O sentimento nacional de justiça e o mensalão
11 de outubro de 2012 | 3h 08
Aloísio de Toledo César
A firmeza dos ministros do Supremo Tribunal Federal no
julgamento do mensalão vem ajudando a sepultar em parte a ideia de que o
favor da nomeação para tão alto cargo poderia prevalecer na tomada das
decisões. Como já foi tantas vezes divulgado, os integrantes dessa Corte
foram majoritariamente nomeados pelo ex-presidente Lula, com a
participação claríssima de políticos petistas.
Todos os povos possuem um sentimento nacional de justiça e em alguns
deles isso se deixa transparecer de forma bastante aguda. Há casos
emblemáticos em torno dos quais os povos externam com absoluta certeza o
que esperam da Justiça e o que devem fazer os julgadores. Se a lei e o
Direito indicam ser possível essa conduta, é compreensível que os
magistrados julguem nesse sentido.
No episódio do mensalão ficou evidente que o sentimento nacional de
justiça, envergonhado por condutas tão sórdidas, somente seria
satisfeito com a reparação vertical provinda do Judiciário. Isso começou
a ocorrer de forma surpreendente, de início com os votos seguros e
claros do ministro relator Joaquim Barbosa, que foi seguido por vários
outros, sempre na linha de que os crimes cometidos são de extrema
gravidade e merecem reparação.
Houve duas exceções, infelizmente, envolvendo as decisões dos
ministros Ricardo Lewandowski e Dias Tófoli, ambos vistos como pessoas
com ligações mais fortes com o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus
dirigentes, dos quais partiu a ação delitiva. Toffoli foi até mesmo
advogado do PT, o que demonstrava claro impedimento para o julgamento.
Em verdade, ao proferir o voto com o qual absolveu José Dirceu da
imputação do crime de corrupção ativa, o ministro Dias Toffoli assumiu
claramente a posição de seu advogado. Praticamente se esquecendo de que é
ministro da Suprema Corte e estava julgando um réu, ele começou a
defender de forma enfática a pessoa de José Dirceu. Não chegou a dizer
que ele deveria ser canonizado, mas foi tão contundente nessa defesa que
passou a olhar para os outros ministros, para ver se algum deles o
apoiava - e ninguém sequer virou os olhos em sua direção. Seria
preferível que Toffoli e Lewandowski tivessem externado o seu
impedimento para julgar, o que rotineiramente ocorre quando o
magistrado, por sua amizade ou ligação com uma das partes, não se sente
absolutamente livre para o gesto soberano de prestar a jurisdição.
Declarar-se impedido não é feio nem incomum, não diminui o juiz e se
dá com frequência na vida dos tribunais. Se eles se tivessem dado por
impedidos, sem nenhuma dúvida teria sido muito melhor para ambos, porque
não transpareceria na sua conduta a impressão de que estavam divididos
entre a lealdade que devem à Nação e àqueles que os nomearam.
Em verdade, a sua lealdade deveria ser exclusivamente à Nação. A
clareza do sentimento nacional de justiça, nesse caso tão emblemático,
exigia dos julgadores um comportamento compatível e com a grandeza que a
grande maioria esperava: a condenação exemplar dos culpados.
Por mais que os dois ministros divergentes possam jurar, até ao pé da
cruz, que a absolvição de José Dirceu e outros decorreu unicamente de
suas convicções jurídicas, será muito difícil encontrar alguém que
acredite nisso. A ideia que prevaleceu é a oposta - e isso é lamentável,
por envolver o mais importante tribunal do País, agora, aliás,
fortalecido aos olhos de todos pelo exemplo do julgamento.
E mais: o fato de absolverem Dirceu e outros, ao fundamento da
inexistência de provas, soa como uma censura aos demais ministros, os
quais as consideraram suficientes. Inferiorizados nessa posição, dado o
maciço predomínio do entendimento em contrário, levarão para as
respectivas biografias um dado sombrio, que teria sido evitado caso
optassem por se julgar impedidos.
No caso particular de Lewandowski, cada vez que, durante as votações,
ele externava os seus argumentos pela absolvição, acabava agindo como
se estivesse a se explicar aos brasileiros por que procedia daquela
maneira. Seus gestos, sua expressão, ao julgar, exprimiam
constrangimento, e não a firmeza dos demais julgadores que optavam pelas
condenações.
Em verdade, quando julga, o magistrado não deve externar emoção
alguma. Conforme deixaram claro o presidente da Corte, Carlos Ayres
Brito, e o ministro Cezar Peluso - este em seu último voto como
magistrado -, não há ódio na decisão que condena, e isso é o que
realmente ocorre no cotidiano de quem julga. Uma expressão absolutamente
neutra é a mais compatível para quem condena ou absolve.
A lealdade aos companheiros constitui traço de caráter merecedor de
admiração nas relações humanas, mas não quando envolve a figura do juiz,
porque este, sendo praticamente um escravo da lei e do Direito, não
pode ficar dividido entre o que a Nação e os amigos dele esperam.
Enfim, externar lealdade aos companheiros no momento em que presta a
jurisdição serve para demonstrar que o juiz não deveria estar ali a
exercê-la, ou seja, fica aparente até mesmo o erro no ato de quem o
escolheu. Ressalte-se, a propósito, que outros ministros nomeados pelo
ex-presidente Lula exerceram a tarefa de julgar com absoluta
independência e se mostraram sensíveis ao sentimento nacional de justiça
nesse processo tão emblemático.
Será mesmo muito difícil para os brasileiros admitir que os dois
ministros optaram pela absolvição por motivos tão somente jurídicos,
sobretudo porque as suas posições estão em choque com o entendimento da
maioria. Por mais que Lewandowski e Toffoli possam argumentar que
manifestaram exclusivamente um entendimento jurídico divergente, sempre
ficará a ideia de que estavam pagando o favor da nomeação. Isso é
péssimo para o Supremo Tribunal Federal e, especialmente, para eles.
* DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
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