendemos fazer e com quem. Ora, no âmbito religioso, existe a
formação espírita, a católica, a evangélica, a muçulmana, a budista...
No âmbito político, existe a formação neoliberal, a
nacional-desenvolvimentista, a conservadora, a socialista reformista, a
social-patriota, a socialista revolucionária. Num caso bastante extremo,
e à guisa de ironia, poderíamos até dizer que existe, também, a chamada
formação de quadrilha, como bem sabem os envolvidos no escândalo do
mensalão, episódio que se reporta a algumas das falcatruas acontecidas
no governo Lula.
Dependendo do ponto de vista e, até mesmo do grau de clareza que se
possa ter, existem, em nome da formação, verdadeiras aulas de deformação
quando se trata de política. Nesse sentido é bom lembrar que, desde
1921, quando se deu o X Congresso do Partido Comunista russo, se iniciou
um processo que levaria à consolidação do nefasto fenômeno político
chamado stalinismo. Aí, inaugurou-se um trabalho de pretensa formação
que, a rigor, não passou, como ainda não passa, de um processo de
deformação.
Sim. Nesses últimos noventa anos de hegemonia stalinista,
desenvolveu-se um intenso esforço objetivando a deformação do marxismo,
impondo uma cultura dita socialista, porém, fundada em dogmas e,
portanto, negação peremptória do socialismo revolucionário. Nesse
gigantesco trabalho de deformação, feito em nome do socialismo, teve
grande destaque o papel jogado pela nefasta Academia de Ciência da URSS.
Trocando o marxismo por um rosário de dogmas, essa academia serviu de
matriz na produção e difusão de manuais que se prestavam a castrar o
lume revolucionário do marxismo. E tudo isso era feito sob o carimbo do
”marxismo-leninismo”.
Mas o imenso trabalho de deformação política não foi somente
empreendido pela Academia de Ciências da URSS. O maoísmo, por exemplo,
muito contribuiu para a consolidação de uma cultura deformada, levada a
cabo em nome da revolução. Tinha como figura central Mao Tsé Tung,
lutador obstinado e de grande intuição, porém, de acentuadas limitações,
na medida em que nunca passou de um teórico sub-marxista com viés
confuciano. Por seu turno, não podemos imputar a Fidel Castro nenhuma
responsabilidade maior nesse processo de deformação do socialismo
revolucionário, pois essa brava figura nunca extrapolou as raias do
antiamericanismo e todo seu projeto político nunca foi e nem vai além
das fronteiras de sua consigna: “pátria ou morte, venceremos”.
A história do movimento socialista, pós-X Congresso do PC russo, vai
encontrar em Leon Trotsky e no trotskismo meros operadores de graves
equívocos políticos e cultores de vários dogmas. Em primeiro lugar, Leon
Trotsky, e depois seus seguidores, partiam e partem da errônea premissa
de que a Revolução Russa foi traída, sem observar que, antes de tudo,
ela foi derrotada. Ao lado desse e de tantos outros erros, os diversos
grupos trotskistas, e não são poucos, continuam ferrenhos seguidores das
resoluções tomadas no X Congresso do PC russo em 1921, que consistiam
em: supressão do livre debate; imposição do monolitismo; proibição de
tendências no partido único; e no falso conceito de “Partido da
Revolução”, com todas as criminosas consequências políticas que de tais
posturas decorrem.
É em respeito a essas observações dos fatos que nos resguardamos, e
até nos preocupamos, quando se fala na necessidade real de formação, sem
explicitar, bem e muito bem, a sua natureza, pois, na maioria dos
casos, os chamados trabalhos de formação, ao invés de formar militantes
verdadeiramente socialistas, terminam por construir legiões de beatos,
meros seguidores de diversos credos.
Não podemos imaginar nenhuma força milagrosa por conta da palavra
“formação” quando ela não é fundada em verdadeiros princípios, nem mesmo
em dogmas, mesmo que estes tenham a respaldá-los, de forma indevida,
figuras possuídas de grande prestígio, como sói acontecer com o chamado
Marx e Lênin, que foram usados para cunhar a expressão
“marxismo-leninismo”.
Gilvan Rocha é militante socialista e membro do Centro de Atividades e Estudos Políticos. Blog: www.gilvanrocha.blogspot.com |