Política
Celso Russomanno, a elite paulistana e a ideologia das armas
Autoproclamado como
'empreendedor', o candidato do PRB à prefeitura de São Paulo chega às
urnas domingo podendo confirmar um fenômeno conservador que proclama o
conservadorismo militar e de traço malufista
Publicado em 05/10/2012, 14:45
Última atualização às 16:04
Candidato do PRB pode chegar ao 2º turno com um leque de propostas em que se destacam segurança pública, polícia, GCM e Processo Penal (©Ale Viana/Folhapress)
São Paulo – Não é sem motivo que o candidato do PRB à prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, é identificado com
os setores mais conservadores da cidade e do estado de São Paulo. Até
agora líder nas pesquisas, Russomanno pode chegar ao segundo turno com
um leque de propostas tão amplo quanto difuso, e no qual uma questão se
destaca: segurança pública, polícia, Guarda Civil Metropolitana (GCM),
Código de Processo Penal e armas.
Em várias ocasiões, o político toma a iniciativa de colocar o assunto segurança em pauta mesmo sem ser perguntado, como
ocorreu em evento de campanha em 25 de setembro, quando declarou:
“Quero ressuscitar a GCM do Jânio Quadros”. No dia seguinte, em encontro
promovido pela Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop),
questionado sobre se sua frequente insistência com
o tema não o aproxima dos setores mais à direita e conservadores do
espectro político paulistano, ele desconversou. "Não sei o que é ser
conservador. Acho que não sou conservador, sou o contrário disso. Sou
empreendedor.”
Mas o fato é que suas declarações, as forças que se aglutinam em torno de sua candidatura, como candidatos a vereador ligados à Polícia Militar, sua atuação como
deputado federal e suas origens políticas dão eco à definição
apresentada pela filósofa Marilena Chaui no debate "A Política
Conservadora na Cidade de São Paulo”, realizado no centro de São Paulo
no último dia 28. “Russomanno simboliza a forma mais deletéria do
populismo, porque é o populismo de extrema direita de uma cidade
conservadora, excludente e violenta”, disse a professora da Universidade
de São Paulo.
Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Unicamp,
lembra que a origem da discussão remonta à ditadura (1964-85). “A
ideologia de segurança nacional implantada na época estabelecia o
inimigo interno e o inimigo externo (a guerra fria) como
dois iguais. Foi essa ideologia que baseou a criação da Polícia
Militar, a qual, não esqueçamos, em sua origem, era chefiada por um
coronel do Exército”, diz Romano.
Para Romano, o ideário de Russomanno é claro: “A visão que clama por segurança pública é própria de São Paulo, tal como se produziu em sucessivos governos vindos da ditadura, depois eleitos já na democracia. Como Paulo Maluf, Russomanno tem vínculos claros com o malufismo”.
Romano ressalta que esse clamor por segurança da cultura paulistana e
do maior estado da federação contamina até mesmo políticos e lideranças
comprometidas com
o espectro mais à esquerda, que acabam tendo de responder a esse
anseio. “Fiquei surpreso quando li o programa de governo de José Genoino
(PT), que foi um guerrilheiro, na campanha ao governo de São Paulo em
2002: ele defendeu a Rota na rua”, lembra Romano. Seja como
for, independentemente de exigências decorrentes do perfil conservador
do eleitorado de São Paulo, as “relações perigosas” de Russomanno com o setor ligado às armas são estreitas.
Indústria de armas
No debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo no dia 25 de
setembro, o candidato do PSOL, Carlos Giannazi, atacou Russomanno
acusando-o de ser financiado pela indústria de armas. Sabe-se que a
campanha ao governo de São Paulo em 2010 pelo PP recebeu R$ 100 mil da
Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições.
Giannazi chama a atenção para um fato que não é novo, mas é emblemático: o candidato do PRB à prefeitura paulistana, como
deputado federal, é autor de um projeto de lei que tramita até hoje na
Câmara autorizando deputados e senadores a usarem armas. Giannazi, o
único entre os candidatos a tocar nesse aspecto da atuação de Russomanno
no Congresso, refere-se ao Projeto de Lei 1017, de 2007, que foi
apensado ao PL 1332, de 2003, de Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), o qual
está na Comissão de Finanças e Tributação.
“Russomanno tem forte componente
militar. Ele vem de longe, tem origem na ditadura, em propostas
identificadas no PFL, no PP do Maluf, no DEM”, diz Giannazi. Para ele,
Serra também se vale de políticas repressivas típicas das ideologias da
direita, como o uso de
Polícia Militar contra professores em manifestações. “Mas Serra é um
direitista mais sofisticado. Russomanno é mais tosco”, define.
Para Roberto Romano, a situação eleitoral em São Paulo, até o momento com
a liderança do candidato do PRB e da Igreja Universal do Reino de Deus,
que se aproveitou do vácuo criado pelo embate PT-PSDB, reflete a
cultura paulistana. “No Brasil inteiro e na América Latina a esquerda
tem avançado. São Paulo está um pouco na contramão desse movimento”, diz
o professor da Unicamp.
Milícias
Entre as propostas do candidato do PRB, caso seja eleito prefeito de
São Paulo, está fortalecer e prestigiar a Guarda Civil Municipal e
colocá-la inclusive dentro das escolas – o "guarda amigo", como diz. Para respaldar sua ideia de tornar a GCM uma força com
poder de polícia de fato, ele cita o artigo 301 do Código de Processo
Penal, que diz: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e
seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante
delito.”
Quer também integrar vigias particulares e guardas privados à
polícia, para que se auxiliem mutuamente. Uma proposta que pode parecer
tola, até porque ele teria de convencer o governo do estado a fazer com
o município uma parceria francamente inconstitucional. Recentemente, o
candidato citou o Decreto 50.301, de 1968, para embasar sua proposta.
Mas o decreto não está mais em vigor.
Tola ou não, a proposta é reveladora. A intenção de Russomanno de
criar verdadeiras milícias armadas é preocupante. A diretora do
Instituto Sou da Paz, Luciana Guimarães, concorda que o ideário de
Russomanno preocupa. “Na área de segurança é importante prestar atenção
em propostas milagrosas que fazem as pessoas acreditarem que o problema
vai ser resolvido”, diz Luciana. “Quando há uma solução milagrosa que
envolve a questão das armas, temos de perguntar se essa proposta não
está a serviço de alguma força interessada nisso.” Ela afirma ser
importante conhecer, no processo eleitoral, o posicionamento dos
candidatos, particularmente de Russomanno, “para inclusive sabermos, no
caso dele, em que posição ele se colocou no Congresso diante do tema”.
Para Luciana, a Guarda Civil é importante, mas não como força militarizada. “A pior coisa é transformar a Guarda em polícia. Ela tem de atuar como
mediadora de conflitos, nos espaços públicos, em briga de vizinhos, por
exemplo, mediando relações, ajudando na conservação da ordem em
situações que não chegam a exigir a intervenção da polícia, mas que sem
mediação até podem virar grandes conflitos”, explica Luciana, que cita a
cidade de Canoas (RS) como uma das que exemplificam esse tipo de atuação comunitária, e não policial, da guarda civil.
Teoria das janelas quebradas
Luciana menciona também o "broken windows", de Nova York, como
ficou conhecido um estudo de dois norte-americanos: o cientista
político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling. Em
1982, eles publicaram o estudo "The Police and Neighborhood Safety" (A
Polícia e a Segurança do Bairro).
Segundo o estudo, a janela quebrada (broken windows, em inglês) de uma casa, um escritório ou uma fábrica tinha de ser consertada para que a negligência não provocasse na comunidade
o sentimento de abandono e ausência da presença do Estado. Se o dano
não fosse reparado, dizia a teoria, esse sentimento resultaria em mais
janelas quebradas e depredações e, consequentemente, a decadência do
bairro e, por último, a violência.
A teoria das janelas quebradas acabou sendo um dos pilares do projeto “tolerância zero” de Nova York. De acordo com ela, a ocupação dos espaços com políticas públicas não só os preservaria e levantaria a autoestima da comunidade,
mas principalmente seria uma prevenção contra os pequenos crimes, que,
sem essa atuação do Estado, ganhariam escala cada vez maior de
gravidade. Em outras palavras, políticas públicas e necessária
repressão, mas em dose adequada, aos pequenos crimes, em vez de polícia,
armas e repressão violenta.